Índice é o maior dos últimos 12
anos; em dois anos, renda familiar nas capitais registrou queda de 3,9%
O porcentual de famílias endividadas nas capitais atingiu a maior marca da
série histórica, iniciada em 2010: 78%. Em termos absolutos, significa que 13,1
milhões de lares possuíam alguma dívida ao fim do primeiro semestre deste ano,
1,16 milhão a mais do que no mesmo período de 2021. Os dados fazem parte da
Radiografia do Endividamento das Famílias nas Capitais Brasileiras, um estudo
realizado pela Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de
São Paulo (FecomercioSP).
Com base na análise de variáveis – como porcentuais de famílias endividadas e
com contas em atraso, parcela da renda comprometida com dívidas, entre outras
–, a radiografia tem o objetivo de avaliar o comportamento dos lares
brasileiros, em todas as capitais do País, em relação à administração de suas
condições financeiras e à utilização das opções de crédito em três períodos: a
primeira metade do ano de 2020, quando foram impostas as restrições mais
rigorosas visando ao controle da pandemia; o primeiro semestre de 2021, que
mesclou o período mais mortal da pandemia com o início da vacinação e a
reabertura das atividades; e o primeiro semestre de 2022, momento em que havia
um cenário de vacinação e de retomada das atividades econômicas já consolidado
e volta à normalidade.
Na edição passada, a FecomercioSP já tinha alertado para um quadro de
deterioração da saúde financeira das famílias brasileiras e demonstrado
preocupação quanto à trajetória futura dos níveis de endividamento e inadimplência
numa conjuntura de queda da renda, elevação da taxa básica de juros e inflação
de dois dígitos.
Ao fim do primeiro semestre de 2022, a renda média das famílias nas capitais
brasileiras havia caído 3,9% em comparação ao mesmo período de 2020. O valor,
que era de R$ 8.327, em junho de 2020, passou para R$ 8.031, em junho do ano
passado, e R$ 8.001, em 2022. Nesta mesma base de comparação, a renda média
registrou queda em 15 das 27 capitais.
Na visão da FecomercioSP, o fato de a renda média não ter crescido, mesmo em
circunstâncias de queda do desemprego e significativa geração de empregos com
carteira assinada, pode estar relacionado ao encerramento do auxílio
emergencial. Além disso, elevou-se no número de pessoas com rendimentos, mas em
um patamar médio menor. Por fim, a inflação alta também foi fator determinante
na diminuição da renda ao impactar, de forma incisiva, o poder de compra das
famílias.
A taxa Selic, que permaneceu em 2% ao ano (a.a.) entre agosto de 2020 e março
de 2021, atingiu 13,25% em junho deste ano. Atualmente, está em 13,75%. A
inflação medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA)
marcou 12,13% no acumulado em 12 meses até abril, encerrando o semestre em
11,89%.
Nessa conjuntura, as previsões da Entidade se mostraram corretas: o porcentual
de famílias endividadas cresceu aceleradamente, passando de 67%, em junho de
2020, para 71%, em 2021, encerrando o primeiro semestre de 2022 em 78%, o maior
patamar da série histórica desde 2010.
O crescimento do número de famílias endividadas, de maneira isolada, não é
negativo, pelo contrário, indica uma razão da retomada do consumo que ficou
reprimido ao longo dos meses de pandemia, sendo uma importante alavanca de
retomada da atividade econômica – e os dados de crédito e vendas do varejo
confirmam essa tendência. Em um contexto de inflação alta, o crédito também é
uma ferramenta importante para as que os lares possam manter o padrão de
consumo.
Dentre as capitais, as taxas mais elevadas foram observadas em Curitiba (PR),
com 95,1%; Porto Alegre (RS), com 94,3%; e Belo Horizonte (MG), que alcançou a
marca de 90,1%. Nas três capitais, estas são as maiores taxas desde o início da
pesquisa, há 12 anos. Por outro lado, os menores índices foram registrados em
Goiânia (GO), com 57,2%; e Campo Grande (MS), com 59,3%.
Ao considerar as médias históricas de famílias endividadas nos meses de junho,
entre 2010 e 2021, e compará-las com os resultados apurados em 2022, as duas
cidades mais populosas do Brasil também se destacaram: São Paulo passou do
padrão histórico de 53% para 75% de famílias endividadas (em termos absolutos,
significa um acréscimo de pouco mais de 962 mil lares nesta situação); e Rio de
Janeiro, que contabilizou aumento de quase 650 mil famílias no contingente da
população com dívidas (44,6% superior ao padrão histórico, a maior diferença
porcentual entre as 27 capitais).
Inadimplência
Menos renda e mais endividamento resultam em inadimplência. Desta forma, o
porcentual de famílias com contas em atraso passou de 25,6%, em junho de 2021,
para 29%, em 2022, o maior nível da série histórica. Isso significa que pouco
mais de 4,9 milhões de famílias das capitais tinham alguma conta em atraso ao
fim do primeiro semestre deste ano, quase 600 mil a mais que no ano passado.
Esta variável merece atenção quanto à sua evolução futura.
Dentre as capitais com maior índice de inadimplência, estão Belo Horizonte
(43%), Boa Vista (42%) e Porto Alegre (41%). Um ponto em comum entre as
capitais com maiores taxas de famílias com contas em atraso – que pode explicar
parte deste comportamento – é a queda na renda familiar entre 2020 e 2022. Em
Belo Horizonte e Porto Alegre, é possível observar um quadro de aumento
acelerado no número de famílias endividadas, crescimento do valor da dívida e
queda na renda. Vale ressaltar, porém, que a parcela da renda comprometida com
dívidas se manteve estável em 30%, patamar considerável saudável, confirmando a
seletividade do sistema financeiro na concessão de crédito.
Renda familiar
A renda mensal das famílias, nas capitas do Brasil, apontou queda de 3,9%, na
comparação entre junho de 2022 e o mesmo mês de 2020: de R$ 8.327 para R$
8.001, segundo a FecomercioSP. Vale ressaltar que a inflação em alta foi fator
determinante para isso, ao reduzir, de forma incisiva, o poder de compra da
população.
Para os próximos meses, a FecomercioSP espera uma melhora das variáveis do uso
do crédito, considerando que o comportamento destes fatores está relacionado a
um ponto específico: o nível da renda, que deve ser impactado positivamente por
uma série de condições:
- a inflação, medida pelo IPCA,
apresentou deflação pelo terceiro mês consecutivo: 0,68% em julho; 0,36%
em agosto; e 0,29% em setembro, aliviando o orçamento familiar e abrindo
espaço para o consumo de outros itens. O grupo alimentação e bebidas,
inclusive, apontou queda nos preços em setembro;
- o mercado de trabalho aquecido,
registrando sucessivos saldos positivos de empregos, aumenta o contingente
de pessoas com capacidade de consumir e eleva o montante de recursos
injetados na economia, em decorrência do pagamento do décimo terceiro
salário;
- desde o mês de agosto, está
sendo pago o Auxílio Brasil no valor de R$ 600 e o auxílio-gás, que também
teve valor reajustado. De acordo com informações do governo federal, o
desembolso mensal relacionado a estes programas de transferência de renda
gira em torno de R$ 12 bilhões. Assim, aproximadamente R$ 60 bilhões devem
ser injetados na economia até o fim do ano.
Neste sentido, considerando o mercado de trabalho aquecido; a retomada da atividade econômica; os números do Produto Interno Bruto (PIB) revisados para cima; a inflação – que iniciou um ciclo de queda no semestre; a maior injeção de renda via Auxílio Brasil; e o décimo terceiro mais robusto em dezembro, as expectativas para os níveis de inadimplência, endividamento e renda tendem a se mostrar menos preocupantes e rumo a um equilíbrio mais adequado.
Nota metodológica
O estudo avalia as dimensões e efeitos sobre as famílias da política de crédito no Brasil entre as primeiras metades dos anos de 2020 e 2022. Para as análises relativas às capitais brasileiras, foram usadas as seguintes bases de dados primários: IPCA, Contagem da População, PNAD Contínua e Pesquisa de Orçamento Familiar, todas do IBGE, e as taxas mensais de endividamento, comprometimento da renda e taxa de famílias com contas em atraso constantes da Pesquisa de Endividamento e Inadimplência dos Consumidores (PEIC), da Confederação Nacional do Comércio (CNC).
A PEIC, realizada pela CNC em todas as capitais brasileiras, entrevista mensalmente mais de 17 mil pessoas nestas cidades, produzindo, de forma direta, mais de 100 mil questionários em cada semestre analisado, com dados informados de maneira direta pelos consumidores sobre a sua realidade de endividamento, a capacidade de pagamento e o perfil e a situação de suas dívidas. Por meio dos valores totais das 27 capitais, tem-se uma margem de erro de apenas 0,73 ponto porcentual (p.p.). Todos os valores foram atualizados para junho de 2021, a fim de viabilizar a comparação entre eles.
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