Pesquisa publicada na Science aponta que recuperação de áreas pode ser rápida, contribuindo para mitigar os efeitos das mudanças climáticas e conservar a biodiversidade (área de Mata Atlântica em regeneração em antigo plantio de eucalipto; foto: Paulo Molin)
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De forma inédita e com base em um dos
maiores bancos de dados disponíveis sobre florestas tropicais no mundo,
estudo publicado hoje
(10/12) na revista Science mostra
que a regeneração florestal recupera cerca de 80% do estoque de carbono, da
fertilidade do solo e da diversidade de árvores em até 20 anos.
A pesquisa
concluiu que a regeneração natural é uma solução de baixo custo para mitigar os
efeitos das mudanças climáticas e contribuir com a conservação da
biodiversidade. Esses resultados decorrem de um processo de regeneração em
áreas degradadas e não apenas da passagem do tempo nesses locais.
"É possível recuperar florestas
tropicais por meio de processos naturais em tempo condizente com expectativas
humanas. Porém, mesmo assim, é muito mais rápido destruir do que recuperar. Os
resultados devem ser vistos com otimismo, mas também com
responsabilidade", diz à Agência FAPESP Pedro Brancalion,
professor do Departamento de Ciências Florestais da Escola Superior de
Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo (Esalq-USP).
Brancalion e o pesquisador Frans
Bongers, da Wageningen University (Países Baixos), estão entre os autores do
artigo e também coordenam o projeto "Compreendendo florestas restauradas
para o benefício das pessoas e da natureza - NewFor",
que tem o apoio da FAPESP no âmbito do Programa
BIOTA.
"Outro ponto interessante do
trabalho foi definir uma espécie de 'ordem cronológica' da recuperação das
diversas funções das florestas tropicais, oferecendo subsídios para contribuir
com projetos de restauração e de desenvolvimento sustentável previstos para a
próxima década", completa Brancalion, que também coordena o Laboratório de Silvicultura
Tropical na Esalq-USP e é vice-coordenador do Pacto pela Restauração da Mata Atlântica.
Em junho
deste ano, a Organização das Nações Unidas (ONU) lançou a Década da Restauração
dos Ecossistemas (2021-2030) com o objetivo de inspirar e apoiar governos,
empresas, organizações e sociedade civil para desenvolver iniciativas que
revertam a degradação e protejam o meio ambiente.
Além
disso, no mês passado, ao final da COP-26, a Conferência do Clima da ONU, os
quase 200 países presentes assinaram um acordo para tentar garantir o cumprimento
da meta de limitar o aquecimento global a 1,5° C. Estabeleceram a necessidade
de neutralizar as emissões de CO2 até 2050, com compensação por reflorestamento
e tecnologias de captura de carbono da atmosfera, mercado que também foi
regulamentado.
"Saber
em qual velocidade as florestas se recuperam é importante, por exemplo, para
avaliar a viabilidade de investimentos em projetos de sequestro de carbono por
meio da recuperação de áreas devastadas. É preciso entender a dinâmica de
recuperação de cada função da floresta para que se possa balizar melhor as
metas, tomar decisões mais corretas e, dependendo da situação, entender e
monitorar quando uma floresta está em trajetória de recuperação aquém do
esperado ou necessário para atingir certo objetivo", explica o professor.
O artigo publicado na Science é resultado do trabalho de uma equipe
internacional, a 2ndFOR, que envolve mais de cem
pesquisadores de 18 países, incluindo o Brasil. A 2ndFOR é coordenada pelos
professores Lourens Poorter, autor correspondente do artigo, Bongers, Masha van
der Sande, todos da Wageningen University, e Catarina Jakovac, da Universidade
Federal de Santa Catarina (UFSC).
O grupo
analisou 12 atributos florestais de 77 locais, incluindo mais de 2.200 parcelas
de florestas da América Central e do Sul, entre elas a Amazônia, e da África
Ocidental. São apresentados quatro grupos de características da floresta
relacionadas ao solo (densidade aparente, carbono e nitrogênio); ao
funcionamento do ecossistema (espécies de árvore fixadoras de nitrogênio,
densidade da madeira e área foliar específica); à estrutura da mata (biomassa
acima do solo, diâmetro máximo das árvores e heterogeneidade estrutural) e à
diversidade e composição de espécies.
Os
cientistas concluíram que as florestas tropicais e seus solos são altamente
resilientes, pois todos os atributos se recuperam em até 120 anos (ou 12
décadas) quando comparados com florestas conservadas.
Em geral,
a recuperação mais rápida é a do solo (fertilidade), em menos de dez anos, e a
do funcionamento do ecossistema, menos de 25 anos. Em seguida, em tempo
intermediário, vem a recuperação da estrutura e diversidade da floresta, que
ocorre entre 25 e 60 anos, enquanto as mais lentas são a retomada da biomassa
acima do solo e da composição de espécies, que demoram mais de 120 anos.
"Um
ponto importante é que a floresta tropical consegue recuperar o número de
espécies de árvores, mas nem sempre a mesma composição [conjunto de espécies].
Nem todas as espécies presentes em matas conservadas recolonizam florestas
regeneradas, algumas são mais sensíveis e podem desaparecer", alerta
Brancalion.
Desmatamento
Para o
professor Poorter, além de ser essencial impedir o avanço do desmatamento, é
preciso olhar para o potencial de recuperação das florestas secundárias (que
crescem em áreas já devastadas) para atingir as metas de restauração de
ecossistemas. "Elas fornecem benefícios globais para a mitigação e a adaptação
às mudanças climáticas e para a conservação da biodiversidade, além de muitos
outros serviços para a população local, como água, energia, madeira e produtos
florestais não madeireiros”, disse o pesquisador, em entrevista para divulgar o
trabalho.
Relatório publicado no início do ano
pelo Global Forest Watch (com dados da Universidade de
Maryland) revelou que os trópicos perderam 12,2 milhões de hectares de
vegetação em 2020, sendo o Brasil o primeiro colocado. Desse total, 4,2 milhões
de hectares (área equivalente à dos Países Baixos) foram em florestas
primárias tropicais úmidas, importantes para o armazenamento de carbono e para
a biodiversidade.
O
documento apontou ainda que as emissões de CO2 resultantes da perda de
florestas primárias equivalem às emissões anuais de 570 milhões de automóveis.
Atualmente,
mais da metade das florestas tropicais do mundo não são antigas, das quais uma
grande parte é secundária – na América Latina tropical, elas cobrem até 28% da
área terrestre.
Em novembro, o mesmo grupo de
pesquisadores já havia publicado na PNAS outro
artigo, Functional recovery of secondary
tropical forests, mostrando a recuperação funcional
(características que determinam como as plantas se comportam, incluindo
espessura da folha e densidade da madeira) das florestas tropicais secundárias.
O trabalho
apontou que florestas secas e úmidas diferem em sua composição funcional em
estágios iniciais de sucessão (como é chamado o processo de regeneração) e
seguem caminhos diferentes ao longo do tempo. À medida que envelhecem, contudo,
tornam-se mais semelhantes em relação às características funcionais.
O artigo Multidimensional tropical forest recovery pode ser
lido em science.org/doi/10.1126/science.abh3629.
Luciana
Constantino
Agência
FAPESP
https://agencia.fapesp.br/floresta-tropical-recupera-80-do-estoque-de-carbono-e-da-fertilidade-do-solo-apos-20-anos-da-regeneracao/37531/
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