Conclusão é de estudo publicado por cientistas de Brasil, China, Austrália e Alemanha na revista Geophysical Research Letters. Grupo aplicou nova abordagem metodológica, com foco em redução de chuvas e secas intensas (Usina Hidrelétrica de Sobradinho, na Bahia, com nível extremamente seco em dezembro de 2015; foto: Marcello Casal Jr/Agência Brasil)
A temperatura das águas do oceano
Atlântico Norte pode ser usada como um indicador climático para prever com
antecedência de até três meses períodos de eventos extremos ligados
à redução de chuvas e secas intensas na região Nordeste do Brasil. Essa é
uma das principais conclusões de um estudo publicado na revista
científica Geophysical Research Letters, que
envolveu pesquisadores do Brasil, China, Austrália e Alemanha.
O grupo
aplicou uma nova abordagem metodológica, com foco no déficit de precipitação, e
mostrou que, nos últimos anos, a influência do Atlântico Norte se tornou mais
persistente do que a atuação do Pacífico tropical, até então apontada como um
dos fatores de impacto na intensidade das secas no Nordeste. Ao mesmo tempo, a
conexão entre Pacífico e Atlântico Norte ficou mais frequente, sugerindo que
essas interações entre as bacias oceânicas tropicais reforçaram as estiagens na
região nas últimas décadas.
“O trabalho foi motivado pela grande
seca registrada entre 2012 e 2015. Esse longo período nos fez refletir, do
ponto de vista meteorológico, como as temperaturas dos oceanos tropicais
influenciam essas condições climáticas. O diferencial agora é a metodologia
inovadora, que explora a questão das diferentes áreas do Pacífico e do
Atlântico e o padrão de seca no Nordeste. Esses resultados servem como
ferramenta de gestão para que centros meteorológicos façam a previsão com
antecedência de eventos com esse potencial”, diz à Agência FAPESP Lincoln Muniz Alves, cientista do
Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e um dos autores do artigo.
O estudo teve o apoio da FAPESP por
meio de um Projeto Temático,
ligado ao Instituto Nacional de Ciência e
Tecnologia para Mudanças Climáticas (INCT-MC) e cujo pesquisador
responsável é o professor Elbert Einstein Nehrer Macau,
da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).
A seca que
atingiu o semiárido do Nordeste entre 2012 e 2015 teve intensidade e impacto
recordes, destruindo áreas agrícolas, levando à falta de água e afetando
cidades e pequenas localidades. Outros trabalhos já apontaram como causas dessa
situação as alterações na circulação atmosférica, sugerindo um papel ativo das
águas superficiais mais quentes do que o normal no oceano Atlântico. O El Niño,
fenômeno climático que envolve um aquecimento incomum do Pacífico, também
contribuiu com o agravamento do quadro.
À época, o
El Niño foi considerado um dos que tiveram maior impacto (depois dos
registrados em 1982-1983 e 1997-1998), provocando perdas em diferentes regiões
do mundo. No Brasil, houve seca intensa no Nordeste e na Amazônia, estiagem
prolongada no Norte, no centro-norte de Minas, de Goiás e no Distrito Federal,
além de inundações no Sul.
“Esse tipo
de El Niño, chamado ‘canônico’, ou seja, com o padrão de aquecimento na mesma
região do oceano Pacífico, tem mudado tanto de posicionamento como de
intensidade. Paralelamente a isso, temos visto nas últimas décadas um
aquecimento anômalo no Atlântico tropical. A partir do mix de análises feitas,
o artigo dá subsídio para que quem trabalha com previsão possa olhar, meses
antes, os sinais vindos do Atlântico tropical. O Pacífico influencia, mas o
Atlântico tem peso maior”, completa Alves.
Novos parâmetros
A proposta
do estudo consiste em usar métodos não lineares de coerência de fase e análise
generalizada de sincronização de eventos para entender os mecanismos de causa e
efeito. Para isso, os cientistas interpretaram as relações entre a
variabilidade da temperatura da superfície do mar (TSM) e o índice de
precipitação-padrão como interações diretas, enquanto as relações entre oceanos
foram avaliadas como efeitos indiretos sobre chuvas.
Os
pesquisadores usaram dados de precipitação do Climate Prediction Center,
agência federal dos Estados Unidos integrante do serviço nacional de
meteorologia da Administração Nacional Oceânica e Atmosférica (NOAA, na sigla
em inglês). Foram selecionadas quatro regiões: o Nordeste brasileiro, que tem
sido o centro da seca nas últimas décadas; a área chamada Niño 3, onde houve
intensa atividade do fenômeno ENSO (El Niño - Oscilação Sul); o Atlântico Norte
e o Atlântico Sul, ambas áreas semelhantes utilizadas em trabalhos anteriores.
Para
verificar a consistência, os resultados foram comparados com a chamada região
Niño 4, que inclui o Pacífico Central e o Atlântico Sul estendido. Para cada
domínio, foram calculadas a média espacial da variável de interesse e as
anomalias diárias relativas a uma base do período de 1981-2010, sendo as
estações chuvosas definidas de janeiro a abril, e as secas, de maio a agosto.
Os
resultados revelaram um papel dominante do Atlântico Norte para o déficit de
precipitação e secas, particularmente nas últimas décadas. Além disso, as
frequências de precipitação e de temperatura da superfície do mar mudaram após
eventos de El Niño e La Niña muito fortes, resultando em uma maior
probabilidade de coerência de fase.
“Não
existe mais um padrão normal ou de linearidade, como se observava havia três
décadas. Vários outros trabalhos têm corroborado com o resultado que obtivemos.
Essa metodologia revela que não existe um padrão linear para montar as
previsões. A pesquisa mostra que é preciso sair do convencional e destaca
a importância de olhar para outras áreas dos oceanos, não focando somente no
Pacífico”, afirma Alves.
Entre as
conclusões do artigo, o grupo aponta ainda que outros fatores, como mudanças no
uso da terra, podem levar a alterações no ciclo hidrológico, como já
demonstrado em estudos de modelagem, particularmente sobre a bacia amazônica.
Por isso, os cientistas sugerem que novos trabalhos com a metodologia
desenvolvida podem focar em como essas mudanças no uso da terra alteram as
características e interações climáticas.
“Quando
discutimos variações climáticas estamos falando também em impactos
socioeconômicos e na biodiversidade. Por isso, centros meteorológicos podem
usar o modelo para trabalhar em prevenção, focando em políticas públicas ou na
tomada de decisão sobre ações de mitigação de eventos extremos”, completa
Alves.
O artigo Phase Coherence Between Surrounding Oceans Enhances Precipitation
Shortages in Northeast Brazil pode ser lido em: https://agupubs.onlinelibrary.wiley.com/doi/abs/10.1029/2021GL097647.
Luciana
Constantino
Agência
FAPESP
https://agencia.fapesp.br/temperatura-do-atlantico-norte-ajuda-a-prever-evento-climatico-extremo-no-nordeste-ate-tres-meses-antes/38816/
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