Estudo feito em Campinas combinou o uso dessas fotografias com ferramentas de inteligência artificial para identificar regiões de menor índice socioeconômico e maior suscetibilidade às doenças propagadas pelo Aedes aegypti (imagens de satélite publicadas sob licença CC BY com permissão da G drones)
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Um programa de computador capaz de
identificar, a partir de imagens aéreas, caixas d’água sobre telhados ou lajes
e piscinas em áreas abertas foi desenvolvido por pesquisadores brasileiros com
o auxílio de ferramentas de inteligência artificial. A proposta é usar esse
tipo de imagem como indicador de zonas especialmente vulneráveis a infestações
do mosquito Aedes aegypti, transmissor de
doenças como dengue, zika e chikungunya. Além disso, a estratégia desponta como
potencial alternativa para um mapeamento socioeconômico dinâmico das cidades –
um ganho para diferentes políticas públicas.
A pesquisa, apoiada pela
FAPESP, foi conduzida por profissionais da Universidade de São Paulo (USP), da
Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e da Superintendência de Controle
de Endemias (Sucen) da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo. Os
resultados foram publicados na
revista PLOS ONE.
“O que nós fizemos neste primeiro
momento foi criar um modelo que se baseia em imagens aéreas e em ciência da
computação para detectar caixas d’água e piscinas, e usá-las como um indicador
socioeconômico”, afirma o engenheiro Francisco Chiaravalloti Neto,
professor do Departamento de Epidemiologia da Faculdade de Saúde Pública da
USP.
No artigo
publicado, ele e seus colegas ressaltam que levantamentos anteriores já
apontavam que zonas carentes dos municípios são frequentemente mais
predispostas à dengue. Ou seja, utilizar um modelo de atualização de status
socioeconômico relativamente dinâmico – principalmente em comparação com o
Censo, feito de dez em dez anos e sujeito a atrasos – ajudaria a priorizar os
esforços de prevenção contra dengue, zika e chikungunya.
“Esse é um dos primeiros passos de um
projeto mais amplo”, destaca Chiaravalloti Neto. Entre outras coisas, o grupo
almeja incorporar outros elementos para serem detectados nas imagens e
quantificar as taxas reais de infestação do Aedes aegypti em
uma dada região para refinar e validar o modelo. “Nós esperamos criar um
fluxograma que possa ser aplicado em diferentes cidades para encontrar áreas de
risco sem a necessidade de visitas domiciliares, prática que gasta muito tempo
e dinheiro público”, diz Chiaravalloti Neto.
Aprendizado de máquina
Em estudo anterior, o grupo já havia
usado inteligência artificial para identificar caixas d’água e piscinas em Belo
Horizonte (MG). Os pesquisadores começaram apresentando essas imagens de
satélite da cidade mineira a um algoritmo de computador e apontando quais
possuíam essas instalações. Por meio de um processo de deep learning (ou aprendizado profundo), o
programa passou a identificar padrões nas imagens que acusavam a presença de
uma piscina ou caixa d’água. Com o tempo, o sistema se tornou capaz de
diferenciar essas estruturas nas fotos por si só.
“É
realmente um processo de aprendizado de máquina, uma subárea da inteligência
artificial”, explica Jefersson Alex dos Santos, professor do Departamento de
Ciência da Computação da UFMG e fundador do Laboratório de Reconhecimento e
Padrões de Observação da Terra.
Para a
atual pesquisa, os profissionais delimitaram quatro regiões de Campinas
caracterizadas por diferentes contextos socioeconômicos, de acordo com o
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Um drone com uma câmera
de alta resolução sobrevoou essas áreas e tirou uma série de fotos. Então,
criou-se um banco de dados voltado para caixas d’água e outro para piscinas.
A próxima
etapa foi realizar a técnica de transferência de aprendizado. “Nós treinamos
aquele modelo em Belo Horizonte e o aplicamos em Campinas”, esclarece Santos.
Com as imagens obtidas na cidade paulista, os modelos se tornaram mais
confiáveis para a região, alcançando uma precisão de 90,23% para a detecção de
piscinas e de 87,53% para a de caixas d’água expostas.
Indicador socioeconômico
Com o
algoritmo devidamente treinado, os pesquisadores usaram outras imagens para
calcular a concentração de caixas d’água e piscinas expostas naquelas quatro
regiões de Campinas previamente selecionadas. Ao cruzar essas informações com
dados do IBGE, notou-se que os índices socioeconômicos eram menores em áreas
com maior concentração de caixas d’água e mais elevados onde havia maior número
de piscinas.
Como regiões menos estruturadas são
mais propensas à infestação do Aedes aegypti, esse
modelo já auxiliaria no combate às doenças propagadas por ele. “Apesar de não
ser ainda a metodologia final, já dá para pensarmos em um uso prático e
relativamente simples de desenvolver um software para uso em larga escala, com
o objetivo de mapear bairros com maior risco de surto de dengue”, reforça
Santos.
Chiaravalloti
Neto aponta que os modelos criados poderiam ser úteis para além do controle de
dengue, zika e chikungunya: “A atualização dos índices socioeconômicos de
diferentes pontos do Brasil acontece a cada dez anos, com o Censo. Já com essa
técnica conseguiríamos renovar esses dados de maneira mais ágil, o que pode ser
usado para enfrentar diferentes doenças e problemas”.
Segundo
ele, trabalhos futuros podem encontrar outros marcadores a partir de imagens
aéreas e, assim, refinar esses algoritmos para assegurar uma confiabilidade
ainda maior.
Drone ou satélite?
Apesar de
as fotos aéreas de Campinas terem sido obtidas com um drone, espera-se que, no
futuro, a estratégia testada nessa pesquisa recorra apenas às imagens de
satélite. “Utilizamos um drone por se tratar de um estudo, mas fazer varreduras
com esse equipamento é caro”, analisa Chiaravalloti Neto.
“Eles
também têm uma autonomia menor. Para fazer um projeto em larga escala, que
contemple grandes cidades, precisaremos das imagens de satélite”, completa
Santos. No estudo em Belo Horizonte, as imagens de satélite foram empregadas
com sucesso – elas precisam de alta resolução para que o computador consiga
identificar os padrões. De acordo com Santos, o acesso a esse tipo de imagem
felizmente está se ampliando.
Embora
esse tipo de metodologia pareça custoso, ele gera uma potencial economia ao
dispensar a necessidade de visitas presenciais para mapear, casa por casa,
áreas suscetíveis à dengue. Em vez disso, os agentes de saúde aproveitariam as
informações obtidas remotamente – e processadas com a inteligência artificial –
para se dirigir aos locais prioritários com mais assertividade.
Próximos passos
O modelo
atual é capaz de detectar caixas d’água, mas não se elas estão devidamente
vedadas. Algo similar vale para as piscinas: ele as identifica, mas não sabe se
estão bem tratadas ou fechadas. “Essa metodologia poderia ser refinada para
diferenciar estruturas bem cuidadas daquelas que de fato serviriam como
criadouros de mosquitos”, avalia Chiaravalloti Neto. Acusar esses padrões e
outras estruturas ligadas a uma maior infestação de mosquitos tornaria o
algoritmo ainda mais confiável para a definição de medidas de saúde pública.
No momento, os pesquisadores estão
instalando uma série de armadilhas para o Aedes aegypti em
cerca de 200 quadras de Campinas e avaliando detalhadamente as condições dos
imóveis e a presença de diferentes criadouros do mosquito. Indicadores
socioeconômicos também serão examinados. A etapa seguinte será avaliar imagens
aéreas dessas regiões com a mesma lógica empregada na pesquisa citada para
classificar o grau de risco para a presença do Aedes
aegypti e das doenças transmitidas por ele.
“Ao
observar essas quadras, pretendemos construir um modelo de priorização de
controle da dengue para toda a cidade e, depois, para o resto do Brasil”,
conclui Chiaravalloti Neto.
Além do
financiamento da FAPESP, os pesquisadores contaram com recursos do Instituto
Serrapilheira, do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
(CNPq), da Pró-Reitoria de Pesquisa da USP e da Fundação de Amparo à
Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig). A Sucen também ofereceu suporte
estrutural.
Os autores
envolvidos são: Higor Souza Cunha, Brenda Santana Sclauser, Pedro Fonseca
Wildemberg, Eduardo Augusto Militão Fernandes, Jefersson Alex dos Santos,
Mariana de Oliveira Lage, Camila Lorenz, Gerson Laurindo Barbosa, José Alberto
Quintanilha e Francisco Chiaravalloti-Neto.
O artigo Water tank and swimming pool detection based on remote sensing and
deep learning: Relationship with socioeconomic level and applications in dengue
control pode ser acessado em: https://journals.plos.org/plosone/article/authors?id=10.1371/journal.pone.0258681.
Theo Ruprecht
Agência
FAPESP
https://agencia.fapesp.br/mapeamento-por-imagens-aereas-de-caixas-dagua-e-piscinas-expostas-pode-ajudar-no-controle-da-dengue/38114/
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