Estudos científicos
demonstram que a microbiota intestinal tem papel importante na aquisição e
evolução do vírus, atuando de maneira direta, ao inibir a replicação viral, ou
de maneira indireta, modulando a resposta imune
A relação entre as bactérias que colonizam o corpo
humano e a covid-19 tem sido estabelecida por inúmeros estudos científicos, que
demonstram que a microbiota intestinal, por exemplo, tem papel importante na
aquisição e replicação do vírus, atuando de maneira direta, ao inibir a
replicação viral, ou de maneira indireta, modulando a resposta imune. A prática
clínica mostra que as bactérias são responsáveis ainda por coinfecções, que
contribuem para piorar o estado de saúde de pacientes que já desenvolveram a forma
mais grave da doença.
O farmacêutico, bioquímico, pós-doutor em
microbiologia e autor do livro “O lado bom das bactérias”, Alessandro Silveira,
explica que a covid-19 é uma doença cujas complicações estão associadas, não à
atividade direta do vírus, mas à resposta imune do hospedeiro. “Como as
bactérias intestinais auxiliam o sistema imune a funcionar de uma maneira mais
adequada, fica evidente a relevância destes microrganismos no controle da
doença”, diz.
A microbiota intestinal atua de três formas para
minimizar os efeitos da infecção pelo Sars-CoV 2 e controlar o andamento da
doença. A primeira é pela modulação do sistema imune. Conforme
Silveira, as bactérias impedem que haja a hiperatividade da resposta imune, a
chamada tempestade de citocinas (mediadores inflamatórios), que se dá quando o
organismo reage à infecção agressivamente, levando ao desenvolvimento de edema
pulmonar (pulmão se enche de líquido), que impossibilita a troca gasosa,
acarretando insuficiência respiratória.
A segunda forma é através da
supressão dos receptores celulares. O pós-doutor em microbiologia explica que o
Sars-CoV 2 tem uma proteína de superfície que funciona como uma chave para o
receptor (AC-2) da célula, que atua como uma fechadura. “A partir do momento
que essas fechaduras estão escondidas ou não existem mais, o vírus não consegue
penetrar a célula”, relata. Como o vírus não adentra às células, ele fica
impossibilitado de se replicar. Nesse ponto, entra a terceira
forma de atuação das bactérias, que é por meio da destruição ativa do vírus que
fica exposto do lado de fora da célula.
Para ter uma microbiota intestinal equilibrada e
saudável e, consequentemente, um sistema imune eficiente para lutar contra
infecções, a boa alimentação é fator essencial. De acordo com o pós-doutor em
microbiologia, a dieta ideal é aquela constituída de prebióticos, probióticos,
simbióticos e alimentos naturais e que evita comidas processadas e
ultraprocessadas. Silveira recomenda também não consumir vegetais com
agrotóxicos e carne de animais criados em confinamento, pois estes, devido a
condições muita restritivas, são tratados com antibióticos para não
adoecerem. Outros fatores benéficos à microbiota intestinal são: sono de
boa qualidade; prática de atividade física; evitar o uso excessivo de
medicamentos; e controle do estresse.
O desequilíbrio da microbiota intestinal torna o
organismo humano suscetível a infecções e consequentemente ao agravamento da
covid-19. Além disso, segundo o pós-doutor em microbiologia, o desequilíbrio
favorece ao surgimento de comorbidades, como obesidade e diabetes tipo 2, por
exemplo, que também contribuem para o desenvolvimento de quadros mais graves da
doença.
O que não significa que bactérias intestinais, como
Clostridium
spp., Coprobacillus spp. e algumas proteobactérias, que são
patológicas e certamente estão associadas ao agravamento da doença, estejam
predispostas a causá-lo. “Esses microrganismos habitam nosso intestino em
harmonia com outras bactérias, sendo o desequilíbrio o principal responsável para
que atuem agravando a infecção”, diz Silveira. Nesse sentido, destaca o
bioquímico, é preciso cuidar, seguindo as recomendações já mencionadas, para
manter o perfeito equilíbrio da microbiota intestinal, favorecendo o
fortalecimento de bactérias benéficas - que atuam como protetores contra o
vírus - como Eubacterium spp., algumas espécies de bacteroides e Roseburia
spp.
O fato de a microbiota intestinal atuar como agente
fortalecedor do sistema imune faz com que o pós-doutor em microbiologia afirme
que a modulação intestinal – por meio de alimentação e outros fatores - pode se
tornar, no futuro, uma abordagem promissora no manejo terapêutico dos pacientes
com covid-19. “Trabalhos científicos vêm demostrando que há um número de casos
graves menor de pessoas com uma microbiota intestinal mais equilibrada. Além
disso, elas costumam se recuperar mais rápido da doença”, afirma. Silveira faz
questão de salientar, porém, que a modulação intestinal não seria única
terapia, e sim uma abordagem complementar a todos os tratamentos de suporte que
já tenham sido indicados pelo médico.
Infecções bacterianas oportunistas
As bactérias também contam com um papel importante
no aparecimento de infecções oportunistas. Pacientes com quadros graves
de covid-19 costumam apresentar pneumonias bacterianas adquiridas de duas
formas: em razão do ambiente hospitalar e por causa da ventilação mecânica a
que são submetidos.
Silveira explica que o hospital favorece o
surgimento das chamadas bactérias multirresistentes - que resistem aos antibióticos
utilizados para combatê-las. Conforme o bioquímico, esses microrganismos, por
sua vez, são produtos de uma seleção natural que ocorre dentro do ambiente
hospitalar, em razão do uso maciço de antibióticos. Estes medicamentos acabam
por eliminar grande parte das bactérias do corpo, deixando vivas apenas as mais
fortes.
Além disso, deve-se levar em conta, segundo o
pós-doutor em microbiologia, que muitos desses pacientes que desenvolvem
quadros graves de covid-19 já apresentam doenças ou são idosos, ou seja,
costumam ter mais infecções e necessitam usar antibióticos de maneira regular.
Eles também apresentam bactérias multirresistentes, que os tornam mais
suscetíveis a coinfecções, em decorrência do desequilíbrio causado na
microbiota intestinal. “Esse desequilíbrio aumenta a permeabilidade intestinal,
fazendo com que as bactérias patogênicas do intestino possam migrar para o
pulmão, através de uma conexão entre os dois órgãos, ocasionando o processo
infeccioso pulmonar”, explica.
Já a pneumonia associada à ventilação mecânica
ocorre pela formação de um biofilme bacteriano no respirador. O pós-doutor em
microbiologia explica que por ser uma superfície inerte o tubo do respirador
retém as bactérias, secretando, com o passar do tempo, uma matriz exopolissacarídica,
com consistência de cola, que acaba por formar uma massa de bactérias. “Em um
primeiro momento essa colonização afeta o trato respiratório inferior, indo
posteriormente ao pulmão, causando um quadro grave de pneumonia”, relata.
Conforme Silveira, em decorrência desse processo de
acúmulo das bactérias nas superfícies inertes, a pneumonia é esperada em
pacientes que são entubados. Como não é possível a retirada do respirador, pois
o paciente precisa do aparelho para continuar respirando e vivendo, a equipe
médica monitora seu estado, agindo com antibióticos assim que surgem os
primeiros indícios da coinfecção. “O manejo clínico desses pacientes é bastante
complicado”, afirma.
As principais bactérias que causam as pneumonias
relacionadas aos casos graves de covid-19 são: Staphylococcus aureus;
Pseudomonas
aeruginosa; Acinetobacter spp.; Klebsiella
pneumoniae, entre outras. O bioquímico ressalta que tais bactérias,
normalmente, são multirresistentes, o que é um fator agravante.
Ficha Técnica
Título: O lado bom das bactérias
Autor: Alessandro Silveira
Subtítulo: O poder invisível que fortalece sua defesa natural para uma vida mais feliz e longeva
ISBN: 978-65-5544-071-3
Formato: 16x23
Páginas: 192
Preço de capa: R$44,90
Autor: Alessandro Silveira
Gênero: Desenvolvimento pessoal/Bem-estar/Saúde
Editora: Gente
Dr.
Alessandro Silveira - Graduado em Farmácia-Bioquímica pela Universidade
Federal de Santa Maria (UFSM), doutor em Ciência Médicas pela Universidade
Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA) e pós-doutor em Análises
Clínicas, pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Atualmente é
professor titular de Microbiologia Clínica para os cursos de Medicina, Farmácia
e Biomedicina da Fundação Universidade Regional de Blumenau (FURB), em Santa
Catarina. Desempenha, ainda pela FURB, as funções de consultor técnico de
Microbiologia Clínica e Bacteriologia Clínica e coordenador do curso de
Especialização em Bacteriologia Clínica. Atua também como coordenador de
Microbiologia Clínica da Sociedade Brasileira de Microbiologia (SBM), gestor da
Microbiologia do Ghanem Laboratório de Joinville e consultor de Microbiologia
Clínica e Molecular na DASA. Suas linhas de pesquisa incluem a análise
metagemônica do microbioma intestinal e a detecção da diminuição da
susceptibilidade de Staphylococcus aureus à vancomicina.