Viver é melhor que sonhar, cantava Elis Regina, a grande intérprete da MPB. Há verdades na bela composição de Belchior, porém é possível sonhar com uma vida melhor, o que o povo brasileiro merece.
Qual o habitante deste país que não gostaria de ter
saúde pública mais digna, com a expansão das unidades do SUS, melhor
remuneração dos médicos e demais profissionais da área, menos filas,
atendimento humanizado?
Quem, entre os 213 milhões de brasileiros não
ficaria feliz com educação de qualidade, professores com remuneração justa,
unidades escolares modernas e confortáveis, sem falta de vagas nas creches, nas
pré-escolas e no ensino fundamental, e acesso amplo ao ensino público superior?
É possível imaginar algum descontente se o déficit
habitacional de 6 milhões de casas fosse zerado em poucos anos, com a
construção de moradias dignas, construídas em locais adequados, servidas por
transporte público, redes de água e esgoto, rede wi-fi e energia fotovoltaica
(que representaria economia de 10% do valor do salário-mínimo), e subsidiadas
em 90% de seu custo?
Qual cidadão não comemoraria o aumento
significativo na segurança pública a garantir-lhe tranquilidade quanto ao seu
patrimônio e à sua vida e de sua família, por meio de maior controle das
fronteiras, da malha fluvial, dos portos e aeroportos (homologados e
clandestinos), portas de entrada de armas, munições e drogas?
Quem daqueles que gastam metade de sua jornada de
trabalho no transporte coletivo lotado, saindo de casa de madrugada e voltando
somente no meio da noite, mal conseguindo ver os filhos acordados, não ficaria
feliz com transporte público mais veloz e confortável?
Quais pessoas não gostariam que a cidade onde vivem
fosse dotada de 100% de rede de água, coleta e tratamento de esgoto, iluminação
pública, coleta de lixo, conservação permanente e equipamentos de esportes e
lazer?
Transformar a realidade atual é uma utopia? Faltam recursos para implementação desses benefícios, como costumam alegar os governantes para justificar sua inação? A resposta, nos dois casos, é não. Para expandir em 50% a rede de saúde e aumentar a remuneração dos profissionais da área em 30%, seriam necessários de R$ 60 a R$ 70 bilhões por ano.
Transformar a educação e valorizar os professores
custaria de R$ 50 a R$ 60 bilhões anualmente. Construir 600 mil unidades
habitacionais por ano exigiria recursos anuais de R$ 90 a R$ 100 bilhões. Com
investimento de mais R$ 30 a R$ 50 bilhões por ano, seria possível reforçar a
segurança pública em nível jamais visto. Outros R$ 20 a R$ 25 bilhões seriam
suficientes para dotar as cidades brasileiras da infraestrutura urbana
necessária para garantir vida digna à população. A mesma quantia alocada ao
transporte público restauraria a dignidade dos que dependem dele para se
locomover.
A alocação desses recursos plurianuais somaria,
então, cerca de R$ 270 bilhões, ou R$ 330 bilhões se pensarmos em investimentos
mais generosos. Nominalmente gigante, essa soma representa apenas de 3,40% a
4,10% do Produto Interno Bruto (PIB) anual do Brasil. Se o País conseguir
reduzir pela metade a corrupção que consome de 1,30% a 2,35% do PIB anual,
alcançará a economia de 0,70% a 1,17% do PIB todo ano. O gigantismo da máquina
pública consome hoje cerca de 13,4% a 13,7% do PIB do país, valor este que
supera em muito os 9,60% da média desse tipo de despesa dos 37 países que
integram a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE),
uma simples redução de apenas 50% deste excesso de 3,80% a 4,00% representaria
uma economia de 1,90% a 2,00% do PIB.
É factível, ainda, a drástica redução dos gastos
tributários, em grande parte ilegítimos, sem observância de prazos e
regressividade e que não visam a redução das desigualdades regionais e sociais,
ao contrário do que manda a Constituição. Tais gastos correspondem hoje a
4,00% do PIB e sua redução para 1,50% representaria economia anual adicional de
2,50% do PIB. A soma das reduções propostas é suficiente para alcançar o
patamar entre 5,10% a 5,65% do PIB economizados, muito superior aos
investimentos propostos acima.
Isso prova que o país tem recursos suficientes para
a transformação que o Brasil reclama. Fica claro que tais investimentos, embora
necessários, não são feitos pela simples razão de que o povo deixou de ser
prioridade para a maioria de nossos governantes.
A situação nacional é tamanha gravidade que somente
a refundação do país será capaz de transformá-lo após tantas décadas perdidas.
Sem isso, o Brasil jamais será novamente o país das oportunidades, nunca
reencontrará o caminho do desenvolvimento e seremos brasileiros de classe única
somente nos discursos, desmentidos pela doída realidade.
A guinada radical pode ser viabilizada se houver
trabalho alicerçado na harmonia dos três poderes da República, com efetiva e
indispensável participação do Legislativo, aliado a um plano de metas, tudo
lastreado na ética, na moralidade e na transparência, com foco na dignidade dos
brasileiros, cada dia mais sofridos e desesperançosos.
Para devolver a esperança e a confiança à nação, é
preciso também reduzir a sensação de impunidade e reduzir privilégios. Esse
caminho passa pela drástica redução do foro por prerrogativa de função –
limitando-o aos chefes dos Três Poderes e excetuando-se os crimes comuns -,
pelo restabelecimento da prisão após condenação em segunda instância e pela
mudança para tornar imprescritíveis os crimes relacionados à corrupção, além do
aprimoramento legislativo sobre sinais exteriores de riqueza.
É necessário, ainda, reduzir o número de partidos
políticos e os custos das eleições, englobando-se, nesse caso, os fundos
partidário e eleitoral, hoje bilionários. Acabar com a reeleição – que somente
põe a máquina a serviço de um novo mandato do governante – também é
fundamental, aumentando-se o tempo de mandato. E, ainda, o Brasil precisa
reavaliar a legislação sobre indicações e aprovações de membros não concursados
dos tribunais superiores.
As eleições legislativas de outubro serão
importante oportunidade para o povo dar sua colaboração em direção a essa
mudança, sinalizando que a Casa do Povo precisa, efetivamente, defender os
interesses do povo e cumprir adequadamente seu papel constitucional.
Viver é melhor que sonhar. Entretanto, é preciso
agir para transformar o país e concretizar o sonho de viver uma vida digna num
país que pode ser muito melhor do que é.
Samuel Hanan - engenheiro com especialização nas áreas de macroeconomia, administração de empresas e finanças, empresário, e foi vice-governador do Amazonas (1999-2002). Autor do livro “Brasil, país à deriva”.
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