A Medida Provisória nº 1.108/2022 foi publicada no
dia 28 de março de 2022 e trouxe significativos impactos trabalhistas às
empresas quanto ao pagamento do auxílio-alimentação previsto no art. 457 da
Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) e ao teletrabalho ou trabalho remoto.
Importante recordar que, por se tratar de Medida
Provisória, a vigência dessas previsões era inicialmente limitada a 120 dias, o
que se encerraria em 07 de agosto de 2022 (em razão do recesso parlamentar). No
entanto, está em curso o prazo para sanção ou veto presidencial do projeto de
lei de conversão da Medida Provisória nº 1.108/2022 em lei (PLV 21/2022).
Isso significa a possibilidade de que as previsões
da Medida Provisória nº 1.108/2022 passem a valer de forma indeterminada, se
convertidas em lei. Pela análise prévia do PLV 21/2022, as previsões originais
da Medida Provisória seriam mantidas, a não ser que haja veto do
presidente.
Ademais, é importante observar que, havendo a
aprovação do PLV 21/2022, a rejeição ou perda de eficácia da medida provisória,
o Congresso Nacional poderá editar decreto legislativo para disciplinar as
relações jurídicas decorrentes da Medida Provisória nº 1.108/2022, ou seja,
regulando a aplicação das previsões da mesma. A regra geral é da observância
para atos praticados durante o prazo de vigência, motivo pelo qual, mesmo que
não haja a conversão em lei, os atos praticados quando a Medida Provisória
estava vigente seriam regidos por ela.
Este artigo abordará as principais mudanças
trazidas pela Medida Provisória nº 1.108/2022 e como poderão afetar as
empresas.
O que mudou sobre teletrabalho
ou trabalho remoto
O teletrabalho foi inserido apenas em 2017 na CLT,
pela chamada Reforma Trabalhista (Lei nº 13.467/2017). Antes disso, não havia
previsão na legislação trabalhista sobre essa modalidade de trabalho, que tem
se tornado cada vez mais comum nas empresas, especialmente em decorrência da
pandemia de Covid-19.
A Medida Provisória nº 1.108/2022 trouxe alterações
significativas às previsões inseridas em 2017 na CLT sobre teletrabalho, que
destacamos abaixo:
- Conceito de teletrabalho e trabalho remoto: A Medida Provisória
incluiu a expressão “trabalho remoto” além do termo “teletrabalho”,
reiterando que essas modalidades devem ser expressamente previstas no
contrato de trabalho, e alterou o principal conceito caracterizador delas
ao excluir a necessidade de realização das atividades de trabalho apenas
preponderantemente fora das dependências da empresa. Assim, pela Medida
Provisória, não é preciso que a maior parte da jornada seja realizada fora
das dependências da empresa para que seja configurado teletrabalho ou
trabalho remoto - alteração realizada possivelmente para contemplar o
chamado trabalho híbrido, em que há tanto o trabalho na empresa quanto
fora dela, em diferentes proporções. Ademais, a Medida Provisória indicou
que o comparecimento, ainda que habitual, às dependências do empregador
para a realização de atividades específicas que exijam a presença do
empregado no estabelecimento, não descaracteriza o regime de teletrabalho
ou trabalho remoto, bem como que o trabalho poderá ser por jornada ou por
produção ou tarefa.
- Controle de jornada: Um dos pontos de maior
destaque na instituição do teletrabalho na CLT em 2017 foi o fato de ter
sido previsto como uma hipótese de exceção à obrigação de controle de
jornada dos empregados como regra geral (qualquer trabalhador em
teletrabalho estaria isento do controle de jornada – desde, é claro, que
não houvesse um controle de horários na prática). Contudo, isso foi
alterado pela Medida Provisória nº 1.108/2022, que indicou que apenas
pessoas que prestassem serviço por produção ou tarefa estariam isentas do
controle de jornada. Ou seja, a Medida Provisória limitou a isenção ao
controle de jornada no caso de teletrabalho ou trabalho remoto, estando as
empresas obrigadas ao controle de jornada de pessoas em teletrabalho ou
trabalho remoto que não prestem serviços por produção ou tarefa.
- Enquadramento sindical: A Medida Provisória cessou
uma grande discussão sobre qual legislação local (por exemplo, para
feriados) e norma coletiva de trabalho seriam aplicáveis quando o
empregado mora em um local, mas a empresa está sediada em outra
localidade, indicando a regra de aplicação da base territorial do
estabelecimento de lotação do empregado.
- Prioridade ao regime de teletrabalho ou
trabalho remoto: Empregados com deficiência e empregados com filhos ou crianças
sob guarda judicial de até quatro anos de idade têm prioridade para vagas
com atividades que possam ser efetuadas por teletrabalho ou trabalho
remoto.
- Estagiários e aprendizes: A Medida Provisória trouxe
previsão expressa autorizando o teletrabalho ou trabalho remoto a
estagiários e aprendizes.
- Trabalho internacional: Outro grande destaque da
Medida Provisória é a previsão expressa de que será aplicável a legislação
brasileira aos empregados admitidos no Brasil que optarem por realizar
teletrabalho fora do território nacional, excetuadas as disposições da Lei
nº 7.064/1982, salvo disposição em contrário acordada entre empresa e
empregado.
- Retorno ao regime presencial: O empregador não será
responsável pelas despesas resultantes do retorno ao trabalho presencial
quando o empregado tiver optado pela realização do teletrabalho ou
trabalho remoto fora da localidade prevista no contrato, salvo outra
disposição estipulada entre empresa e empregado.
- Outras disposições:
- O tempo de uso de equipamentos tecnológicos e de
infraestrutura, softwares, ferramentas digitais, ou mesmo de aplicativos de
internet utilizado para o teletrabalho, fora da jornada de trabalho, não
caracteriza tempo à disposição do empregador, regime de prontidão ou regime de
sobreaviso, exceto quando houver previsão em acordo individual ou negociação
coletiva de trabalho em sentido contrário.
- Acordo individual poderá dispor sobre os horários
de comunicação entre empregado e empregador, desde que assegurados os repousos
legais.
- A Medida Provisória esclareceu que o teletrabalho
ou trabalho remoto não se confunde e nem se equipara à ocupação de operador de
telemarketing ou de teleatendimento.
Lembrando que outras previsões sobre teletrabalho
não foram alteradas pela Medida Provisória nº 1.108/2022 e se mantém vigentes,
devendo ser observadas, como:
- A
possibilidade de alteração entre regime presencial e de teletrabalho desde
que haja mútuo acordo entre empresa e empregador, registrado em aditivo
contratual;
- A
possibilidade de alteração do regime de teletrabalho para regime
presencial por determinação do empregador, garantido o prazo mínimo de 15
(quinze) dias para transição, com aditivo contratual;
- Que
as disposições relativas à responsabilidade pela aquisição, manutenção ou
fornecimento dos equipamentos tecnológicos e da infraestrutura necessária
e adequada à prestação do trabalho remoto, bem como ao reembolso de
despesas arcadas pelo empregado, serão previstas em contrato escrito, e
que referidas utilidades não integram a remuneração do empregado;
- Que
o empregador deverá instruir os empregados, de maneira expressa e
ostensiva, quanto às precauções a tomar a fim de evitar doenças e
acidentes de trabalho, e o empregado deverá assinar termo de
responsabilidade comprometendo-se a seguir as instruções fornecidas pelo
empregador.
O que mudou sobre o auxílio
alimentação
Com a Reforma Trabalhista em 2017 (Lei nº
13.467/2017), o art. 457, §2º, da CLT passou a prever que o auxílio alimentação
não teria natureza salarial, desde que não fosse pago em dinheiro, trazendo
maior segurança jurídica às empresas para a concessão de benefícios como o Vale
Refeição ou o Vale Alimentação.
A Medida Provisória nº 1.108/2022 trouxe as
seguintes previsões quanto a esse tema:
- Utilização exclusivamente para pagamento de
refeições ou aquisição de gêneros alimentícios: Os valores pagos a título
de auxílio alimentação deverão ser destinados exclusivamente: (i) ao
pagamento de refeições em refeições em restaurantes e estabelecimentos
similares; ou (ii) para aquisição de gêneros alimentícios em
estabelecimentos comerciais.
- Vedações ao empregador na contratação de
pessoa jurídica para fornecimento de auxílio alimentação: O empregador não poderá
exigir ou receber: (i) qualquer tipo de deságio ou imposição de descontos
sobre o valor contratado; (ii) prazos de repasse ou pagamento que
descaracterizem a natureza pré-paga dos valores a serem disponibilizados
aos trabalhadores; ou (iii) outras verbas e benefícios diretos ou
indiretos de qualquer natureza não vinculados diretamente à promoção de
saúde e segurança alimentar do trabalhador, no âmbito de contratos
firmados com empresas emissoras de instrumentos de pagamento de
auxílio-alimentação. Exceção: A vedação não se
aplica aos contratos de fornecimento de auxílio-alimentação vigentes à
época da publicação da Medida Provisória, até seu encerramento ou até que
tenha decorrido o prazo de quatorze meses da publicação da Medida
Provisória, o que ocorrer primeiro. Foi proibida a prorrogação de contrato
de fornecimento de auxílio-alimentação em desconformidade às vedações
acima.
- Previsão de multa: A execução inadequada, o
desvio ou o desvirtuamento das finalidades do auxílio-alimentação pelos
empregadores ou pelas empresas emissoras de instrumentos de pagamento de
auxílio-alimentação, acarretará a aplicação de multa no valor de R$
5.000,00 a R$ 50.000,00, aplicada em dobro em caso de reincidência ou
embaraço à fiscalização, sem prejuízo da aplicação de outras penalidades
cabíveis pelos órgãos competentes. Os critérios de cálculo e parâmetros de
gradação dessa multa serão previstos em ato do Ministro do Trabalho e
Previdência. Essa multa se aplica também ao estabelecimento que
comercializa produtos não relacionados à alimentação do trabalhador e à
empresa que o credenciou.
- Outras penalidades: A Medida Provisória
alterou também a Lei nº 6.321/1976 e previu, além da multa, as seguintes
penalidades pela execução inadequada, o desvio ou o desvirtuamento das
finalidades dos programas de alimentação do trabalhador: o cancelamento da
inscrição da pessoa jurídica beneficiária ou do registro das empresas
vinculadas aos programas de alimentação do trabalhador cadastradas no
Ministério do Trabalho e Previdência, desde a data da primeira
irregularidade passível de cancelamento, conforme estabelecido em ato
específico; e a perda do incentivo fiscal da pessoa jurídica beneficiária,
em consequência do cancelamento, hipótese em que nova inscrição ou
registro junto ao Ministério do Trabalho e Previdência somente poderá ser
pleiteado decorrido o prazo a ser definido em regulamento.
Como dito acima, o projeto de conversão da Medida
Provisória nº 1.108/2022 em lei deve ser apreciado nos próximos dias pelo
Presidente. Assim, é importante acompanhar se haverá a sua aprovação e em quais
termos, a fim de verificar se as regras acima serão incorporadas à legislação
por prazo indeterminado ou não, bem como se haverá a edição de decreto
legislativo dispondo sobre as relações jurídicas decorrentes dessa medida
provisória.
Rosana Yoshimi Tagusagawa -
sócia da área Trabalhista do FAS Advogados
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