Concentração de
vendas, desintermediação, e-commerce, movimento fulfillment e logística do
abastecimento estiveram no centro de debates do painel Os Desafios do Varejo
Contemporâneo, dentro do Projeto Sucessores, promovido pela Atlas, indústria
gaúcha referência em soluções de pintura, construção e casa
Com 140 mil varejistas e cerca de mil atacados de
diferentes portes e mix ampliado, o setor de materiais de construção está
diante de uma série de ameaças e precisa se reinventar. Algumas lições foram
aprendidas na pandemia (mudanças comportamentais dos consumidores, formas de se
relacionar com os clientes e sortimento de produtos e serviços), mas as novas
configurações do mercado exigem adaptações para vencer os desafios e manter a
cadeia em funcionamento. Temas como concentração de vendas, desintermediação,
e-commerce, movimento fulfillment e logística do
abastecimento estiveram no centro de debates do painel Os Desafios do Varejo
Contemporâneo, dentro do Projeto Sucessores, promovido pela Atlas, indústria
gaúcha referência em soluções de pintura, construção e casa que está há 57 anos
no mercado e integra a holding InBetta, com matriz em Esteio/RS.
Lógico que conjunturas políticas e econômicas no
curto e médio prazo fazem parte do rol de dificuldades do setor, porém a Atlas
decidiu concentrar os debates em um cenário mais macro e que vem modificando o modus
operandi do setor. “Os desafios mudam, há múltiplas
tecnologias disponíveis e os fatores externos são cambiantes. Tudo impacta no
varejo, que precisa se adaptar e mudar ao longo do tempo”, disse Márcio Atz,
diretor geral da Atlas e mediador dos debates com especialistas e executivos das
maiores redes do atacado e varejo do Brasil. Evento inédito, o Projeto
Sucessores agregou mais três painéis, voltados à Gestão da Sucessão, Gestão
Patrimonial e Fusões & Aquisições (M&A), reunindo mais de 90
executivos, entre CEOS, fundadores, presidentes, diretores e líderes do setor
de matcon, de 24 a 26 de maio, no hotel Deville, em Porto Alegre e na Serra
gaúcha.
CONCENTRAÇÃO DE VENDAS
Enquanto nos Estados Unidos e Europa o varejo de
materiais de construção concentra, há anos, as vendas no físico e no digital,
no Brasil o segmento é pulverizado, mas isso tende a mudar. Sinalizado como
irreversível, o movimento de concentração de vendas ainda tem muitas barreiras
a serem vencidas antes de ser consolidado no setor brasileiro de matcon. Entre
elas estão limitações de logística, tributárias e de mão de obra qualificada.
“É um movimento natural e que já está acontecendo, principalmente em
supermercados e nas grandes varejistas da linha branca. No nosso setor, o
processo deve ser mais lento por conta desses empecilhos. Quando você olha para
o mercado americano, Lowes e Depot (duas maiores redes de material de
construção e decoração) estão em tudo que é canto. São dois players com 30% do share.
Aqui, temos 10 players que representam, se muito, 10% ou 11% do negócio. Mas a
água corre para o oceano e quem tiver recursos vai fazer aquisições, vai
concentrar”, afirmou Paulo Esteves Souza, diretor comercial da Verdão
Construção e Acabamento, rede com quatro lojas e um centro de distribuição, com
matriz em Cuiabá/MT.
Para Nivaldo Dalla Valle Santos, presidente da
Redemac Materiais de Construção e Decoração – rede cooperativa varejista de
materiais de construção com 126 lojas no RS –, o alto número de pequenas e
médias empresas, ou seja, a pulverização de negócios no país dificulta o avanço
de grandes players. Segundo ele, a concentração no mercado é uma realidade, mas
não alcançará os níveis de países da Europa e dos Estados Unidos. “Acredito que
vamos seguir um caminho semelhante ao do setor de supermercados, que tem grandes
players atuando no Brasil e, mesmo assim, os mercados de pequeno e médio porte
seguem crescendo e sendo sustentáveis, sobrevivendo nesse ambiente”, disse ele,
que também é sócio-diretor do Grupo Zona Nova – que atua no litoral norte do RS
no ramo da construção civil e no varejo de materiais de construção e decoração.
Vinicius Ventorim, diretor-executivo do Grupo
Politintas, maior rede de lojas de tintas do Espírito Santo, acredita que,
inicialmente, a concentração será regional. A demarcação do território se dará
com abertura de filiais em cidades próximas, ou até mesmo outros Estados. “A
informalidade e a inexistência de sucessores nos negócios do segmento de
material de construção desmotivam os investimentos para formação de grandes
redes.” Já Aldeir Lima, diretor comercial da Distribuidora Adauto Carvalho
(Distac) e sócio do Grupo Tupan, de Pernambuco, torce para que esse movimento
demore em chegar porque é uma ameaça à sobrevivência de vários negócios.
“Sabemos que o comportamento do consumidor mudou. Hoje, ele quer uma loja
próxima de sua casa ou encontrar tudo em um só lugar. No entanto, uma única
rede, muitas vezes, não oferece atendimento personalizado de uma loja pequena”,
afirmou o executivo do setor de distribuição e atacado de materiais de construção.
COMÉRCIO ELETRÔNICO E
DESINTERMEDIAÇÃO
A concentração do comércio eletrônico em grandes
portais, como Mercado Livre, Magazine Luiza e Shopee, também é um dos pontos
que preocupa o varejo de materiais de construção, pois a loja física ao perder
o papel de conversão de vendas acaba se transformando em um showroom. “A loja
tem três papéis: inspiração, experimentação e vendas. O desafio que existe no
varejo físico é o de como fazer a loja continuar convertendo, diante de um
fluxo menor”, explicou Renato Ribeiro, sócio da Accenture, empresa focada em
soluções de supply chain.
Mas esse não é o único dilema. Segundo ele, há
ameaça de desintermediação da cadeia. As plataformas criaram um hiato entre o
varejo e a indústria e possibilitaram o atendimento direto ao público final a
partir da própria indústria, a exemplo da MadeiraMadeira, que opera na
modalidade de vendas sem estoque, fazendo efetivamente a entrega direta e sem
passar, necessariamente, por um distribuidor ou um varejista. Esta situação, de
acordo com Ribeiro, é um caminho, mas pode gerar risco de queda de margem para
os negócios.
Para Ribeiro, nem tudo é ameaça, existem
oportunidades para os varejistas nos próximos anos. E uma delas é se tornar um
mini canal, uma plataforma própria. Citou como exemplo o grupo Adeo, dono da
Leroy Merlin, que fez um estudo de omicanalidade. Conforme o levantamento, um
consumidor só da loja física gastava em média 200 euros de ticket médio.
Consumidores que compravam online e na loja física da mesma marca gastavam quase
o dobro, 380 euros de ticket médio. E quando se acrescentava o marketplace, o
consumidor gastava quase 750 euros. “Então, o comportamento de um consumidor omnichannel
gera oportunidades de rentabilização. Mas não é apenas abrir uma loja online e
tá tudo resolvido”, comentou. Ter uma plataforma própria é uma superestratégia,
porém exige movimentos fortes de hubs logísticos e de marketing digital
para a marca ganhar notoriedade e gerar tráfego nas suas plataformas. O
resultado será um varejista especializado.
O diretor-executivo do Grupo Politintas concorda
que o comércio eletrônico abriu uma brecha maior para a desintermediação,
considerada por ele maior ameaça do que a concentração, pois está colocando em
risco a sustentabilidade dos negócios ao gerar conflitos com os próprios
fornecedores. No entanto, reconhece que o e-commerce é um investimento, uma
iniciativa obrigatória para o varejo diante dos novos hábitos do consumidor.
Para Lima, o mercado digital, muito mais que oportunidade gigante, é o futuro.
“Na Distac, a participação pela plataforma já beira os 40%. Meu vendedor deixou
de ser um tirador de pedido para ser um consultor. Temos investido muito nesta
nova configuração de vendas”, ressaltou Ventorim.
Outro ponto levantado pelos debatedores foi sobre a
questão dos preços. Ao tirar as fronteiras geográficas e cair no mar digital,
os preços de produtos idênticos chegam a uma diferença de 30% entre os estados,
o que é considerado uma problemática. Um desequilíbrio que precisa ser tratado
pelas indústrias no curto prazo para organizar o mercado, tornando-o mais
sustentável.
MOVIMENTO FULFILLMENT
O movimento fulfillment, muito utilizado por
indústrias ou distribuidores atacadistas de móveis, eletrodomésticos e decoração,
ainda não é visto como uma tendência massiva no varejo de materiais de
construção. Embora já explorados e com perspectivas de crescimento, o dropshipping
(venda sem estoque) e o BulkyLog esbarram no baixo valor
agregado dos produtos do setor e no valor do frete, fatores que impactam na
dinâmica de entrega e na margem. “Particularmente, acho que esses novos canais
de distribuição não vão ser massivos, mas o varejo precisa se modernizar para
prestar esse serviço”, afirmou Renato Ribeiro.
Para Aldeir Lima, criou-se um senso de urgência
muito grande no mercado, no lojista, no consumidor. “Todo mundo quer que tudo
seja entregue como iFood. Uma operação de compra de material de construção, em
geral, é de produtos fracionados com custo baixo e o frete inibe demais a
operação logística. O fulfillment não é um movimento que vai
acontecer em um curto espaço de tempo na maior parte das regiões do Brasil, um
país continental, mas devemos ficar atentos.”
ASSOCIATIVISMO
Em outro quadrante, fora do digital, as redes associativas
ganham espaços mundo afora, como na França, Alemanha Estados Unidos e no
Canadá, países que praticam o associativismo há mais de 150 anos. Esse fenômeno
chegou há cerca de 20 anos no Brasil, movimento que pode ser uma solução para a
perpetuação e crescimento do varejo independente do segmento de matcon. Dados
da Febramat – Federação Brasileira de Redes Associativistas de Materiais de
Construção, criada em 2017, apontam para a existência de aproximadamente 80
redes associativas no segmento do material de construção no Brasil. Destas, 31
são filiadas à federação, o que representa 1.380 lojas, 1% do total de lojas do
segmento.
A Redemac Materiais de Construção e Decoração é um
exemplo de associativismo no RS. “Muito mais do que a negociação de produtos e
serviços, a busca foi de outros benefícios para os associados, como capacitação
dos gestores e dos colaboradores, marketing compartilhado para criar uma marca
própria e forte de produtos com o propósito de transmitir segurança aos
clientes”, comentou Nivaldo Dalla Valle Santos, presidente da Redemac. Segundo
ele, a rede faz importações de alguns itens com a marca própria e compra no
mercado interno, produtos que são distribuídos para os associados. Além disso,
compartilha a logística e troca experiências e conhecimento das melhores
práticas de gestão.
A partir da constituição da S.A, a Redemac começou
a olhar pra outros negócios e, no segundo semestre de 2022, lançou a financeira
Pilacred. Nos primeiros seis meses, a operação foi responsável por 33% do
resultado da S.A. Agora, está em estudo o lançamento de um cartão de crédito.
Neste ano, a Redemac também está iniciando as operações de e-commerce. A
plataforma exclusiva será integrada a um grande distribuidor do Rio Grande do
Sul que vai funcionar como prateleira infinita. “Todos os produtos desse
distribuidor estarão disponíveis aos associados para venda, através dessa
plataforma de e-commerce e no balcão das lojas. Essas ferramentas dão
competitividade, ganhos em escala”, disse Valle Santos.
Atlas
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