Em pouco mais de três décadas, o Brasil mergulhou
numa crise econômica profunda que transcende a questão político-partidária e
continua a castigar a população, sobretudo a mais pobre. O crescimento
econômico do País é pífio se comparado com outros períodos. Durante os cinco
anos do governo de Juscelino Kubitschek (1956-61), o crescimento anual do
Produto Interno Bruto (PIB) foi de 8,06% ao ano. No recorte histórico dos 32 anos
que antecederam a nova Constituição Federal (de 1956 a 1988) o Brasil registrou
crescimento médio de 6,39% ao ano, desempenho jamais alcançado depois disso.
Nos 32 anos pós-Constituição de 88 (1989 a 2021) o crescimento médio despencou
para 2,05% ao ano e, nos últimos 12 anos (2011 a 2022), sequer atingiu um
dígito, ficando na média inferior a 0,80% ao ano.
Não raramente creditam esse raquítico desempenho às
crises externas. Um argumento insustentável. Basta compararmos. Ainda que nesse
período de fato o mundo tenha atravessado diversas crises, enquanto o Brasil
crescia somente 2,05% ao ano, a China apresentava crescimento anual superior a
10%; a Índia crescia à ordem de 7,4% ao ano, a Coreia do Sul, 6,74%; o México,
5,71%; os Estados Unidos, 4,43%; o Reino Unido 3,72% e a Alemanha, 3,47%. Todas
essas nações souberam enfrentar as oscilações externas enquanto o Brasil
buscava culpados, somava seguidos planos econômicos de resultados medíocres e
afundava na estagnação, culminando agora com a inflação atingindo novamente
altos patamares e o fantasma da fome assombrando 33,1 milhões de brasileiros.
Em vez de trilhar o caminho mais fácil de colocar a
culpa nas crises estrangeiras, o Brasil precisaria ter a coragem de admitir as
verdadeiras razões que provocaram tal situação, a começar de alguns
dispositivos inseridos na Constituição de 88 e de equívocos históricos, como a
aprovação da emenda da reeleição para cargos executivos.
Se de um lado a Constituição Cidadã trouxe
inegáveis avanços no campo social, de outro possibilitou fenômenos que se
mostraram desastrosos à Nação. Um exemplo é a farra de criação de municípios:
mais de 1.440 deles surgiram desde então, a maioria com população inferior a
8.000 habitantes e sem qualquer viabilidade econômica, dependendo exclusivamente
dos repasses constitucionais do FPM, ICMS e FUNDEB para se manter.
Outra excrecência nacional é a amplitude garantida
ao instituto do foro privilegiado, benefício que alcança 55.000 pessoas, número
sem similar em qualquer outro país do mundo. Trata-se de verdadeiro escudo de
impunidade, em contrariedade ao artigo 5º da Constituição, segundo o qual todos
são iguais perante a lei.
Igualmente desastrosa se mostrou a admissão da
reeleição para cargos executivos. Com ela, os prefeitos, governadores e presidentes
eleitos tomam posse e no primeiro dia de governo já estão com o pensamento
voltado para a conquista do próximo mandato. Para concretização do novo projeto
político, rapidamente as gestões se transformam em governos de cooptação, com a
concessão de privilégios injustificáveis e a instalação de verdadeiros feudos
partidários. Correção que poderia ser feita com a fixação de mandatos mais
extensos – garantindo tempo hábil para a consolidação de programas de governo
-, sem possibilidade de reeleição.
Nada justifica também o gigantismo da máquina
pública que compromete 42% das receitas dos três entes federativos (União,
Estados e Municípios) enquanto, paradoxalmente, mantém-se remuneração indigna a
professores e profissionais da saúde e da segurança pública.
De igual forma, a corrupção endêmica que drena os
cofres públicos é estimulada pela impunidade decorrente na nociva massificação
do foro privilegiado e do excesso de recursos judiciais e filigranas jurídicas
que levam à prescrição dos crimes praticados contra os cofres públicos. Como
lembrou o ministro do STF Luiz Fux em recente evento, ninguém pode esquecer de
que houve corrupção na história recente do Brasil, apesar de anulações de
sentenças da Operação Lava Jato, por “questões formais”.
Outra consequência nefasta desse período
pós-Constituição de 88 é a farra dos gastos tributários, na verdade concessões
de renúncias ou isenções fiscais injustificadas e contrárias aos artigos 3º,
43º, 151 e 165 da Constituição Federal. São recursos da ordem de R$ 380
bilhões/ano, o correspondente a 4,2% do PIB nacional, que seriam suficientes
para dobrar o atendimento no SUS, aumentar em 100% o salário de professores e
profissionais da saúde e da segurança pública, eliminar em seis ou sete anos o
déficit habitacional, dobrar o contingente da Polícia Federal e gerar milhões
de empregos todos os anos, garantindo renda e dignidade para significativa
parcela da população brasileira.
Agora, com a proximidade das eleições, o eleitor
precisa saber o que pensam os candidatos a respeito dessas questões cujo
enfrentamento é crucial para os rumos do País. Até o momento, os pré-candidatos
apresentaram mais do mesmo, fazendo abordagens apenas superficiais dos
principais problemas nacionais e prometendo soluções pontuais e espasmódicas.
Jornalistas, radialistas, debatedores e
influenciadores precisam questionar os précandidatos e, depois, os candidatos
homologados, para que eles se posicionem com firmeza em relação a esses
problemas que emperram a nação. É necessário que o eleitor saiba com clareza
quem é favor e quem é contra a reeleição e qual candidato assume publicamente o
compromisso de propor a revisão desse instituto.
“O senhor (ou a senhora) se compromete a combater a
corrupção desde o primeiro dia de seu governo?”. Esta é outra pergunta
obrigatória. A seguinte é se irá propor alteração na Constituição para tornar
imprescritíveis os crimes praticados contra a administração pública, para o
restabelecimento da prisão em segunda instância e para proibir que réus na Justiça
– mesmo sem condenação definitiva – sejam impedidos de concorrer a cargos
públicos.
É a hora de os candidatos responderem se concordam
com o foro privilegiado da forma como vigora hoje o instituto e se irão propor
mudanças. Os profissionais da imprensa, cujo trabalho é essencial a democracia,
precisam perguntar clara e objetivamente aos postulantes a governador e a
presidente da República se eles são a favor da redução dos tributos estaduais e
federais sobre a cesta básica, medicamentos, energia elétrica, óleo diesel e
gás de cozinha, e o que pretendem fazer sobre o tema. Da mesma forma, a
população quer saber quem está compromissado com a redução do gigantismo da
máquina pública e quais dos candidatos apresentarão propostas coerentes,
concretas, dimensionando os custos das realizações prometidas e as fontes de
recursos para sua viabilização.
Somente tais questionamentos poderão buscar
transparência e fazer frente ao festival de promessas vazias que costumam ser
despejadas no horário eleitoral gratuito. É preciso quebrar a plasticidade que
emoldura os candidatos na campanha, dissecando seus projetos para o país e
revelando o que é promessa caça-voto e o que efetivamente ataca o necessário e
factível. Sem isso, o voto – obrigatório – nunca será verdadeiramente
consciente.
Samuel Hanan - engenheiro com
especialização nas áreas de macroeconomia, administração de empresas e
finanças, empresário, e foi vice-governador do Amazonas (1999-2002). Autor do
livro “Brasil, um país à deriva”.