A imprensa trouxe a notícia que os prefeitos de Moraújo (CE), Ruan Lima (PSD), e de Praia Grande (SP), Alberto Mourão (MDB), nomearam familiares para secretarias em janeiro, argumentando que eles têm qualificações e confiança. Em que pese moralmente questionável, o Supremo Tribunal Federal (STF), analisando situações semelhantes, afastou a configuração do nepotismo, por entender que a nomeação de parentes para cargos de natureza política não afronta o princípio da impessoalidade.
Para entender melhor a questão, há que se enfrentar o enunciado da Súmula Vinculante nº 13 do STF, em especial o princípio da impessoalidade, e suas exceções à regra da vedação da nomeação de parentes para ocupar cargos de confiança na administração pública.
O que vem a ser uma súmula vinculante? A súmula vinculante é um instrumento jurídico introduzido no ordenamento brasileiro pela Emenda Constitucional nº 45 de 2004, no âmbito da chamada reforma do Judiciário. Este mecanismo tem como finalidade proporcionar uniformidade e previsibilidade às decisões judiciais no Brasil, ao obrigar que as instâncias inferiores e a administração pública sigam determinados entendimentos consolidados pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
A característica principal das súmulas vinculantes consiste no fato que as decisões do STF, uma vez consolidadas em súmula vinculante, são de observância obrigatória para todos os órgãos do Judiciário e a administração pública direta e indireta. Ou seja, havendo uma conformação do enunciado de uma súmula vinculante com os fatos postos em juízo ou para a administração pública, a obediência é imperiosa, não cabendo, em tese, interpretações diversas.
Em relação ao nepotismo na administração pública, o Supremo Tribunal Federal estabeleceu regras. De acordo com o enunciado da súmula, a nomeação de cônjuge, companheiro ou parente, até o terceiro grau, da autoridade nomeante ou de servidores em cargo de direção, chefia ou assessoramento para funções em comissão ou gratificadas, viola a Constituição Federal.
Em uma interpretação restrita do enunciado, depreende-se que a nomeação de parentes estaria adstrita aos cargos de direção, chefia ou assessoramento para funções em comissão ou gratificadas, que são, como regra, cargos de natureza meramente administrativa. Daí surgiram os questionamentos sobre a aplicação ou não da Súmula Vinculante nº 13/STF em relação as nomeações para exercer cargos de natureza política, como ministros, secretários de estado e município.
Instado a se manifestar sobre o tema, o STF flexibilizou a aplicação da Súmula Vinculante nº 13, conforme se extrai do excerto da Reclamação nº 31.732, em que a Corte acolheu a nomeação da esposa de um prefeito para o cargo de secretária municipal: "A nomeação de parente para cargos de natureza eminentemente política [...] não se subordina ao Enunciado Vinculante 13", destacou o relator do caso, ministro Marco Aurélio.
Dessa forma, para o STF, a nomeação de parentes para cargos políticos, como ministros ou secretários de estado ou município, não se enquadra nas restrições da Súmula Vinculante nº 13, haja vista que o enunciado veda a nomeação para os cargos de direção, chefia ou assessoramento para funções em comissão ou gratificadas, não se estendendo para os cargos políticos. O fundamento dessa interpretação está no artigo 84 da Constituição da República, que permite ao chefe do Executivo o direito de escolher livremente seu time de confiança, incluindo ministros e secretários, como é simetricamente aplicado aos âmbitos estaduais e municipais.
Para entender a diferença interpretativa do Supremo, é imperioso trazer para a realidade dos municípios brasileiros. Vamos supor, hipoteticamente, que um prefeito faça a nomeação de um filho para exercer o cargo de diretor de um setor em uma secretaria municipal, que é de livre nomeação – cargo de confiança; neste caso haverá a incidência da vedação prevista na Súmula Vinculante nº 13/STF. Por outro lado, se o prefeito nomeasse seu filho para exercer o cargo de secretário municipal, não incorreria na vedação prevista na citada súmula, uma vez que o cargo de secretário é considerado de natureza política, que foram excetuados pela Suprema Corte.
Em que pese a interpretação do alcance da Súmula Vinculante nº 13/STF esteja alicerçada em dispositivo constitucional (art. 84 da CR), está divorciada do principal vetor condutor da referida súmula, que é o princípio da impessoalidade, que é um dos fundamentos essenciais que regem a administração pública no Brasil e está previsto no artigo 37 da Constituição Federal de 1988. Este princípio é vinculado à ideia de que a administração pública deve atuar sempre no interesse coletivo, desvinculando-se de favorecimentos individuais ou pessoais. Assim, a essência da impessoalidade reside em garantir que as ações e decisões tomadas pelos agentes públicos tenham como norte a finalidade pública, e não interesses particulares de indivíduos, grupos ou partidos.
Portanto, não há como separar a aplicação do princípio da impessoalidade, no que se refere ao nepotismo, em relação aos cargos administrativos e os de natureza política. A incidência deve ocorrer em todas as situações envolvendo nomeação para cargos de confiança, sejam eles de alto, médio ou baixo escalão, uma vez que se espera (exige-se) que os agentes públicos e políticos desempenhem suas funções com profissionalismo, assegurando que políticas públicas sejam implementadas de acordo com critérios objetivos e universais, alheios a influências pessoais ou pressões externas, que são naturais quando os parentes são nomeados.
O grande problema brasileiro, no que se refere a
administração pública, consiste na confusão em que alguns políticos fazem entre
a "res publica" e a legitimidade do voto. Essas autoridades passam a
tratar o Estado ou município que governam como uma empresa privada. O mandato
confere um "munus publico" ao político, que é agir em prol da
coletividade e dentro do que a Constituição e as leis autorizam, e não há um
dispositivo sequer no ordenamento brasileiro que faculte ao gestor tratar a
coisa pública como própria, ou seja, o prefeito não é dono da prefeitura, o
governador não é do Estado e o Presidente não é dono do país. Infelizmente, a
nossa realidade caminha em outro sentido.
Marcelo Aith - advogado criminalista. Doutorando Estado de Derecho y Gobernanza Global pela Universidad de Salamanca - ESP. Mestre em Direito Penal pela PUC-SP. Latin Legum Magister (LL.M) em Direito Penal Econômico pelo Instituto Brasileiro de Ensino e Pesquisa – IDP. Especialista em Blanqueo de Capitales pela Universidad de Salamanca
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