Não
é novidade o fato de que a pandemia acelerou projetos que já existiam na maior
parte das redes de varejo, alterando prioridades, adequando e acrescentando
novas características àqueles projetos como originalmente concebidos.
Analisando uma sociedade e um consumidor que vêm se modificando a cada dia,
reaprendendo e exigindo mais a cada momento, alguns insights foram muito
importantes, se tornando muitas vezes a própria questão de sobrevivência do
negócio. Também nos supermercados, esses insights trazem lições consistentes
que, se não compreendidas, mudariam e ainda mudarão o formato da pergunta
"se vamos estar fora do mercado" para "quando vamos estar fora
do mercado?".
Aqui, podemos citar alguns dos temas em que essas lições trazem a todos nós um
importante aprendizado:
Omnicanalidade de fato
A omnicanalidade em sua essência remete à interação entre o cliente e a marca,
de forma linear e contínua, qualquer que seja sua jornada. A importância do
conceito "phygital", que reflete a redução ou eliminação da fronteira
entre o online e o offline, aos olhos do consumidor, é consenso. Entretanto,
cabem duas observações importantes:
Multi
não é Omni
Não é mais aceitável as empresas se colocarem como omnichannel, tendo
implementado de fato uma estratégia multicanal. Os diversos canais precisam
oferecer uma experiência única, complementar e interrelacionada e não uma
somatória de vias de contato com a marca com a mesma identidade visual.
Não
pode ser apenas um "rostinho bonito"
Não adianta interagir com o cliente de forma linear pelos diversos canais, se
essa eficiência não se propaga para outros elementos do sistema, tais como
armazenamento, meios de pagamento, transportes, atendimento ao cliente, last mile,
logística reversa, gestão de estoques, entre outros.
Logística é o pulmão
A empresa é um organismo vivo em meio a um ecossistema enorme. Principalmente
quando estamos em um país de dimensões continentais, com sérias dificuldades de
infraestrutura, os processos logísticos e a estratégia de composição,
considerando centros de distribuição, hubs de distribuição, parcerias
estratégicas, mecanismos que possibilitem decisões baseadas em dados,
inteligência artificial e tecnologia de forma geral, são fundamentais para que
esse organismo suporte com dignidade e excelência as exigências do mercado em
um ambiente cada vez mais competitivo.
Fidelização
A
relação com a "Persona" cede espaço à relação com a "Pessoa".
Não basta mais interagir com a persona, impactando os indivíduos que se
encaixam naquele perfil.
Hoje, é necessário que a interação seja claramente consistente, e que os
hábitos, as características e a realidade de cada consumidor sejam consideradas
individualmente.
Não a muito tempo atrás, o melhor que fazíamos era considerar individualmente o
nome, apelido, data de aniversário para uma interação automática que, apesar da
granularidade, ainda trazia em si uma frieza e uma impessoalidade
indisfarçáveis.
O cuidado com o cliente em um processo que seja efetivamente personalizado, e
que isso seja percebido pelo cliente, tem que estar na mira todo o tempo. Vale
lembrar que, como disse John Furner, CEO do Walmart US na NRF 2022,
"Fidelidade no varejo é ausência de algo melhor, assim que o consumidor é
exposto a uma proposta melhor ele vai para ela".
Soluções financeiras
Levar uma experiência encantadora ao cliente inclui proporcionar ao mesmo,
produtos e serviços financeiros mais amplos, e não apenas o suporte ao
pagamento de suas compras. Cada dia mais, o varejo entende que pode ser mais
relevante para seus clientes, e ainda gerar resultados melhores para seu
negócio, se combinar alternativas de forma a prover soluções financeiras, que
beneficiam não somente seus clientes, mas também parceiros, colaboradores e a
sociedade de forma geral.
Bancos de dados x Bandos de dados
Não somente os supermercados, mas praticamente quaisquer empresas do varejo em
diferentes segmentos já têm plena consciência do quão vital é fazer dos dados
um insumo precioso para inteligência de negócio. Um excelente exemplo, hoje que
o e-commerce ganhou a relevância que os números todos os dias nos mostram, é a
capacidade de visualizarmos o estoque correto em tempo real. Não adianta somente
ter uma complexa estrutura de armazenamento de mercadorias, se não temos uma
visibilidade de estoque com números confiáveis e em tempo real.
Para que os pedidos do e-commerce possam ser atendidos com eficiência que faça
frente à concorrência, não somente representada por outros varejistas, mas
também por plataformas de comércio eletrônico locais e de fora do país que hoje
já operam com eficiência no Brasil, entre outras coisas, é fundamental que
estejamos preparados para colocação em prática do conceito " available
to promise", ou “disponível para ser prometido”.
Em resumo, tendo certeza da disponibilidade de produtos em quaisquer unidades
da companhia, podemos prometer e cumprir a entrega com rapidez e qualidade, de
forma confiável, colaborando, assim, para uma experiência encantadora para o
cliente.
Sem medo de errar
Além da aceleração e adequação de novidades às ideias originais, a própria
dinâmica das relações com os consumidores e do comportamento das pessoas de
forma geral orientou claramente os varejistas no sentido de que os processos de
implementação das iniciativas, antes baseados em gestão focada no "acerto
permanente" e erro zero, não mais tem espaço.
É preciso errar rápido, corrigir rápido e, dessa forma, efetivamente avançar.
Não fazer as coisas sozinho
Compartilhar riscos é sempre um bom negócio. Estamos em uma fase em que a
evolução nos insere a todos em uma atmosfera de “colaboratividade e
combinatividade”, não só no âmbito profissional, mas até mesmo no âmbito
pessoal.
Há várias iniciativas que podem e devem ser implementadas pelas empresas
individualmente, entretanto para muitas dessas iniciativas, a troca de
experiências é sempre enriquecedora. Superar as dificuldades, gerando
diferencial para exponenciação de resultados, com apoio de empresas
especializadas, tem se mostrado um caminho acertado.
Entre as iniciativas cuja estratégia de atuação conjunta tem se mostrado
extremamente positiva, podemos mencionar:
Conversational
Commerce
Com base no conceito do termo criado por Chris Messina em 2015, conversational
commerce se refere a qualquer tipo de conversa em tempo real entre
marcas e clientes em aplicativos de mensagens, seja por meio de chatbots,
inteligência artificial ou pessoas, cujo objetivo é vender ou comprar.
As pessoas, de forma geral, interagem com os supermercados, visando abastecer
seus lares, sempre buscando qualidade, bons preços e variedade, mas apesar
dessa relação aparentemente automática, continuam sendo consumidores que
necessitam de atenção, personalização e tratamento que supere suas
expectativas.
Nesse aspecto, podemos melhorar muito, não só com tecnologia, mas com pessoas.
As vendas por aplicativos de mensagens são um bom exemplo de sucesso de adoção
dessa estratégia, embora ainda haja muito o que fazer no sentido de quebrar
limites ainda impostos pela tecnologia, mas que a evolução de IA supera a cada
dia.
Self
Checkout
A experiência do cliente precisa ser encantadora, e a loja física, à medida que
o distanciamento social se reduz, volta a ser frequentada com volume de pessoas
cada vez maior. Mesmo a loja física ganhando um contorno de experimentação para
o cliente, vivência de novas experiências e um perfil de showroom para alguns
segmentos do varejo, no caso dos supermercados, além de outras características
específicas, o evento da venda é mais volumoso.
O self-checkout, que no início teve que superar a resistência principalmente
dos consumidores menos afeitos à tecnologia, já ganha cada vez mais espaço e
simpatia.
Pricing
O que há uma década e meia era uma coleta de informações dos concorrentes, para
simples prática de preços competitivos aos olhos do consumidor, com o avanço da
tecnologia e dos processos de analytics se tornou um diferencial competitivo
que leva em consideração uma infinidade de variáveis e contempla ao mesmo
tempo, de forma muito eficiente, a prática do preço mais competitivo e
simultaneamente mais rentável para a organização.
O uso de ciência de dados para estabelecimento de políticas de preços foi
adotado pelas empresas em maior ou menor profundidade, e para que as adotaram,
pautam hoje decisões que norteiam desde a compra de insumos até ações de
pós-venda, permeando toda a cadeia e trazendo resultados relevantes para a
operação.
Contas
digitais
O varejo entendeu que as soluções financeiras são muito interessantes para
todos, incluindo clientes, varejistas, colaboradores, parceiros e a sociedade.
Com base nessa percepção, empresas vem a cada dia mais adotando contas digitais
e soluções financeiras mais amplas e completas.
Fidelização
Praticamente todas as empresas iniciaram ou aceleraram ações no sentido de
trabalhar a fidelização de seus clientes. As redes sociais, entre outros
elementos, possuem uma importância fundamental nessas iniciativas, entretanto
se não utilizadas adequadamente, as informações oriundas dessas fontes passam a
figurar, como costumamos dizer, como um “bando” de dados e não um “banco” de
dados.
Instrumentalização
para aprimoramento de processos logísticos
Soluções como Transportation Management System (TMS), Warehouse Management
System (WMS), Labor Management System (LMS), Control Tower e Sales and
Operation Planning (S&Op) receberam atenção especial durante a pandemia,
para que pudessem justificar o bom funcionamento do "pulmão"
representado pelos processos logísticos.
Importante ter claramente no radar
Há temas que precisam estar no radar das decisões, e alguns deles podendo e
devendo ser replicados e mais acelerados ainda em 2022. Entre esses assuntos
podemos citar:
Soluções
de fulfillment usando lojas
No fulfillment,
focamos em todas as operações e atividades que são realizadas desde o
nascimento do pedido até a entrega do produto adquirido. A qualidade em
processos como recebimento, armazenamento, separação, embalagem, expedição,
faturamento e outros são imprescindíveis para que se cumpra o chamado “pedido
perfeito”. A estruturação das lojas como parte da estratégia como pontos de
entrega de produtos adquiridos via e-commerce pode perfeitamente ser endereçada
ainda em 2022 e os resultados são na maior parte das vezes bastante relevantes.
Alt
Commerce
Investimento em soluções de Alt-commerce, incluindo gamificação e
formas diferenciadas de comércio eletrônico. Live-commerce para supermercados
não é uma ideia ruim, por exemplo, uma vez que a gama de produtos
comercializados é bastante ampla.
ESG
Revisita alguns processos e foco nos temas associados a ESG - E(Environment),
S(Social) e G(Governance). A relação das empresas com sustentabilidade e com os
preceitos de ESG já é muito importante e tende a ser cada vez mais um ativo
extremamente relevante.
Melhoria
de interação com marketplaces
Oxigenação do processo de gestão de produtos e processos associados a
marketplaces. A forma como nos relacionamos com os diversos canais de venda deve
ser fluida, permitindo que não haja uma relação direta entre esforço despendido
e a quantidade de canais de venda com os quais trabalhemos.
Transformação
cultural
A transformação cultural é a base para processos de inovação e a chamada
transformação digital. Ações visando a mudança de mindset das pessoas na
organização trazem benefícios exponenciais à saúde do negócio.
Adequação
das lojas físicas
Adequação das lojas físicas ao novo papel que estas ganham dia após dia. Os
supermercados possuem especificidades que tornam essas iniciativas diferentes
de outros segmentos. No entanto, há muito que pode ser feito, sem grandes
investimentos, sem macular a essência de funcionamento desse segmento,
possibilitando resultados melhores para a operação.
Metaverso
Embora já tenhamos uma infinidade de iniciativas de empresas de varejo no
metaverso, ainda é algo que está se testando e em um relativamente curto espaço
de tempo, o próprio mercado nos dará a resposta quanto a sua viabilidade e
poder. Entretanto, essa tendência não deve ser ignorada, tampouco sua
possibilidade de relevância em algum tempo subestimada, mesmo porque já existem
cases também de supermercados funcionando no metaverso. O tempo para
materialização do metaverso pode ser surpreendente.
Nelson Soares - head de
Inovação em Varejo Digital e Logística do Grupo Stefanini