Há uma década, a Espanha realizou uma profunda reforma trabalhista na sua legislação laboral, que em tese acabou por precarizar na visão de muitos a forma de prestação de serviços ceifando direitos e garantias dos trabalhadores. Por aqui, a Lei 13.467 de 2017 que também implementou uma profunda reforma na relação empregado versus empregador, em certa medida sofreu as mesmas críticas. Em terras espanholas, houve no início desse ano de 2022, através de medida normativa própria identificada como Real Decreto Lei, a retirada das medidas de alteração da dita reforma trabalhista de 2012, tendo em vista a nova posição política dos que dirigem aqueles país. Há quem diga que a depender das próximas eleições presidenciais que se avizinham, talvez o mesmo caminho seja seguido pelo Brasil com a retirada das alterações constantes na reforma trabalhista de 2017.
Pois bem, importante destacar logo de início, que a
presente narrativa não possui ideal de defesa ou crítica a edição ou retirada
de quaisquer das reformas acima citadas, e sim, apenas, e com severa
dificuldade, lançar algumas e pequenas luzes do cenário mundial que se aproxima
para reflexão daqueles com os quais pretendemos dividir o pensamento, pois ao
que parece, necessário se faz ter uma visão um pouco mais abrangente da
realidade, para que posteriormente, seja possível tomar eventual decisão sobre
o rumo, e aqui no caso, o destino de nada menos que a grande parte da população
que se encontra em ocupações de trabalho pífias ou mesmo sem qualquer ocupação.
O mundo ao longo de sua história passou por severas crises
oriundas de regimes adotados e tidos como seguros, sejam eles de ideais ditos
de esquerda, de direita, até acomodar-se na maioria dos países o regime
liberal, que prega a liberdade, paz e suposta igualdade, mas que de igual forma
aos outros regimes, sofreu e sofre muitas críticas desde o século XIX. Na
década de 1990, através das ideias da liberal democracia unida ao livre
mercado, diretos humanos e bem-estar social, era a único caminho aparentemente
a ser seguido.
Há, contudo, algumas questões de fundo que precisam ser
pensadas com exponencial cautela, pois os tempos parecem ser outros, sobretudo
quando tratamos de uma revolução do trabalho que não é mais em sentido estrito
industrial, em que facilmente possível seria acomodar trabalhadores sem grandes
qualificações em outras ocupações.
Nos dias atuais, a inteligência artificial, algoritmos e a
robótica realmente são capazes - como nunca se viu na história - de aniquilar
por completo atividades e funções desenvolvidas por trabalhadores da camada
mais humilde laboral, bem como exigir qualificação absolutamente diferenciada
para a continuidade no mercado de trabalho para os mais qualificados.
Pior, não estamos falando de espaços temporais longos para
a reinvenção de ocupações e funções, falamos de severa e contínua alteração
ocasionada pela inteligência artificial fazendo com que o trabalhador talvez
necessite se especializar ao longo da vida em inúmeras profissões diversas,
quando e se possível. Some-se a isso, que a tecnologia e a inteligência
artificial serão capazes, se já não o são, de através de leituras de processos
bioquímicos do corpo humano, identificar até mesmo as emoções sentidas por
todos ao ouvir uma música, ao ver uma imagem, possibilitando a direção do
consumo até mesmo de forma individualizada através dos algoritmos.
Essa realidade será capaz de apresentar ao mundo do
trabalho - e porque não ao mundo - uma questão de difícil superação, que diz
respeito a substituição da exploração
do humano pela própria irrelevância do humano
enquanto Ser capaz de produzir com seu trabalho. Aqui, aparentemente, reside o
problema do futuro muito, muito próximo... Se hoje, de forma exemplificativa,
há preocupação com eventual precariedade de direitos dos motoristas da empresa
Uber e outras, amanhã esses não serão mais motoristas, pois o veículo não
necessitará mais de motoristas.
Há aqui uma questão relevante, pois se grande parte da
sociedade não terá realmente uma ocupação em razão da tecnologia, dos
algoritmos e da inteligência artificial, essa mesma grande parte não terá como
consumir o que foi produzido, simplesmente por não ter possibilidade econômica
pela ausência do trabalho. Então, de um lado teremos empresas com tecnologia de
ponta, contudo, sem que exista uma massa que efetivamente possa consumir essa
produção. Aqui o nó está feito!
Alguns autores, entre eles Yuval Noah Harari, indicam a
necessidade do nascimento de uma sociedade pós-trabalho, através de uma
economia pensada pós-trabalho e um regime político pensado pós-trabalho. Isso
significa dizer que ou toda atividade, como cuidar dos filhos, cuidar dos pais
e afins, devem ser integradas à sociedade como uma forma de trabalho e remunerada
seja pelas grandes empresas, seja pelo Estado, ou que essas empresas vendam
para os Estados e esses entreguem em forma de saúde, educação, alimentação para
essa massa de pessoas incluídas nessa suposta nova forma de sociedade
pós-trabalho.
Importante dizer que aqui estamos tratando do mundo
globalizado, e não dos antigos Estados-Nação que por um tempo acreditavam que
poderiam competir isoladamente no mercado. Essa realidade não existe mais. As
grandes questões que ainda se vinculam a isso são: Os países pobres terão
possibilidade de assegurar uma forma de manutenção da mínima dignidade de seu
povo com o cenário aqui transcrito? Os países ricos darão subsídios suficientes
para manutenção desses países pobres?
Aparentemente, pelo contexto, apenas a criação de uma
limitação legislativa no cenário mundial que permita a recomposição das
possibilidades de trabalho com a cadência da implementação da tecnologia na
espécie garantindo postos de trabalho, ou a fotografia histórica estará pronta
desde os dias atuais, e não é das melhores.
Reformar pontualmente ao sabor de ideologias de quem está
no governo, momentaneamente, seja ela qual for, sem perceber o contexto
mundial, é empurrar o sentido do trabalho para o abismo e impedir a
continuidade do desenvolvimento do humano por qualquer viés.
Citando recente película da moda, é necessário que o mundo
olhe para cima!
Ricardo Pereira de Freitas Guimarães - advogado especialista, mestre e
doutor pela PUC-SP, titular da cadeira 81 da Academia Brasileira de Direito do
Trabalho e professor da especialização da PUC-SP (COGEAE) e dos programas de
mestrado e doutorado da FADISD-SP.
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