A imagem, obtida com câmera ultrarrápida e publicada na capa de Geophysical Research Letters, mostra vários para-raios tentando se conectar à descarga que desce. As duas ramificações descendentes que aparecem na foto fazem parte do mesmo raio, que acabou atingindo o prédio localizado no canto direito (foto: Diego Rhamon/Inpe)
Com uma câmera de vídeo ultrarrápida, e
o trunfo de estar no lugar certo no momento certo, o físico Marcelo Saba,
pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), e o doutorando
Diego Rhamon obtiveram uma imagem inédita da descarga de um raio, mostrando
detalhes de sua conexão com vários para-raios localizados nas imediações.
A raridade da imagem fez com que ela
fosse reproduzida na capa da Geophysical
Research Letters (GRL), uma das mais importantes revistas científicas
da área. O trabalho contou com apoio da FAPESP.
“A imagem foi captada em uma noite de
verão, em São José dos Campos [SP], quando um raio descendente de carga
negativa se aproximava do solo com a velocidade de 370 quilômetros por segundo
[km/s]. No instante em que a descarga estava a apenas algumas dezenas de metros
do solo, vários para-raios e saliências de edifícios situados na região
produziram descargas positivas ascendentes, competindo para conectar-se com o
raio que descia. A imagem final anterior à conexão foi obtida 25 milionésimos
de segundo antes do impacto do raio sobre um dos prédios”, conta Saba. Foi essa
imagem espetacular que os editores da GRL reproduziram na capa da publicação.
O pesquisador informa que sua câmera
captou 40 mil imagens por segundo. Rodado em superslow motion, o
vídeo mostra como os para-raios se comportam. E também que os raios podem ser
um perigo se esses equipamentos de proteção não estiverem corretamente
instalados. Isto porque, apesar de haver mais de 30 para-raios nas
proximidades, o raio não se conectou com nenhum deles, mas, sim, com a chaminé
de um forno localizado na cobertura de um dos edifícios. “Uma falha na
instalação deixou essa área desprotegida. E o impacto de uma corrente de 30 mil
amperes produziu nela um estrago impressionante”, diz.
Em média, 20% dos raios são
constituídos por trocas de carga elétrica entre as nuvens e o solo. Os 80% restantes
são compostos por descargas elétricas no interior das nuvens. Dos que tocam o
solo, a quase totalidade são raios descendentes: começam na nuvem e vêm para o
solo. Raios ascendentes também existem, mas são raros. E só acontecem a partir
de estruturas altas, como topos de montanhas, arranha-céus, torres e antenas.
Dependendo da carga que transferem ao solo, os raios podem ser ainda
classificados como negativos ou positivos.
“Os raios podem alcançar até 100 km de
comprimento. E transportar correntes da ordem de 30 mil amperes. Isso equivale
à corrente utilizada por 30 mil lâmpadas de 100 watts funcionando juntas. Em
alguns casos, a corrente pode chegar a 300 mil amperes. A temperatura de um
raio, de 30 mil oC, é cinco vezes maior do que a temperatura da
superfície do Sol”, afirma Saba.
Como se formam os raios
O pesquisador explica que tudo começa
com a eletrificação das nuvens. Seu mecanismo ainda não é inteiramente
conhecido. Mas decorre, grosso modo, do atrito entre partículas de gelo,
gotículas de água e granizo, que libera cargas e cria polaridades entre
diferentes regiões das nuvens, com diferenças de potencial elétrico que variam
de 100 milhões a 1 bilhão de volts. “É preciso levar em conta que as nuvens de
tempestades são estruturas enormes, que têm sua base a 2 ou 3 km do solo e cujo
topo pode alcançar até 20 km de altitude. Seus diâmetros vão entre 10 e 20 km”,
diz.
A forma ramificada assumida pelos raios
se explica pelo fato de que as cargas elétricas buscam o caminho mais fácil,
isto é, que oferece menor resistência, e não o caminho mais curto, que seria a
linha reta. O caminho mais fácil, geralmente em zigue-zague, é determinado por
diferentes características elétricas da atmosfera, que não é homogênea. “Um
raio composto de várias descargas pode durar até 2 segundos. No entanto, cada
descarga dura apenas frações de milésimos de segundo”, acrescenta Saba.
Ele destaca que o para-raios não atrai
nem repele os raios. Tampouco descarrega as nuvens como se pensava antigamente.
Ele simplesmente oferece ao raio um caminho fácil e seguro até o solo.
Como nem sempre é possível contar com a
proteção de um para-raios e o verão é a época em que ocorre a maioria das
descargas elétricas atmosféricas, convém considerar as recomendações de Saba.
“As tempestades acontecem mais à tarde do que de manhã. Assim, cuidado com as
atividades ao ar livre nas tardes de verão. Ao ouvir um trovão, busque abrigo.
Nunca fique embaixo de árvores ou postes. Nem mesmo sob coberturas precárias.
No caso de não haver um local robusto para se proteger, fique dentro do carro e
espere a tempestade passar. Se não houver carro nem qualquer outro lugar onde
se abrigar, fique de cócoras com os pés juntos. Nunca de pé, nem deitado.
Dentro de casa, evite o contato com eletrodomésticos e o uso de telefone com
fio.”
O pesquisador afirma que uma pessoa
atingida por raio pode sobreviver. E há vários exemplos disso. As chances
aumentam quando a pessoa é prontamente atendida. “A parada cardíaca é a única
causa de óbito. Nesse caso, o atendimento recomendado é a ressuscitação
cardiopulmonar”, ensina.
Saba iniciou o estudo sistemático de
relâmpagos com câmeras de alta velocidade em 2003. Esse estudo, ainda vigente,
proporcionou o maior banco de vídeos de raios filmados em alta velocidade no
mundo. O pesquisador e seus orientandos já foram contemplados com 17 auxílios
ou bolsas providos pela FAPESP.
O artigo Close View of the
Lightning Attachment Process Unveils the Streamer Zone Fine Structure pode
ser acessado em: https://agupubs.onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1029/2022GL101482.
Agência FAPESP
https://agencia.fapesp.br/imagem-obtida-por-brasileiros-com-camera-ultrarrapida-revela-como-funcionam-os-para-raios/40693/
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