A tragédia brasileira está em cartaz há décadas. O país patina no desenvolvimento e só vê aumentar as desigualdades sociais, com a população cada vez mais pobre e desassistida dos serviços públicos essenciais para lhe garantir uma vida digna: saúde, educação, saneamento básico, habitação e segurança. Problemas que voltarão a ser tema em 2022, ano eleitoral, com os candidatos repetindo as promessas de sempre, cada qual com suas propostas salvadoras.
A título de reflexão, podemos dividir em três atos
a tragédia que assola o Brasil. No primeiro ato temos a corrupção como
protagonista; no segundo, o custo do funcionalismo público e, no terceiro ato,
tomam a cena os gastos tributários da União. Eis os principais problemas e, por
mais paradoxal que possa parecer, também as soluções.
A recorrente justificativa dos gestores públicos de
que os recursos nunca são suficientes para o atendimento das demandas não pode
ser aceita como verdade absoluta. O enfrentamento das três questões mencionadas
poderia mudar esse quadro. A corrupção, por exemplo, consome de 1,38% a 2,3% do
Produto Interno Bruto (PIB) nacional, segundo estudos da Federação da Indústria
do Estado de São Paulo (Fiesp). Isso corresponde a um rombo de R$ 110 bilhões a
R$ 184 bilhões anuais nos cofres públicos, considerando-se a estimativa do PIB
2021, de R$ 8 trilhões. A gigantesca máquina do funcionalismo público
brasileiro consome anualmente 13,4% a 13,7% do PIB, bem mais que os 9,8% do PIB
que os países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico
(OCDE) gastam, em média, com esse item. Se este percentual fosse adotado como
limite no Brasil, haveriam mais R$ 288 bilhões a R$ 312 bilhões disponíveis.
Hoje, temos ainda de 3,62% a 3,84% do PIB (R$ 290 bilhões a R$ 307 bilhões)
comprometidos com os gastos tributários da União. O total do desperdício
corresponde de 8,6% até 10% do PIB, ou seja, de R$ 688 bilhões a R$ 803
bilhões. Não é pouco!
Imaginemos, agora, reduzir cerca esses
desperdícios. Pode parecer utopia, mas é possível, como já demonstraram os
países desenvolvidos. Esse esforço resultaria em resultados financeiros
suficientes para alavancar a mudança de patamar que o Brasil precisa alcançar.
Hoje, o SUS consome de R$ 120 a R$ 130 bilhões por
ano. Ampliar o sistema em 50% consumiria mais R$ 60 bilhões/ano, o que também
permitiria reforçar significativamente o Sistema Único de Saúde, sobretudo para
atender às áreas mais carentes do país.
Na educação, imaginemos se os 1,8 milhão de
professores do Ensino Fundamental e do Ensino Médio da rede pública tivessem a
remuneração majorada em 30%. O país teria professores mais estimulados e
preparados, com consequente salto no nível do sistema educacional. O mesmo se
aplica ao salário médio do professor da rede pública de Ensino Fundamental,
hoje em torno de R$ 3.000,00. Um programa de educação com orçamento reforçado
em R$ 44 bilhões/ano aumentaria esse salário para R$ 4.000,00 por mês e ainda
possibilitaria a implantação de escolas técnicas profissionalizantes nos moldes
das FATECs e ETECs, iniciativas bem-sucedidas no estado de São Paulo. E as
universidades públicas teriam aporte extra de recursos de, no mínimo, R$ 5
bilhões anuais.
Mais R$ 98 bilhões/ano viabilizariam um programa
habitacional com a construção de 700 mil casas por ano, ao custo unitário de R$
140 mil, moradias dignas, com energia elétrica garantida por placas
fotovoltaicas e destinadas às famílias mais carentes. Em nove anos o déficit
habitacional seria zerado. Imaginemos, ainda, uma ação social sem data para
acabar. Um programa com recursos de R$ 52 bilhões/ano seria suficiente para
atender a 10 milhões de famílias brasileiras mais carentes – uma população
entre 35 e 40 milhões de pessoas – com ajuda financeira de R$ 400,00 por mês e
uma parcela de 13.º salário. Seria, ademais, o fim da agonia de quem precisa e
não sabe se terá o benefício no ano seguinte.
A correta distribuição dos recursos públicos, a
partir da solução aqui discutida, permitiria, aliás, dobrar o orçamento da
Polícia Federal e aumentar a dotação das Forças Armadas. A destinação de mais
R$ 20 bilhões/ano para o programa de Segurança Pública significaria
investimento para melhorar a ocupação das imensas fronteiras internacionais
pelas forças de segurança e para aprimorar a fiscalização dos portos e
aeroportos. Tais medidas coibiriam, de forma mais efetiva, a entrada de drogas,
armas e munições em território nacional, combustíveis do tráfico, da
criminalidade e da violência que vitimam principalmente os mais jovens. Crimes
inibidos significam vidas poupadas e cadeias menos lotadas.
Ao custo de mais R$ 20 bilhões a R$ 50 bilhões/ano
é possível mudar a realidade nacional, com priorização das Regiões Norte e
Nordeste e periferias das grandes cidades.
Com a disponibilização de mais R$ 10 bilhões anuais
para saneamento seria possível ampliar o esgotamento sanitário (coleta e
tratamento) e o fornecimento de água tratada, com reflexos positivos na saúde
da população e redução da mortalidade infantil.
Necessário também falar em geração de empregos e
ocupação econômica. A maior obra social é o emprego, não apenas porque garante
renda, mas também porque assegura dignidade ao ser humano. Mais de 10 milhões
de empregos seriam gerados com a construção de milhares de unidades
habitacionais, obras de infraestrutura, construção de escolas técnicas,
ampliação do SUS. Tudo com impacto positivo na economia, dada a elevação do
consumo, aumento da demanda e elevação da produção industrial, em um círculo
virtuoso.
Se houver planejamento e forem reduzidos um terço
dos prejuízos com a corrupção, um terço dos excessos da máquina pública e
metade das renúncias fiscais concedidas de maneira ilegítima, o Brasil terá o
reforço de R$ 309 bilhões no Orçamento anual, tornando possível todos os
investimentos citados. Se o corte for um pouco maior, viabilizará também
grandes – e necessárias – obras de infraestrutura, como rodovias, ferrovias,
portos e aeroportos, mormente nas Regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste,
marcando o início da correção das atrofias demográficas e das desigualdades
regionais.
Seria ou não suficiente para o país retomar o
caminho do desenvolvimento e se tornar muito melhor para os brasileiros? É o
desejo de todos, porém exige coragem. Caso esses problemas não forem atacados,
não teremos uma solução efetiva. Os discursos poderão ser eloquentes, mas as
medidas que ignorarem essa realidade serão cosméticas, contribuindo para a
degradação moral, manutenção de privilégios e perpetuação das injustiças
sociais.
Samuel Hanan - engenheiro com especialização nas áreas de macroeconomia, administração de empresas e finanças, empresário, e foi vice-governador do Amazonas (1999-2002).
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