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segunda-feira, 12 de junho de 2023

Em defesa das crianças e adolescentes


Não é novidade para ninguém: o Estado brasileiro não cuida bem de seus futuros homens e mulheres. Ainda assim, calejado de tanto abrir o jornal ou ligar a televisão e encontrar uma torrente de notícias de violência contra a nossa juventude, me espantei diante dos números apresentados pelo novo boletim epidemiológico do Ministério da Saúde (MS).


O documento integra a campanha “Faça Bonito. Projeta nossas Crianças e Adolescentes”, iniciativa conjunta do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC) com a sociedade civil para proteger e promover os direitos da população infantojuvenil. Divulgado em ao término de maio, para destacar o Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes, é um filme de terror.


Região do país, sexo das vítimas e dos agressores, tipo de agressão e local de ocorrência são algumas das características levadas em conta para embasar o estudo, que calcula 202.948 casos de violência sexual contra brasileiros e brasileiras de 0 a 19 anos – quase 80 por dia. Destes, 41% dos casos (83.571) são praticados contra crianças (0 a 9 anos); 58,8% (119.377), contra adolescentes (10 a 19 anos).


Ao longo dos sete anos analisados, as notificações cresceram exponencialmente. Os números registrados em 2021 são os maiores dentro do período. Os agressores são predominantemente homens, responsáveis por mais de 81% dos casos contra crianças e 86% dos casos contra adolescentes.


Em 76,9% das vezes, as vítimas são meninas; em 92,7%, moças (entretanto, o documento alerta que pode haver um sub-registro dos casos entre meninos, em virtude de estereótipos de gênero e da crença de que o sexo masculino não vivencia estupro, assédio ou exploração).


Mais chocante ainda é que o local com maior incidência de crimes é a própria casa dos pequenos, e familiares e amigos/conhecidos, aquelas acima de qualquer suspeita, são os principais agressores. Nunca fez tanto sentido o ditado que sugere que “o inimigo mora ao lado”.


As estatísticas trazem à recordação uma notícia recente. No primeiro dia de junho, em Foz do Iguaçu, Paraná, um homem foi preso sob suspeita de abusar sexualmente de sua enteada, de 13 anos, desde que ela tinha 9. Isso porque a própria vítima o denunciou através do WhatsApp da Delegacia do Adolescente, divulgado durante uma palestra sobre abuso sexual realizada em sua escola. Não raramente pululam relatos de jovens que encontram no ambiente de ensino, por se sentirem seguros ali, uma oportunidade de pedir socorro.


É inexplicável que os setores mais conservadores da nossa sociedade se oponham à educação sexual, fazendo do tema um tabu. Ora, é uma questão de saúde pública. Educar a infância e a juventude está longe de significar guiá-las rumo ao sexo precoce.


Ao contrário, é uma maneira de informar sobre doenças sexualmente transmissíveis, gravidez na adolescência e mostrar a importância de estabelecer limites. Assim, os pequenos poderão distinguir entre interações saudáveis e agressões de “titios” e “titias”. Fechar os olhos e optar por não instruir apenas perpetua a violência.


Também é fundamental divulgar os canais de denúncias e descomplicá-los, para que qualquer um, inclusive as vítimas de pouca idade, consiga reportar crimes, além de unir esferas e profissionais diversos para proteger crianças e adolescentes, de assistentes sociais a educadores, de médicos a policiais.


Merece todo o destaque, nesse contexto, a campanha “Infância, eu Abraço”, idealizada pela Sociedade de Pediatria de São Paulo (SPSPS) e pelo Instituto Olinto Marques (IOPM), apoiada pela Sociedade Brasileira de Clínica Médica. A ideia, uma semana de conscientização e mobilização em prol do desenvolvimento saudável e de prevenção e combate à violência contra crianças e adolescentes, garantida pela lei paulistana 17.738/2022, deveria ser copiada país afora.


Entre 12 e 16 de junho, São Paulo receberá atividades que incentivam o conhecimento, o que inclui a compreensão dos canais de interlocução e o reconhecimento de situações de maus-tratos e negligência.


No próximo dia 13, por exemplo, no Terminal da EMTU – Metrô Jabaquara, das 7h às 13h, especialistas falarão sobre os riscos que se escondem por trás das plataformas digitais e fazem mais vítimas a cada dia, com cyberbullying, pedofilia, extorsão. Crianças, pais e responsáveis serão recebidos no local com muita alegria, brincadeiras e artistas circenses, mas seriedade de informaçoes.

A programação completa, como se tornar um multiplicador da campanha e conteúdos bastante úteis podem ser conferidas no site do IOPM. Indico a todos, se puderem, que compareçam. Afinal, os adultos de amanhã precisam de aliados hoje.


E é sempre bom lembrar: para fazer uma denúncia, disque 100.

 

Antonio Carlos Lopes - presidente da Sociedade Brasileira de Clínica Médica


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