Mais de 70% dos trabalhadores e trabalhadoras que integram a força de trabalho global estão expostos a graves riscos para a saúde em razão das mudanças climáticas. Esses dados ainda não consideram os riscos relacionados às grandes catástrofes, como a inundação histórica no Rio Grande do Sul
De acordo com a Organização Internacional do Trabalho (OIT), mais
de 70% dos trabalhadores e trabalhadoras que integram a força de trabalho
global estão expostos a graves riscos para a saúde em razão das mudanças
climáticas. Os dados são de um relatório divulgado pela entidade no mês
passado, que ainda indica que mais de 2,4 bilhões de pessoas, de uma força de
trabalho global de 3,4 bilhões estão, provavelmente, expostas ao calor
excessivo em algum momento da sua jornada de trabalho, e estima que 18.970
vidas e 2,09 milhões de anos de vida ajustados por deficiência são perdidos
todos os anos, devido a 22,87 milhões de lesões ocupacionais atribuíveis ao
calor excessivo.
Ainda segundo a OIT, temos 1,6 bilhão de trabalhadores expostos à
radiação ultravioleta (UV), com mais de 18.960 mortes anual, devido ao câncer
da pele não melanoma e 1,6 bilhão de pessoas, provavelmente expostas à poluição
atmosférica no local de trabalho, que resultam em até 860 mil mortes ao ano,
entre as pessoas que trabalham ao ar livre.
Sem contar mais de 870 milhões de trabalhadores na agricultura,
provavelmente expostos a pesticidas, com mais de 300 mil mortes atribuídas
ao envenenamento; e 15 mil mortes resultado à exposição a doenças
parasitárias e transmitidas por vetores.
O Dr. Ricardo Pacheco, médico, gestor em saúde e presidente da
Oncare Saúde e da ABRESST (Associação Brasileira de Empresas de Saúde e
Segurança no Trabalho), lembra que o aumento da temperatura é o risco mais
evidente, mas infelizmente é só um recorte do cenário que já estamos
vivenciando. “O aumento das temperaturas pode levar a condições de trabalho mais
desafiadoras, especialmente para aqueles que trabalham ao ar livre, como
agricultores, construtores e trabalhadores da construção civil. O calor
excessivo pode causar insolação, exaustão pelo calor e até mesmo doenças mais
graves, como golpe de calor. Contudo, os riscos vão mais além do que o calor
excessivo”, alerta.
O executivo afirma que já estamos vivenciando importantes mudanças
nos padrões de doenças. “As mudanças climáticas podem alterar os padrões de
doenças, trazendo novas ameaças à saúde dos trabalhadores. Isso inclui o
aumento de doenças transmitidas por vetores, como dengue, zika e malária, que
podem afetar os trabalhadores que exercem suas atividades ao ar livre”.
O médico alerta também que o cenário de emergência climática pode
levar a uma piora na qualidade do ar. “O que certamente é prejudicial para a
saúde dos trabalhadores, especialmente aqueles que operam em ambientes urbanos
ou próximos a fontes de poluição, como indústrias. A exposição prolongada à poluição
do ar está associada a uma série de problemas de saúde, incluindo doenças
respiratórias e cardiovasculares”, adverte o médico.
O papel da gestão da saúde e segurança no trabalho para mitigar os riscos
A gestão da segurança e saúde no trabalho é crucial para proteger
os trabalhadores em face das mudanças climáticas.
Cinthia Bueno Espadafora, Engenheira de Segurança do Trabalho e
Diretora Técnica da Oncare Saúde, destaca as ações essenciais para mitigar os
efeitos da emergência climática nos trabalhadores. “Uma das ações preliminares
é realizar uma avaliação detalhada dos riscos climáticos no local de trabalho,
considerando eventos extremos como tempestades, inundações, ondas de calor,
etc. Isso permite identificar áreas de vulnerabilidade e implementar medidas
preventivas”.
Ela ressalta também a adaptação das instalações: “Modificar as
instalações e equipamentos para resistir melhor aos efeitos das mudanças
climáticas é importante. Isso pode incluir reforço de estruturas contra ventos
fortes, instalação de sistemas de ventilação adequados para lidar com
temperaturas extremas, etc. É essencial também fornecer treinamento regular aos
trabalhadores sobre os riscos associados às mudanças climáticas e as medidas de
segurança apropriadas a serem tomadas em diferentes situações”, elenca a
diretora da Oncare.
A engenheira ainda esclarece a importância de estabelecer planos
de emergência e de fornecer equipamentos de proteção individuais: “Desenvolver
planos de emergência abrangentes para lidar com eventos climáticos extremos,
garantindo que todos os funcionários saibam como agir em caso de emergência
pode salvar vidas, assim como fornecer EPIs adequados (com treinamento e
conscientização) para proteger os trabalhadores contra os efeitos das mudanças
climáticas, como óculos de proteção contra vento e poeira, roupas resistentes a
altas temperaturas, protetor solar, dentre outros, pode fazer a diferença na
saúde do trabalhador e da empresa”, alerta.
Cinthia Bueno também enfatiza a importância de monitorar com frequência
a saúde dos trabalhadores: “Realizar o monitoramento regular da saúde dos
trabalhadores para detectar sinais precoces de problemas relacionados ao clima,
como exaustão pelo calor, e intervir prontamente, é essencial para protegê-los.
Também é recomendável implementar políticas de trabalho flexíveis, como ajustar
os horários de trabalho para evitar exposição excessiva ao calor durante os
períodos mais quentes do dia, bem como desenvolver rotas e planos de transporte
que minimizem a exposição dos trabalhadores a condições climáticas adversas
durante o trajeto para o trabalho”.
Para a executiva, nenhuma dessas ações será efetiva se não houver o real envolvimento dos trabalhadores. “É imprescindível incentivar a participação ativa dos trabalhadores na identificação de riscos e no desenvolvimento de soluções para melhorar a segurança no local de trabalho. Essas medidas podem ajudar a mitigar os riscos enfrentados pelos trabalhadores devido às mudanças climáticas, promovendo um ambiente de trabalho mais seguro e saudável”, complementa Cinthia Bueno Espadafora.
Eventos climáticos extremos, como a inundação no Rio Grande do Sul, e os impactos psicossociais
A frequência e intensidade de eventos climáticos extremos, como
tempestades, inundações e secas, estão aumentando devido às mudanças
climáticas, e estamos vivenciando essas tragédias, como a inundação histórica
no Rio Grande do Sul.
“Os trabalhadores e voluntários lá estão expostos a sérios riscos,
como de afogamentos das pessoas envolvidas em operações de resgate ou limpeza;
contaminação por produtos químicos e detritos, representando riscos de doenças
transmitidas pela água, como gastroenterite, hepatite e leptospirose; lesões
físicas, como cortes, contusões, fraturas e até mesmo ferimentos mais graves;
exposição a produtos químicos durante as operações de resgate e limpeza,
aumentando o risco de intoxicação; além da exaustão e fadiga, já que o trabalho
em condições de inundação pode ser extremamente exigente fisicamente e
emocionalmente, aumentando o risco de acidentes”, alerta o Dr. Ricardo Pacheco.
É preciso enfatizar também que lidar com as consequências de uma inundação, como a perda de propriedades ou a exposição a cenas traumáticas, tem um impacto significativo na saúde mental dos trabalhadores e voluntários. “Além dos impactos físicos diretos, as mudanças climáticas também têm efeitos psicossociais nos trabalhadores. O estresse relacionado a eventos climáticos extremos, incerteza sobre o futuro e preocupações com a saúde afetam o bem-estar mental dos trabalhadores, e de todos”, adverte o médico.
Fato é que a tragédia no Rio Grande do Sul destaca a urgência de
medidas de adaptação e mitigação das mudanças climáticas, bem como a
importância de proteger a saúde e segurança dos trabalhadores brasileiros
diante desses desafios. Investimentos em infraestrutura resiliente, políticas
de saúde ocupacional e medidas de proteção social podem ajudar a reduzir os
impactos negativos das mudanças climáticas na força de trabalho do País.
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