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Mote
faz apelo para que a comunidade universitária aprenda e ensine que violência é
crime
O que cabe dentro da Universidade Federal de São Carlos
(UFSCar)? Ciência? Cabe! Inovação e empreendedorismo? Cabem! Cultura e lazer?
Cabem também! Diálogo e divergência de ideias? Com certeza, cabem! Avanços no
conhecimento e desenvolvimento de novas tecnologias? Ah, cabem! Formação
profissional e cidadã? Cabe! Compromisso social? Cabe, muito! Práticas
esportivas e cuidados com o corpo e a mente? E como cabem! Diversidade,
empatia, acolhimento, respeito? Cabem e devem caber cada dia mais.
Para Vinícius Nascimento, gestor da Secretaria Geral de Ações Afirmativas, Diversidade e Equidade (SAADE) da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), podemos compreender a Universidade como o lugar onde são discutidos os assuntos universais e onde se produz conhecimento científico, tecnológico e cultural. Essa produção, no entanto, é realizada por pessoas diferentes e constituídas de histórias, ideologias e experiências muito diversas. "Por essa razão, é muito comum que haja, no processo de construção cultural, científica e de conhecimento, discordâncias e divergências. Entretanto, divergir e agredir são coisas completamente diferentes. Nesse sentido e considerando a pluralidade que compõe a UFSCar, cabe discordância, mas com respeito, diálogo e cordialidade.
Isso é a
democracia. É a defesa intransigente pelo direito de todos se posicionarem
respeitosamente. Em contrapartida, o que não cabe e nem podemos deixar caber é
a violência em suas mais variadas e assombrosas facetas. Não podemos aceitar
que agressões verbais e físicas, racismo, sexismo, misoginia, LGBTfobia,
capacitismo, xenofobia, etarismo, intolerância religiosa, assédios morais e
sexuais aconteçam em nossa comunidade. Essas violências precisam, sem dúvidas,
ser combatidas com veemência e firmeza", defende ele.
"Na UFSCar, temos espaço e cultivamos muitas coisas - a
ação colaborativa, a convivência entre os/as diferentes, as discussões e
divergências, o respeito e o afeto. Mas aqui não cabe a raiva, a discriminação,
o sectarismo, o silenciamento, a perseguição, a violência - de qualquer
natureza", afirma Ana Beatriz de Oliveira, Reitora da Universidade.
É justamente com o objetivo de contribuir para combater toda
forma de violência dentro da comunidade universitária que a Administração
Superior lançou em 6 de outubro a campanha "Discriminação não cabe na
UFSCar. Aprenda, ensine: Violência é crime". A campanha considera a atual
realidade da Instituição que, nos últimos 20 anos, viu a sua comunidade crescer
exponencialmente em número e em diversidade. "A Universidade é um
microcosmo da sociedade em que vivemos. Todos os embates que acontecem na
sociedade em geral vão refletir em menor proporção no ambiente universitário.
Entretanto, com as ações afirmativas dos últimos anos e a entrada de públicos
que até o início dos anos 2000 não tinham acesso ao Ensino Superior e, com
isso, a ampliação da diversidade e da pluralidade, as violências que acometem
pessoas negras, indígenas, mulheres, população LGBTQIAPN+, pessoas com
deficiência e estrangeiros passam a ser observadas com mais frequência por aqui
também", explica Nascimento.
Segundo ele, infelizmente, encontramos dentro da
Universidade todas as manifestações de violência que encontramos fora.
"Temos percebido uma escalada sem precedentes do racismo, LGBTfobia e
machismo na sociedade, o que se reflete na UFSCar. Eu atribuo esse aumento ao
problema histórico de educação em nosso País e à escalada dos discursos de ódio
dos últimos anos. Em relação ao racismo, os quase 400 anos de escravidão - que
foi, em todo esse período, o fundamento da economia do Brasil - não são
abordados da forma como deveriam ser no processo educacional de base. Os
efeitos da escravidão estão aí até hoje na forma como pessoas negras são
tratadas, olhadas, abordadas dentro e fora da UFSCar", lamenta.
De forma insistente, pessoas negras são
"lembradas" de que a universidade não foi construída para elas
quando, no caso de estudantes, são preteridas em trabalhos e atividades em
grupo ou subestimadas porque entraram pelo sistema de reserva de vagas; ou
quando questionados se são realmente professores, no caso de docentes. Do mesmo
modo, a população LGBTQIAPN+ tem sido vítima de diferentes formas de violência.
"Podemos citar de forma mais enfática a população transexual e travesti
que sofre violência quando a comunidade se nega a tratá-la pelos seus nomes
sociais e pelos pronomes com os quais cada pessoa se identifica. As mulheres,
ainda hoje, são subestimadas por seus colegas homens em suas competências e
capacidades técnicas ou, até mesmo, interrompidas, silenciadas ou assediadas em
seu ambiente de trabalho", destaca Nascimento.
E por que o diferente ainda causa tanto incômodo, levando a
comportamentos preconceituosos e até criminosos? Para o Secretário Geral da
SAADE, há uma ideia muito presente em nossa sociedade de que a diferença está
só no outro, sobretudo, no outro que é apontado como marginalizado: negros,
indígenas, mulheres, LGBTQIAPN+, pessoas com deficiência, estrangeiros. A
concepção histórica e ocidental de que o "sujeito universal" e de
"referência" é o homem, branco, europeu, cisgênero, heterossexual e
sem deficiência faz com que a reflexão sobre identidade e diferença esteja
sempre em quem está fora desse perfil.
"Por isso, é comum ouvirmos que as diferenças precisam
ser aceitas, como se elas estivessem em um local distante de quem as apresenta.
A pergunta que devemos fazer é: o que são diferenças? Quais diferenças precisam
ser aceitas? Não seríamos todos nós diferentes e diversos? O problema é que o
patriarcalismo europeu estabeleceu, durante muito tempo, que a condição de
humanidade está atrelada a esse perfil. O que foge dele precisa se adequar ou
ser exterminado. Essa foi a razão das atrocidades históricas que vivemos
enquanto humanidade: da inquisição na Idade Média, passando pela escravidão até
o holocausto no século XX. O que vivemos hoje é, infelizmente, um efeito rebote
dessa visão", completa ele.
Todavia, diferentemente da Idade Média, da Modernidade e do
início do século passado, o que se coloca atualmente, na pós-modernidade, é que
os grupos identificados como "marginalizados" e fora dessa ideia de
"sujeito universal" agora têm vez, voz e direitos conquistados. Na
universidade, esse conflito se torna ainda mais visível devido às ações
afirmativas. "Quando eu não consigo lidar com o outro que, historicamente,
sempre esteve em posição inferior à minha e que agora senta comigo para se
formar e disputar o mesmo mercado que eu, que é meu colega de departamento e
produz ciência como eu ou que é meu superior, eu tento, de diferentes formas,
subjugá-lo, inferiorizá-lo, apagá-lo. A violência é isso. Uma tentativa de
aniquilação daquilo que me traz incômodo e que revela algo também sobre mim
mesmo", sintetiza Nascimento.
Ensinar versus punir
Para Vinícius Nascimento, está claro que há pessoas que são
preconceituosas e que devem entender que muitas formas de preconceito e de
discriminação são crimes. E há aquelas que querem aprender, melhorar e evitar
seus comportamentos preconceituosos. Assim, podemos dizer que existem dois
diferentes perfis: aqueles que são atravessados e constituídos pelas violências
históricas e que, ao se perceberem nessa condição, buscam de forma intensa
descontruírem seus padrões e comportamentos violentos e os que são violentos e
cometem crimes, por diferentes razões, e que pensam que suas ações não precisam
ser punidas.
"Eu diria que o primeiro grupo é majoritário. Todos nós
somos construídos e atravessados pelas violências, porque crescemos e fomos
educados em uma sociedade estruturalmente racista, sexista, misógina,
xenofóbica, LGBTfóbica, capacitista, etarista. Diante disso, o movimento é
sempre educativo. Todavia, para o segundo grupo ou para qualquer pessoa que
cometa crimes, o caminho é o de qualquer ato criminoso: polícia! Abrir um
boletim de ocorrência e fazer a denúncia na Ouvidoria da UFSCar são os caminhos
mais efetivos para o combate e a punição de agressores na nossa
comunidade", indica ele.
Para a Reitora, "combater a violência na Universidade
tem um caráter educativo e multiplicador ímpar, já que parte da nossa missão é
formar pessoas. Esperamos, portanto, que tudo o que é trabalhado na
Universidade transborde para outros locais e, dessa forma, contribua para a
transformação social que tanto almejamos e precisamos".
Nesse sentido, e para construir uma comunidade universitária
- e uma sociedade - com mais respeito à diversidade, Oliveira defende que
"o primeiro passo é garantir que a diversidade exista, e isso já
praticamos há bastante tempo. O segundo é reconhecer que a sociedade atual
abriu espaços para que o respeito à diversidade fosse corrompido. Sabendo que
muitas situações inadequadas ocorrem aqui dentro da Universidade, precisamos
atuar educando as pessoas e investigando com seriedade as ocorrências
registradas. É fundamental que todas as pessoas compreendam as situações que
configuram violência e até mesmo crime. Os processos disciplinares conduzidos
com rigor são também ferramentas potentes de transformação cultural. Leva
tempo, mas, se não começarmos, nunca alcançaremos a cultura da paz e do convívio
pleno entre diferentes".
Em termos práticos, a Reitora resume o que já tem sido feito
em sua gestão no combate às violências: "De início, nós constituímos um
grupo de trabalho que se debruçou sobre a questão da violência e da mitigação
de danos oriundos da violência. Transformamos o setor responsável pela
averiguação de denúncias e hoje contamos com a Coordenadoria de Gestão e
Mediação de Condutas. Todas as denúncias são averiguadas e, havendo
materialidade comprovada, são abertos processos administrativos disciplinares.
Foi montado um banco de servidoras e servidores para composição das comissões e
essas pessoas passaram por processo de capacitação. Lançamos mão de novos
instrumentos para concluir casos de primeira ocorrência, como o Termo de
Ajustamento de Conduta. Assim, temos conseguido dar vazão aos muitos casos que
nos chegam. A partir dos registros, a SAADE tem atuado em processos educativos
mais localizados, por meio de rodas de conversa. E toda essa construção culmina
na nossa Política Institucional para Prevenção, Redução e Mitigação de
Danos da Violência, aprovada pelo Conselho Universitário no dia 19 de setembro,
e no lançamento desta campanha".
Campanha
A campanha "Discriminação não cabe na UFSCar. Aprenda,
ensine: Violência é crime" é uma estratégia para realizar um movimento
educativo com a comunidade, a fim de que todas as pessoas possam perceber o
quanto são violentas em suas atitudes cotidianas, mudando seu comportamento.
Ela também tem o papel de mostrar que qualquer ato de violência é passível de
investigação e punição perante a lei.
"Somos uma comunidade humana e plural. Combater todos
os tipos de violência é importante para garantir o convívio pacífico e, mais
que isso, permitir com que as diferentes visões de mundo se encontrem e permitam,
com isso, a construção de um conhecimento plural, diverso, elaborado a partir
de diferentes pontos de vista, experiências e culturas. Não é possível viver em
uma sociedade de paz sem combater todos os tipos de violência", afirma o
Secretário Geral da SAADE.
No escopo da campanha, "queremos vestir os campi com
cartazes, flyers, adesivos e promover diferentes tipos de ações educativas como
rodas de conversa, diálogos e atividades culturais, tudo com o propósito de
mitigar a violência, construir uma cultura da paz e promover a
diversidade", destaca ele.
"Cada pessoa
da comunidade UFSCar precisa se enxergar como um instrumento dessa
transformação. A mudança exige o trabalho diário, a partir do diálogo franco e
do forte engajamento de todas e todos", conclui a Reitora.