Os benefícios em geral ganharam novas regras de cálculo com a reforma da previdência. Isso quase todo mundo já sabe. O que geralmente as pessoas ignoram é que a aposentadoria pelas novas regras pode ser mais alta do que as concedidas com as regras anteriores a 13 de novembro de 2019.
A
reforma da previdência trouxe a possibilidade de descartar os menores salários
de contribuição da base de cálculo da aposentadoria. É aí que pode estar o
segredo das melhores aposentadorias.
Para
entender se a regra se aplica ao seu caso e favorece sua aposentadoria é
preciso saber o que o descarte de salários representa na vida previdenciária e
fazer contas com quem entende desse assunto.
A
possibilidade consta da Emenda Constitucional 103/2019: “Poderão ser
excluídas da média as contribuições que resultem em redução do valor do
benefício, desde que mantido o tempo mínimo de contribuição exigido.” (art. 26,
§6º)
Regra
de descarte não é a regra de exclusão dos 20% menores salários
Há
quem confunda a regra de descarte criada pela reforma com a regra que existia
antes, de exclusão dos 20% menores salários de contribuição. Elas são muito
diferentes.
Na
regra de descarte é permitida a exclusão de salários de contribuição que
abaixam a média do segurado, mas não é uma exclusão automática. O segurado deve
fazer cálculos para achar o melhor resultado porque a retirada dos salários
mais baixos irá excluir também o tempo de contribuição correspondente.
Então,
se você pensa em usar a regra de descarte, a primeira coisa a saber é se possui
mais tempo de contribuição que o mínimo necessário para a regra de
aposentadoria que vai acessar.
Funciona
assim: se na regra de aposentadoria que você pretende pedir são exigidos 35
anos de contribuição e você possui 36 anos de contribuição, é possível excluir
12 meses de contribuição cujos salários tenham sido mais baixos. Dessa maneira,
a sua média de contribuição será feita com os salários dos 35 anos restantes.
O
descarte deve ser feito mediante cálculos muito precisos pois ao mexer no tempo
de contribuição o coeficiente que aumenta o valor da aposentadoria a cada ano
excedente também diminui.
Parece
difícil? Os exemplos são bons para esclarecer.
Pense
em uma mulher, com 62 anos de idade, 29 anos de contribuição, pretendendo pedir
sua aposentadoria pelas novas regras.
O
cálculo dessa aposentadoria será feito em duas fases. Na primeira, encontra-se
a média de todos os salários de contribuição desde julho de 1994. Essa média é
o chamado salário de benefício. Considerando que esta mulher tem
14 anos de contribuição a mais que o tempo mínimo de 15 anos necessários para
sua aposentadoria, para cada ano de contribuição excedente ela acrescenta 2%
aos 60% obtidos no tempo mínimo. Então, o coeficiente dessa mulher será de 88%
e é esse percentual que receberá do salário de benefício.
Veja,
se por um lado ela pode excluir o correspondente a 14 anos de contribuição para
aumentar o valor de sua média, por outro, ao excluir os salários menores, ela
diminui também o coeficiente de 2% acrescentado a cada ano excedente.
Deu
pra perceber que o descarte precisa ser feito a partir de diferentes simulações
para se chegar ao melhor valor final? É possível, por exemplo, que se aumente a
média, de maneira que mesmo com um coeficiente menor, se alcance uma
aposentadoria maior.
A regra de exclusão dos 20% menores salários
Eu
iniciei esse artigo lembrando que é comum a confusão entre a regra do descarte
e a de exclusão dos 20% dos menores salários. Esclarecida a regra do descarte,
vou explicar como funciona essa última.
Na
legislação anterior o cálculo do salário de benefício era feito com a média dos
80% maiores salários de contribuição desde julho de 1994 até a data do pedido
de aposentadoria. Excluía-se os 20% menores salários de contribuição para
encontrar a média. Os períodos de contribuição não eram descartados junto com
os salários de contribuição. A exclusão era feita somente para fins de cálculo
do valor da aposentadoria, mas não para cálculo de tempo de contribuição.
Vale
lembrar que todos que tenham cumprido os requisitos para se aposentar até dia
12 de novembro de 2019 têm direito adquirido, e nesse caso importa avaliar qual
regra traz melhor benefício.
O
Milagre da Contribuição Única
Foi
por conta da regra de descarte prevista na EC 103/2019 que surgiu o Milagre da
Contribuição Única, como forma de melhorar em quase quatro vezes a
aposentadoria de muita gente que receberia um salário mínimo. É possível
alcançar esse resultado com uma única contribuição feita sobre o valor do teto
da previdência.
Nas
regras de transição de aposentadoria por idade, mulheres se aposentam em 2021
com 61 anos de idade, 15 anos de contribuição e 180 meses de carência. Já os
homens se aposentam com 65 anos de idade, 15 anos de contribuição e 180 meses
de carência (e 20 anos de contribuição, caso filiados ao INSS a partir de 13 de
novembro de 2019).
Para
o cálculo de aposentadoria somente os salários de contribuição referentes a
julho de 1994 até o dia do pedido de aposentadoria são considerados, mas as
contribuições anteriores a essa data contam para atender o tempo de
contribuição necessário.
Dessa
maneira, imagine uma mulher que tendo nascido em 1960, hoje tenha 61 anos, e
tenha trabalhado e contribuído com o INSS de junho de 1978 a junho de 1994, e
depois desta data, casou-se, teve filhos e ficou um longo período sem qualquer
contribuição ao INSS. Em 2019 e 2020 ela resolveu voltar a fazer contribuições,
mas como não tinha nenhuma renda, fez contribuições como segurada facultativa
sobre um salário mínimo.
Considerando
que ela cumpriu a carência mínima, tem 18 anos de contribuição, e já possui a
idade necessária para se aposentar, o valor da sua aposentadoria pode ser de um
salário mínimo ou R$ 3.860,00.
O
cálculo de sua aposentadoria será feito com base nas contribuições referentes
aos anos de 2019 e de 2020 (24 meses de contribuição). Aquelas contribuições
feitas antes de julho de 1994 não são incluídas no cálculo do valor da
aposentadoria, isso você já sabe. Caso a nossa segurada vá ao INSS e peça a sua
aposentadoria, o INSS concederá a ela uma aposentadoria no valor de um salário
mínimo.
Se
antes de pedir sua aposentadoria essa mesma segurada fizer uma única
contribuição ao INSS de R$ 1.286,71
como facultativa pelo teto, hoje R$ 6.433,56, terá uma aposentadoria
correspondente a 60% do valor do teto, que é R$ 3.860,00.
Caso
não fosse possível o descarte das contribuições, mesmo com a contribuição sobre
o teto, o valor da aposentadoria seria de um salário mínimo. É que a média
entre 24 contribuições de um salário mínimo e uma contribuição sobre o teto
seria R$ 1.313,35, e, sobre a média seria aplicado o coeficiente de 66% (18
anos de contribuição) resultando em valor inferior ao salário mínimo. Como
nenhuma aposentadoria pode ser inferior ao salário mínimo, ela receberia o
salário mínimo.
É
fácil perceber o quanto pode ser benéfica a regra de descarte da nova legislação
com o exemplo do “milagre da contribuição única”. Mas é preciso ficar atento,
pois o governo federal prometeu editar medida provisória para impedir a
utilização da regra de descarte dessa maneira. Fora isso, não é recomendável
tentar usar a regra de descarte sem cálculos precisos, feitos por especialistas
em Direito Previdenciário.
Canal do Direito Trabalhista e
Previdenciário
Priscila Arraes Reino - advogada
especialista em direito previdenciário e direito trabalhista. Palestrante e
sócia do escritório Arraes e Centeno Advocacia.
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