Uma das novidades mais comentadas e até mesmo
celebradas da Reforma Trabalhista, ocorrida por meio da Lei n.° 14.467, de
2017, foi a prevalência do negociado sobre o legislado. O art. 611-A da CLT,
alterado, contém, de forma expressa, esta previsão para não deixar dúvidas: o
que é negociado entre um Sindicato laboral e outro patronal (Convenção Coletiva
de Trabalho - CCT), e entre Sindicatos Laborais e empresas (Acordo Coletivo de
Trabalho - ACT) prevalece sobre o disposto na lei. Todavia, a própria
Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) reconhece que esta estipulação em CCT
ou ACT não é absoluta, isto é, encontra limites em 26 matérias descritas no
art. 611-B da norma, as quais tratam, de forma geral, de direitos previstos na
Constituição de 1988. Agora, a pergunta que se faz é: essa previsão legal é
exatamente uma novidade na legislação brasileira? O que de fato modifica nas
relações coletivas de trabalho?
Desde a promulgação da Constituição de 1988 isso já
era possível e realidade nas relações coletivas laborais. O artigo 7.º, inciso
XXVI, da Carta Magna, prevê o reconhecimento das convenções dos acordos
coletivos de trabalho e assim permite que as partes envolvidas estabeleçam
regras para a coletividade que representam, ou seja, que essas se sobreponham à
lei. Essa liberdade em estabelecer regras trabalhistas para a categoria (CCT)
ou para uma empresa (ACT) por meio de negociação coletiva, igualmente, não é
absoluta. O conteúdo normativo desses instrumentos deve ser mais vantajoso para
os empregados quando comparados com a legislação trabalhista, isto é, deve
representar um ganho para os empregados e não uma perda de direitos para o
trabalhador. Também, esse conteúdo deve primar pelos princípios
constitucionais, sobretudo os trabalhistas, bem como deve respeitar a
principiologia trabalhista, sintetizada no princípio da proteção, a partir da
premissa da relação de inferioridade jurídica e econômica que o empregado se
encontra comparado ao seu empregador, o que se chama de hipossuficiência do
empregado.
Como exemplo de cláusulas desses instrumentos
encontradas em várias CCTs, apesar de sua grande diversidade e pluralidade, coloca-se:
majoração de percentual de horas extras, majoração de horário noturno,
elastecimento de licenças remuneradas, criação ou ampliação de faltas
justificadas, aumento salarial e piso normativo da categoria.
O que muda então com a Reforma Trabalhista, a qual
prevê expressamente que o negociado prevalece sobre o legislado? Em termos
práticos, nada. Apesar da Reforma Trabalhista tentar limitar o Poder Judiciário
Trabalhista na análise da validade das CCTs e ACTs, em pelo menos três
dispositivos legais (art. 8 § 3º e art. 611-A § 1º e § 2º), baseando-se no
princípio da intervenção mínima na autonomia da vontade coletiva, a Justiça do
Trabalho não pode e deve se afastar dos princípios constitucionais e
trabalhistas. Princípios como da dignidade da pessoa, valorização do
trabalho e vedação ao retrocesso devem ser os grandes balizadores na decisão em
manter válida ou não uma determinada cláusula na Justiça do Trabalho.
E, é exatamente isso que a Reforma Trabalhista
objetivou: evitar que cláusulas normativas fossem julgadas inválidas pela
Justiça do Trabalho, na tentativa de fazer prevalecer a qualquer custo e modo o
negociado x legislado, mesmo que isso trouxesse prejuízo ao empregado. Logo, a
novidade não está na prevalência do negociado em relação ao legislado, mas sim
a tentativa de limitar a Justiça do Trabalho em decidir acerca da validade ou
invalidade da cláusula quando questionada.
A negociação coletiva (CCTs e ACTs) representa um
direito do trabalho vivo, isto é, direito produzido pelas próprias partes
envolvidas, considerando aspectos da realidade regional, setorial, histórica e
econômica de forma contemporânea à ocorrência dos fatos, sendo importante
instrumento de progressividade de direitos e de efetividade do direito do
trabalho como forma de atingir o patamar mínimo civilizatório que deve haver
nas relações de trabalho.
Por fim, não se pode negar e omitir que a Reforma
Trabalhista, ao lado dessa pseudo novidade, de forma paradoxal, trouxe, de
forma imediata, um enfraquecimento dos sindicatos, principalmente laborais, por
conta da extinção da contribuição compulsória sindical. Naturalmente, a falta
abrupta de custeio dificultou a (re) organização dos sindicatos, ao menos em um
primeiro momento, ainda que em graus e formas diferentes, o que impactou de
forma direta nas negociações coletivas, dificultando a negociação ou
enfraquecendo o poder negocial dos sindicatos nas CCTs e ACTs, ou seja,
enfraquecendo o negociado. Além disso, a Reforma Trabalhista permitiu
negociação direta entre empregador e empregado de matéria antes reservada para
CCT ou ACT, como, por exemplo, a celebração de banco de horas de até seis meses
para prescindir de negociação sindical. Resultado: a novidade, que já nasceu
velha, enfraqueceu.
Marcelo
Ivan Melek - doutor em Direito, advogado, pesquisador do GETRAB-USP. É
professor do Programa de Mestrado Profissional em Direito e professor do curso
de Direito da Universidade Positivo (UP).
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