– Espantar? Espanto é medo, mas também é admiração, rsrs. Gosto. Estou seguro de que nossas conversas te afetam, te causam emoções... Não conversamos com indiferença.
– Emoções!? São provocações
que me assustam.
– Hum... Eu diria: te
emocionas, e tuas emoções te assustam.
– Ah! boa sorte minha, sou
sensata.
– Ou te perderias?
– Perder-me? Não... Não me
perderia.
– Não mesmo? Precisaste do
socorro da tua sensatez... Isso talvez te tenha assustado, ou espantado, como
preferes.
– Jamais! Se não o quero,
podes ter certeza, não me perco...
– Bem... Quem tem certeza
sobre seus quereres não levanta a hipótese do perder-se.
– Fui eu? Bem, é uma
proposição, e eu já a trago negativa.
– Argumentos inteligentes,
claro. Mas uma hipótese já pressuposta negativa é uma proibição a priori, é uma
recusa antecipada da possibilidade. Não vês? Se recusas a possibilidade, então
a possibilidade te ocorreu. Essa possibilidade, antes mesmo de admiti-la, tu a
proibiste a ti mesma.
– Manobras
argumentativas... Não vou cair nisso.
– Cair? Te sentes à beira
de uma queda? Talvez na tentação de uma queda...
– Modo de dizer, rsrs.
– Modo de dizer, rs... Não
sentes e saboreias a possibilidade da queda? Não tens vertigens à beira dos
teus desejos contidos de queda?
– Eu sou tranquila, tenho
uma vida tranquila... E dela não desejo me jogar em nada.
– Sim... Suponho que sim.
Mas... Olha, vidas tranquilas são aliadas da proibição de nossos desejos. E
quem falou em se jogar?
– É... Tomarei mais atenção
às palavras, já que as pegas... Bem, sim, eu disse. Mas, olha, quero
significar: estou na vida que levo por vontade de levá-la.
– Vontade! Vontade é um
imperativo nosso sobre nós mesmos. Pessoas inteligentes... Seus superegos
fortes constroem argumentos fortes para conter desejos fortes. Conter nunca é
suprimir, contudo, rsrs.
– Desejos! Há um tanto de
desculpa nisso. Acabam usados como licença para atender egoísmos. Já que apelos
intelectuais te sensibilizam, me faço acompanhar de Kant, falo em egoísmo como
submissão unicamente ao meu interesse, em desconsideração aos meus compromissos
morais. Há outros valores em questão; não quero magoar pessoas.
– Sei! A dedicada servidão
à moral, aos compromissos. Compromissos que nem contrataste. Olha, defesa de
normas morais ou de compromissos sociais é sempre uma ética de interesses.
Manter posições é manter interesses.
– Assim seja... Não vejo
problemas em que interesses sejam defendidos. Só não quero viver um puro e
simples egoísmo. Há interesses outros na minha situação de vida... Há outras
vontades além das minhas.
– Acredito nisso de jeito
nenhum. O que chamas de tua situação de vida eu chamo de teus interesses. Os
outros interesses que referes são pretextos para sustentar os teus interesses.
E te digo: reprimir desejos por conveniências; haverá custos.
– Isso é medíocre. Seres
rasos é que se entregam a caprichos.
– Apelo a Nietzsche, tão do
teu gosto: o egoísmo é sentimento de pessoa superior, daquela capaz de
compreender o mundo do ponto de vista exclusivo de seu próprio interesse.
– Não nego Nietzsche... Até
posso compreender o mundo a partir dos meus exclusivos interesses, mas não
posso vivê-lo. Ninguém poderia fazê-lo.
– Lá isso é verdade. Tenho
mesmo que negociar com o mundo; mas não com esse mundinho para o qual muita
gente dá a vida em troca de mediocridade. Esse mundinho confortavelzinho
oferece convenienciazinhas e consegue reprimir desejos enormes. Esse
mundinho...
– Se não nos cuidamos, nos
corrompe a grandeza possível da existência? Bem sei disso... Entretanto,
existência é relação. Não quero uma liberdade egoísta e desrespeitosa, que
atropele o próximo.
– Relação nenhuma pode me
pedir a minha anulação. Nem sei se algum próximo se te declarou atropelado. A
coisa és tu contigo mesma. Convertes moral e conveniências em egoísmo
excludente. Não, não é verdade que magnanimamente recusas as vontades de teu
ego. Desculpa, mas estás é a te curvar à segurança dos usos e costumes.
– Deixa eu ficar calma,
tranquila, na minha... Tenho os prazeres da rotina, porém os tenho.
– Rotina, gosto dela... A
rotina nos acalma... Previsibilidade... Sem rotina a vida seria caótica. Certo.
Mas duvido de que alguém satisfaça desejo na mesmice. E sim, claro, te deixo na
tua calma, afinal, é coisa tua. Um dia, porém, terás que te dar explicações.
– É... Tens gosto em me
provocar.
– Gostas de ser provocada,
para provares o gosto de não cair em tentação? Soberba elevação controladora
sobre si própria, não? Sabes qual o prazer do pecador no teu modo de ver o
egoísmo?
– Aposto que me vais
dizê-lo.
– Rsrs, só se me pedires...
– Um homem vítima de todos
e cada um dos seus desejos... Um homem capturado por si mesmo.
– Tenho vontade de dizê-lo.
E tu? Tu a tens de sabê-lo?
– Fica pela tua vontade.
– Mas somos dois.
– Não me curvo à minha
vontade...
– Ah!, rsrs, com isso a
declaras. Digo, pois: tu, pecadora egoísta, aprecias, sem degustá-las, as tuas
vontades. Desejas, conversas sobre desejos, mas, egoísta de ti para contigo,
não pecas. Mas, olha, não pecar é grave pecado.
– Rsrs, talvez... Se
acontecer, vou, dou-me. Mas, sabes? Eu peco. Peco saboreando o desejo desejado.
Léo Rosa de Andrade
Doutor em Direito pela UFSC.
Psicanalista e Jornalista.
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