Questionamentos
sobre família e maternidade podem ficar de fora, explica especialista
Conciliar a maternidade com a vida profissional
historicamente sempre foi um grande desafio para as mulheres. Enquanto a
presença feminina em cargos de alta liderança vem aumentando a cada ano -
segundo dados da consultoria Grant Thornton, esse montante ultrapassa os 30% -
por outro lado, o volume de mulheres entre 31 e 40 anos são as que mais possuem
dificuldade em se recolocar no mercado de trabalho, conforme amostragem de uma
pesquisa feita pela Condurú Consultoria.
Por conta dessa disparidade, o olhar do mercado tem
se voltado aos desafios que essas mulheres, muitas vezes mães, enfrentam no
ambiente de trabalho e inclusive nos processos seletivos, sendo sabatinadas com
perguntas inadequadas em relação à sua vida pessoal - o que inclui perguntas
sobre maternidade.
De acordo com Camila Marion, sócia da EXEC,
consultoria especializada em Executive Search, muitas mulheres, ao tentarem
retornar ao mercado de trabalho ou buscarem uma melhor colocação, ainda se
deparam com entrevistadores fazendo perguntas e tecendo comentários
inadequados. Segundo a recrutadora, falta empatia por parte das pessoas para se
colocarem no lugar da entrevistada. “Eles não conseguem entender o quanto estão
sendo invasivos ao proferirem algumas perguntas que podem afetar a privacidade
da mulher que, além da vida profissional, tem um papel pessoal como mãe,
esposa, filha, entre outros”.
No entanto, a especialista afirma que muitos desses questionamentos podem ser feitos de forma diferente. “O recrutador precisa se questionar se a pergunta mais delicada que ele vai fazer à candidata vai influenciar na avaliação dela sobre a empresa”, complementa.
5 perguntas que devem ser
evitadas em uma entrevista de emprego
Camila elencou 5 perguntas que não devem ser feitas a uma mulher durante uma entrevista de emprego.
1. Qual é a sua idade?
Para Camila, a idade hoje é um aspecto protocolar e não mais um elemento de
eliminação. “A candidata talvez se sinta intimidada achando que sua idade fará
diferença na contratação e fica receosa durante a conversa, o que pode
prejudicar o seu desempenho no processo. O correto é perguntar sobre idade
somente na fase final das etapas de seleção. Com a evolução do mercado, a idade
deixou de ser um aspecto de peso na hora de escolher uma candidata”.
2. Você tem filhos?
No caso das posições de alta liderança, grande parte das candidatas já têm uma
vida pessoal estabelecida e com filhos, ressalta Camila. De acordo com a
pesquisa da Condurú, mais de 70% das mulheres na faixa etária entre 31 e 40
anos têm filhos.
“Essa pergunta não se faz necessária em grande parte das situações,
especialmente quando falamos em posições de alta liderança, já que a maioria
das candidatas têm filhos”, ressalta Camila. As poucas situações em que essa
pergunta pode ser relevante para ambos os lados é quando a posição em questão
demanda mudança de estado ou cidade.
3. Você pretende engravidar?
Quando?
Na atual conjuntura do mercado, ter ou não filhos não é um fator eliminatório -
por consequência, essa pergunta se torna defasada, além de invasiva e
inapropriada. “Por mais que o seu cliente ou empresa não tenha isso como
critério eliminatório, há um histórico longo de exclusão do mercado de trabalho
de mulheres que pretendem ter filhos. Por conta disso, há um gatilho na mente
da maioria das mulheres”, aponta Camila.
4. Se você tiver filhos,
pretende não voltar da licença-maternidade para cuidar deles? Ou pretende
colocá-los na creche?
Esse tipo de pergunta possui um cunho pessoal muito grande e busca eximir a
empresa desde o início da responsabilidade de criar um ambiente inclusivo.
Camila aponta que ainda há uma preocupação sobre como as mulheres vão conduzir
a maternidade. “As empresas querem saber se vão poder contar com essas
profissionais quando o período da licença terminar”.
No entanto, a cada ano que se passa, especialmente após a pandemia, ficou claro
que mulheres que trabalham em empresas genuinamente inclusivas conseguem
balancear maternidade e vida profissional e por vezes serem ainda mais
engajadas.
5.Se seu filho precisa ir ao
médico é você quem o leva ou outra pessoa?
Essa é outra pergunta inapropriada e invasiva que está relacionada ao item 4,
sobre a disponibilidade que a mulher terá para se dedicar ao trabalho e não
deve ser realizada. “Esse tipo de pergunta é de cunho pessoal significativo e
busca eximir a empresa de criar um ambiente inclusivo desde o início da
conversa com a candidata”.
A especialista afirma que as perguntas inadequadas ainda acontecem por falta de
conexão com a pessoa que está sendo entrevistada. “É importante entender o que
está acontecendo do outro lado. De repente, a profissional que está sendo
sabatinada é mais fechada, pode se sentir invadida dependendo da pergunta que
será feita. Se ela for mais aberta, o entrevistador pode inserir mais
naturalidade aos questionamentos”.
Papel das empresas
As empresas desempenham um papel fundamental para
tornar esse ambiente de recrutamento mais adequado para as mulheres que vão
ocupar cargos de liderança. Camila afirma que um dos pontos mais importantes
nesse sentido é que as companhias falem abertamente sobre o assunto e assumem
responsabilidade sobre isso. “Elas podem criar uma dinâmica própria para lidar
com o assunto, promovendo rodas de conversa, bate-papos, treinamentos, além de
oferecer benefícios como auxílio creche, flexibilidade de jornada tanto para
colaboradoras mães, quanto para colaboradores pais, contribuindo assim para uma
mudança de mindset ao entender que a responsabilidade por um filho não é só da
mulher.
Dar voz às mulheres para que elas falem sobre como
se sentem ao passarem por experiências desafiadoras durante os processos de
seleção ajuda a promover o acolhimento. “Fica mais fácil para quem entrevista entender
porque não é legal fazer uma determinada pergunta ou por que não é bacana fazer
um determinado comentário no ambiente de trabalho”, enfatiza Camila.
A sócia da EXEC reforça ainda a importância de
falar sobre os vieses inconscientes. “Temos muitos deles que nos acompanham ao
longo de toda a nossa carreira em virtude da cultura e do lugar onde vivemos.
Tomando consciência disso, a seleção pode ser conduzida de forma diferente”.
As empresas estão cada vez mais investindo em
políticas internas para dar espaço às mulheres, na visão de Camila. “Já conduzi
processos de recrutamento de executivos que, ao apresentar uma mulher como
possível candidata ao cargo - entre uma maioria masculina devido ao segmento em
questão - a empresa gostou tanto de seu perfil que criou políticas internas
para poder dar espaço para ela, oferecendo trabalho híbrido, flexibilidade,
ainda mais porque envolve mudança de cidade”.
Mudanças
Maternidade, filhos, idade, planos pessoais para o
futuro. Esses são apenas alguns dos assuntos que devem ser questionados com
cuidado às mulheres durante um processo seletivo. No entanto, em algumas
situações as perguntas são justificadas. "Atualmente as empresas querem
saber o que o marido ou esposa da candidata ou candidato fazem, por exemplo,
não para eliminá-los do processo de seleção, mas porque pode haver uma mudança
considerável em sua vida - geográfica ou de rotina - e é preciso entender como
será possível acomodar sua estrutura familiar. Ou seja, as empresas querem se
certificar de que o que elas têm a oferecer se encaixa à realidade das
candidatas ou candidatos", ressalta Camila.
A sócia da EXEC adota como estratégia fazer
perguntas mais abertas para abordar a vida pessoal das mulheres em cargos de
liderança. “Por exemplo, posso citar questões como ‘o que você pode me contar
sobre sua estrutura familiar?’, entre outras.
Além disso, ainda há uma tendência, de acordo com
Camila, de avaliar as profissionais mais pelo tempo em que elas ficam no
escritório do que por sua produtividade, principalmente em empresas familiares.
“É preciso quebrar esse paradigma. A profissional estará muito mais feliz,
produtiva e comprometida se ela tiver tempo para levar o filho à escola, ao
médico e depois voltar e trabalhar em outro horário”.
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