Caracterizados por
elevado pH e alta concentração de sais alcalinos, esses corpos d’água estão
praticamente secando devido a aumento de temperatura, mudança no padrão de
chuvas e queimadas; resultados mostram como a comunidade microbiana local e
outros fatores influenciam na liberação de gases de efeito estufaAs lagoas salino-alcalinas são menos comuns no Pantanal
do que as de água doce
foto: Thierry Alexandre Pellegrinetti/Cena-USP
As
variações sazonais – com estações secas e úmidas – e o nível de nutrientes são
fatores que influenciam significativamente as emissões de gases de efeito
estufa das lagoas salino-alcalinas no Pantanal, consideradas menos comuns do
que as de água doce no bioma. Pesquisa realizada por cientistas das
universidades de São Paulo (USP) e Federal de São Carlos (UFSCar) traz novos
entendimentos sobre os fatores biológicos que impactam essas emissões e destaca
a urgência de aprofundar os estudos sobre o tema.
Chamados de “lagoas
de soda”, esses corpos d’água são caracterizados por elevado pH e alta
concentração de sais alcalinos, entre eles carbonatos e bicarbonatos que
influenciam diretamente na microbiologia desse ambiente e em sua diversidade de
plânctons.
No estudo, os
pesquisadores apontam a necessidade de incluir a composição e a função das
comunidades microbianas nos modelos de emissão de gases de efeito estufa
visando obter uma análise mais completa desses ecossistemas e de como eles
podem reagir a mudanças ambientais provocadas, por exemplo, por eventos
climáticos extremos e queimadas.
O Pantanal vem
sofrendo com secas extremas consecutivas e recordes de incêndios, tendo em 2020
atingido o pico, com 22.116 focos de calor durante todo o ano. Entre janeiro e
agosto de 2024, o total de focos – 9.167 – já superou o registrado nos 12 meses
dos últimos três anos (2023, 2022 e 2021, considerando o acumulado de cada ano
separadamente), segundo o programa BDQueimadas do
Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).
Publicado na revista Science of the Total
Environment, o trabalho destaca três tipos distintos de lagoas
salino-alcalinas no Pantanal que variam de acordo com a composição química da
água e as comunidades microbianas. São elas: lagoas turvas eutróficas (ET),
turvas oligotróficas (OT) e oligotróficas claras com vegetação (CVO).
Concluiu que houve
maiores emissões de metano nas lagoas turvas eutróficas – associadas ao
crescimento de cianobactérias e à decomposição de matéria orgânica. Quando
essas cianobactérias morrem e se decompõem, junto com o carbono orgânico
produzido pela fotossíntese, isso acelera a quebra de matéria orgânica na água
pelas bactérias e arqueias. Esse processo libera subprodutos que, ao serem
metabolizados nos sedimentos, geram metano, especialmente durante períodos de
seca.
As lagoas
oligotróficas claras com vegetação também emitiram metano, porém, em níveis
mais baixos. Por outro lado, as oligotróficas turvas não emitiram esse gás,
fato possivelmente associado aos altos níveis de sulfato na água, mas liberaram
dióxido de carbono (CO2) e óxido nitroso (N2O).
“Estamos vendo uma
variação muito grande nas paisagens dessas lagoas. Desde 2017, quando fizemos a
primeira coleta, foi possível observar que elas estão praticamente secando por
causa do aumento de temperatura, da mudança das precipitações de chuvas e
queimadas. Imagens de satélites mostram que a área de água vem diminuindo entre
2000 e 2022, além do aumento de cianobactérias, aqueles microrganismos que
fazem fotossíntese e deixam a água com coloração verde. São impactos das
mudanças climáticas”, afirma à Agência FAPESP Thierry Alexandre Pellegrinetti,
pesquisador do Centro de Energia Nuclear na Agricultura da USP (Cena-USP) e
primeiro autor do artigo.
Parte do trabalho
foi desenvolvida no doutorado de Pellegrinetti, quando ele teve bolsa da
FAPESP, sob a orientação da professora Marli de Fátima Fiore,
do Cena, que assina o trabalho como autora correspondente. A Fundação também
apoiou a pesquisa por meio do Projeto Temático “Mudanças climáticas e impactos
ambientais em áreas alagadas do Pantanal” .
Impacto
Embora as zonas
úmidas naturais representem apenas entre 5% e 8% da paisagem terrestre global,
elas armazenam entre 20% e 30% do carbono do solo na Terra, especialmente nas
regiões tropicais e subtropicais, desempenhando um importante papel na
regulação da concentração atmosférica de CO2 e afetando o clima.
No caso do
Pantanal, considerada a maior área úmida tropical do mundo, além das regiões
alagadas com água doce, existem cerca de mil lagoas salino-alcalinas,
concentradas principalmente na sub-região de Nhecolândia, um distrito do
município de Corumbá (MS) e foco da pesquisa. O bioma, além de servir como
santuário para inúmeras espécies selvagens, abriga em sua biodiversidade mais
de 2 mil tipos de plantas e 580 de aves, que se beneficiam da abundante
biomassa de plâncton dos lagos.
O estudo mostra uma
tendência preocupante: o aumento na prevalência de lagoas com florações de
cianobactérias, sugerindo que essas áreas podem se tornar emissoras
significativas de gases de efeito estufa no futuro. “O trabalho começou com
foco em entender a geologia dessas lagoas, como são formadas com o tempo e
analisar os ciclos biogeoquímicos mais focados nas emissões, principalmente
metano, CO2 e óxido nitroso”, completa Pellegrinetti.
Para a
microbiologista Simone Raposo Cotta,
uma das autoras do artigo e bolsista da FAPESP, é importante
destacar o papel dessas áreas. “Todos os processos ecológicos e de
funcionamento dos ecossistemas nas lagoas têm como base os microrganismos. Eles
executam a ciclagem de nutrientes em geral e a manutenção de vários processos,
por isso sua grande importância”, afirma Cotta, que atualmente é professora do
Departamento de Ciência do Solo da Escola Superior de Agricultura Luiz de
Queiroz (Esalq-USP).
Em 2022, o grupo já
havia publicado um artigo em que desvendava o estilo de
vida das comunidades bacterianas nas “lagoas de soda”, concluindo que durante a
estação seca as cianobactérias podem se adaptar a condições ambientais adversas
por meio da absorção de CO2. E em situações mais favoráveis (período chuvoso)
elas sustentam o crescimento bacteriano.
Além do Pantanal,
que tem as menores profundidades, essas lagoas são encontradas no Canadá, na
Rússia (onde o nível de salinidade é alto) e na África, sendo maiores em
tamanho e mais profundas. A pesquisa utilizou dados metagenômicos para explorar
os ciclos biogeoquímicos e a contribuição das emissões biogênicas,
particularmente metano, dos corpos de água.
Futuro
Cotta explica que
ainda não foi possível estimar a contribuição das emissões dessas lagoas no
total do bioma Pantanal e que o grupo vem trabalhando em uma série de
desdobramentos, entre elas modelagens para responder a essa questão.
“Estamos
finalizando trabalhos em outras áreas de funcionamento geoquímico, de formação
dessas lagoas porque elas já estão mudando. Em algumas já há concentração maior
de cianobactérias, que leva à alteração da água. Uma pergunta que estamos
tentando resolver é o motivo disso e formas de mitigá-las”, diz a pesquisadora.
O artigo The
role of microbial communities in biogeochemical cycles and greenhouse gas
emissions within tropical soda lakes pode ser lido em: www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S0048969724047958?via%3Dihub.
Agência FAPESP
https://agencia.fapesp.br/estudo-avalia-como-as-emissoes-das-lagoas-de-soda-do-pantanal-contribuem-para-a-mudanca-climatica/52701
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