A escolha de Margareth Tatcher, como primeira ministra do governo da Inglaterra, logo seguida pela vitória de Reagan para a presidência dos EUA, no começo dos anos 80, sinaliza o fim do ciclo dos governos social-democratas, caracterizados por uma forte intervenção do Estado na economia. O modelo, que prevaleceu na Europa ocidental, desde o fim da segunda guerra mundial, encerrou, assim, o período que ficou conhecido como “os trinta gloriosos”, pelo fato daquelas três décadas ficarem caracterizadas pelo forte crescimento econômico, pela redução da desigualdade e pela grande mobilidade social.
Os anos oitenta, do século passado, deram a partida
ao predomínio de um sistema econômico, cujo cerne era a substituição da ação do
Estado pelo livre mercado. Este reinado durou, praticamente inconteste, até o
fim da primeira década do século XXI, ou seja, até a crise financeira de 2008,
causada pela bolha imobiliária nos EUA. A forte injeção de dinheiro nas
economias centrais, feita pelos principais BCs para evitar uma crise sistêmica,
sem que houvesse a inflação vaticinada, pôs em xeque um dos pilares desse
sistema, que passou a ser questionado.
Assim, apesar do bom desempenho da economia mundial
desde os anos oitenta, os defeitos do modelo começaram a ficar mais evidentes.
Assim, a perda do poder dos sindicatos e a maciça transferência de empregos dos
países centrais para a Asia criaram cinturões de pobreza nas áreas industriais
dos países centrais.
O decorrente descontentamento de uma parcela
significativa da população, especialmente trabalhadores e classe média, teve
consequências, levando o pêndulo das tendências políticas mundiais, que estava
no centro esquerda durante a predominância dos governos social-democratas e, no
centro, durante os anos 80, para o centro direita. O Brexit, na Inglaterra e a
eleição do Trump nos Estados Unidos resultaram deste movimento e ajudaram a
impulsionar o surgimento de uma série de governos conservadores e populistas,
ao redor do mundo, empurrando o pêndulo para a extrema-direita.
O questionamento iniciado nos anos 90 ao modelo
econômico, ganhou força na primeira década do século XXI, e não se limitou ao
campo econômico, mas entrou no campo político. No fim da década passada e no
início da atual, diversos governos na Europa e nos EUA mudaram de mãos
sinalizando a volta do pêndulo para o centro-esquerda. A pandemia ressaltou a
importância do Estado, como agente econômico, ao mesmo tempo que mostrava as
limitações do mercado. A eleição do Biden nos EUA reforçou este movimento,
confirmado agora pelas eleições na Alemanha, com o Estado recuperando seu papel
histórico.
A mesma Alemanha foi, talvez, a primeira a dizer,
com todas as letras, que o Estado iria intervir, sempre que necessário para
defender e fortalecer sua indústria, indispensável para a manutenção do bem
estar de sua sociedade, para enfrentar o desafio de competir, em igualdade de
condições, com as grandes corporações mundiais apoiadas por seus respectivos
governos. Foi seguida, nesta direção, pelos EUA onde o Biden anunciou planos
trilionários para recuperar a capacidade produtiva e tecnológica do país.
Recentemente foi a França que anunciou um programa
de incentivos a diversos setores tecnológicos. A recente mudança do pêndulo da
extrema-direita para uma posição mais próxima do centro-esquerda resultou, não
somente do esgotamento do modelo econômico implantado, mas também da
necessidade, claramente evidenciada durante a pandemia, dos países terem um
certo grau de autossuficiência produtiva e tecnológica, para não depender
integralmente de importações de terceiros países que podem colocar restrições
às suas exportações num contexto de crise. Os problemas no abastecimento de
diversos materiais críticos, mostrou a vulnerabilidade de muitos países, em
função da produção globalizada.
Esta vulnerabilidade, demonstrada pela maioria dos
países ocidentais, e evidenciada pela dependência das importações da China e do
Sudeste da Ásia, acendeu um sinal de alarme nos países desenvolvidos. Boa parte
deles passou a colocar restrições à perda de controle acionário de suas
empresas com tecnologia avançada, anunciou programas de incentivo às suas
multinacionais que trouxessem de volta parte de sua produção alocada no
exterior, bem como passou a implementar diversas políticas públicas de apoio à
indústria de transformação, de seus próprios países, e ao desenvolvimento
tecnológico.
O sucesso da China, após o do Japão e da Coreia, em
desenvolver os respectivos países, privilegiando a industrialização está sendo
seguido recentemente, como já dissemos, pela Alemanha, EUA, e França e por boa
parte dos países desenvolvidos ou em desenvolvimento. Ficou claro que, sem uma
ação coordenada do Estado não é possível alavancar o desenvolvimento dos países
emergentes que adotaram o modelo e, assim, a mudança do pêndulo para o
centro-esquerda, reabilitou o papel do Estado na economia.
O Brasil foi um dos países onde a pandemia desnudou
nossas fragilidades. A falta de fármacos, vacinas, equipamentos e insumos
hospitalares, evidenciada pela corrida desordenada para importar máscaras,
EPIs, insumos para remédios, respiradores, vacinas e tantos outros itens e o
desabastecimento de diversos componentes, como semicondutores e circuitos
integrados, após a pandemia, deveria ter deixado claro que o país precisa de
políticas públicas de desenvolvimento, focadas na indústria, para recuperar o
espaço perdido e voltar a ter uma indústria complexa, sofisticada e
competitiva.
Na realidade, precisamos de um projeto de país,
focado no bem estar da sociedade brasileira. Desenvolvimento, criação de
empregos, redução de desigualdades, nivelamento do acesso às oportunidades,
saúde, educação e uma certa autossuficiência produtiva e tecnológica foram
todos temas relegados a um segundo plano, na vã esperança que o mercado
resolvesse estes problemas. Já passou da hora do Brasil mudar de rumos.
João Carlos Marchesan - administrador
de empresas, empresário e presidente do
Conselho de Administração da ABIMAQ.
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