Dois surtos de transmissão da variante alfa do novo coronavírus mostram que mesmo vacinados ainda podem transmitir o vírus e desenvolver COVID-19, mas que a vacinação previne casos graves. A conclusão é baseada no sequenciamento genético das cepas que contaminaram moradores e funcionários de duas casas de repouso de Campinas, no interior paulista. Os infectados, com média de idade acima de 70 anos, tomaram uma dose da vacina da AstraZeneca ou as duas da CoronaVac. Foi registrado um único óbito, de uma pessoa de 84 anos com Alzheimer.
O estudo, apoiado pela FAPESP, foi publicado na
plataforma Preprints with The Lancet, ainda
sem revisão por pares. “Os resultados mostram que pessoas que foram vacinadas
podem se infectar com a variante alfa e, independentemente de ter a doença ou
não, transmitir o vírus a quem ainda não foi vacinado. Isso é preocupante
porque pode gerar um gargalo de seleção para linhagens que podem voltar a
causar a doença mesmo em pessoas vacinadas. E mostra a importância de manter
medidas de distanciamento social e o uso de máscara”, conta José Luiz Proença Módena,
professor do Instituto de Biologia da Universidade Estadual de Campinas
(IB-Unicamp), que coordenou o estudo.
Em um trabalho anterior,
o grupo havia mostrado que o soro do sangue de pacientes vacinados com a
CoronaVac criava menos anticorpos para a variante gama (P.1) do que para a
linhagem original do vírus, indicando, portanto, que os vacinados poderiam
potencialmente se infectar (leia mais em: https://agencia.fapesp.br/35311/).
Estudo publicado em
abril por pesquisadores da Universidade de Oxford mostra que a variante alfa
pode infectar mesmo imunizados com as vacinas da Pfizer e da AstraZeneca.
“Nosso trabalho é um dos primeiros
relatos de uma dinâmica de transmissão de uma variante de preocupação do
SARS-CoV-2 em pessoas vacinadas. Ao mesmo tempo, com uma taxa de agravamento da
doença muito baixa, muito menor do que esperaríamos de uma população com uma
média tão alta de idade. Portanto, mostra um efeito protetor da vacinação para o
desenvolvimento de COVID-19”, explica Módena.
O estudo ressalta, no entanto, uma
dinâmica de transmissão sustentada do vírus. Os surtos foram contidos por conta
de um diagnóstico rápido e o isolamento imediato dos infectados pelo
Departamento de Vigilância em Saúde da Secretaria Municipal de Saúde de
Campinas. Com isso, pouco mais da metade das populações estudadas
foi infectada.
Os pesquisadores mediram a carga
viral em vacinados infectados nos dois locais, mas não houve diferenças
significativas entre as duas vacinas. Além disso, avaliaram a quantidade de
anticorpos neutralizantes para a variante alfa nos que testaram positivo.
“Não encontramos correlação do quadro
da doença com o título [quantidade] de anticorpos neutralizantes. Quem teve
sintomas tinha mais anticorpos do que os assintomáticos, provavelmente uma
resposta à infecção e não às vacinas. Isso quer dizer que a proteção não
depende necessariamente apenas de anticorpos, mas de outros componentes da
resposta imune induzida pela vacinação”, explica o pesquisador.
Casos
leves e assintomáticos
A variante alfa, anteriormente
chamada de B.1.1.7, foi detectada pela primeira vez no Reino Unido em setembro
de 2020 e foi responsável pela segunda onda da pandemia naquele país e em
outros da Europa. No Brasil, foi reportada pela primeira vez em dezembro de
2020 e sua presença comprovada em mais de dez Estados.
No estudo atual, foram sequenciados genomas do novo coronavírus de
moradores e trabalhadores de dois lares de idosos de Campinas. O sequenciamento
teve apoio do Centro Brasil-Reino Unido para Descoberta, Diagnóstico, Genômica
e Epidemiologia de Arbovírus (CADDE), que é apoiado pela FAPESP.
Em um dos surtos, em um convento de
freiras aposentadas, 15 das 18 residentes e sete dos oito
funcionários foram vacinados com uma dose da vacina ChAdOx1, desenvolvida
pela farmacêutica AstraZeneca em parceria com a Universidade de Oxford. A média
de idade era de 73 anos. Foram 16 casos registrados, metade deles classificados
como leves e a outra metade como assintomáticos. Não houve casos moderados ou
severos e nenhum exigiu hospitalização.
No outro local, uma casa de repouso
para homens e mulheres, 32 dos 36 residentes e dez dos 16 funcionários tomaram as
duas doses da CoronaVac, do laboratório SinoVac em parceria com o Instituto
Butantan. Em 18 dos 22 casos (75%) o quadro foi assintomático e, nos outros
quatro, leve. A média de idade dos pacientes era 77 anos.
No mesmo asilo, dias antes das
coletas para o estudo, um residente de 84 anos com Alzheimer apresentou
sintomas de COVID-19, depois confirmada, 21 dias depois de tomar a segunda dose
da vacina. Ele morreu após cerca de 20 dias internado.
Os autores ressaltam que o resultado
aponta, sim, uma proteção das vacinas para quadros graves de COVID-19, mas que
é preciso vacinar a maior parte da população o mais rápido possível. Outra
mensagem é que pessoas vacinadas devem continuar adotando medidas não
farmacológicas, como uso de máscara e distanciamento social.
O artigo Clusters of SARS-CoV-2 lineage B.1.1.7
infection after vaccination with adenovirus-vectored and inactivated vaccines:
a cohort study pode ser lido em: https://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=3883263.
André Julião
Agência FAPESP
https://agencia.fapesp.br/vacinados-podem-se-infectar-e-transmitir-variante-alfa-do-novo-coronavirus/36415/
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