Relações amorosas. Um pouco acarinhar, mais ganhar carinho. Desiderato da humanidade. Qualquer ser que padece de dor psíquica, visto o âmago desse sofrimento, padece, ainda que padeça também de outras coisas, de falta de amor. Concupiscente, o indivíduo que sofre por ausência de afeição tem urgência de um gesto que o afague.
Na busca de
relações amorosas, o sujeito procura um outro. Sai ávido, vaga pelos lugares,
descobre onde possa haver alguém. Frequenta recintos em que encontra outro,
qualquer outro, que também busca amor. Antes mal acompanhado do que só.
Deparam-se; sôfregos, oferecem-se. Despedem-se com a mesma falta do que foram
buscar.
Nós
(também) somos (lá) onde não nos sabemos (Lacan). É impossível, pois, atinar-se
por inteiro. Mas, ninguém vai achar ninguém sem se dar um tanto de conta de si.
Dessabido de si, o carente se entorpece, de ordinário, com álcool. Aliviado de
suas censuras, dá-se o gozo do momento. Esse gozo se encerra nele mesmo; não é
prazer, desemboca em conflito.
Outro
recurso é autoenganar-se, convencer-se de que esse amor vazio se estenderá no
tempo. Esse amor é oco. Tem afagos, até orgasmo, e satisfaz os corpos, mas é
falto de emoção. Não tem substância de relação entre pessoas. Nesse tipo de
relação afetuosa, cada qual só se encontra com suas carências. No dia seguinte
não tem ninguém além de si.
Não pareça
que trago moralismos. Nada disso. Sou a favor da satisfação do corpo. Que os
corpos se divirtam. Mas o corpo-eu deseja mais do que atender ao corpo. Há um
mais-de-mim que me compõe e que pede interlocução, algum sentido para o
relacionamento. Os sentidos, regra geral, são ofertas\cobranças das
circunstâncias históricas: ideologia circulante.
Nenhum
relacionamento dá conta de tudo. A vida é mais do que qualquer relacionamento.
Todavia, carecemos de estar em relação. Roubo de Lacan a expressão “Coisa”: o
que sempre buscamos. Só que a Coisa que falta não é coisa perdida; é coisa não
achada. A Coisa não achada é o outro. Mas cada qual se ludibria: não quer outro
para se relacionar (eu mais outro); quer eu no outro (ser um). Delira com
improvável fissão de existências.
Pulsão
atravessada por ideologia, resquícios do amor romântico. O Romantismo,
movimento filosófico e cultural nascido ao fim do século XVIII, marcou os
tempos e faz a base ideológica das ilusões amorosas até hoje. Todavia o
Romantismo não cuidava das coisas do amor; nasceu avesso ao Iluminismo:
racionalidade, esclarecimento, diversidade.
O
romantismo vulgar discursa o amor como tradição, preconceito, hierarquia:
submissão da mulher. O amor romântico foi (ainda é) aquele em que a mulher
subsumia suas vontades nas vontades do homem. O Iluminismo (início do século
XVIII), opositivo ao Medievo, acredita em preservar a individualidade: estamos
juntos, mas cada um é cada qual.
O
Romantismo “busca a unidade absoluta entre os amantes; em favor dessa unidade
ou identificação sacrifica o sentido autêntico da relação amorosa e sua
possibilidade de constituir a base para uma vida em comum” (Nicola Abbagnano,
Dicionário de Filosofia, Martins Fontes). Anula-se o feminino; dissolve-se-o no
mundo-um-só masculino.
Edito
Gisela Rao, psicanalista (uol.com.br/comportamento): “O amor
romântico traz a ideia de ter de encontrar alguém que te complete. A busca da
individualidade caracteriza a época em que vivemos. O amor romântico está
saindo de cena e levando com ele a exigência de exclusividade. A ideia de que
um parceiro único deva satisfazer todos os aspectos da vida tem grandes chances
de se tornar coisa do passado.
O ciúme, ele é sempre tirano e limitador. Quem tem autoestima não supõe que será trocado com facilidade. Controlar o prazer das pessoas é controlar as pessoas. Mas as mentalidades estão mudando. O amor em cada época se apresenta de uma forma. Não tendo mais modelos para se apoiar, abre-se a possibilidade de cada um escolher sua forma de viver”. Inventar seu modo de amar, e então vivê-lo. Nada a acrescentar.
Léo Rosa de Andrade
Doutor em Direito pela UFSC.
Psicanalista e Jornalista.
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