Os pesquisadores do OLB apontam que das quase
1700 proposições com foco em trabalho, entre 2019 e 2021, apenas 21 foram
efetivamente transformadas em norma jurídica
Questões
relativas a “Trabalho e emprego” são objeto frequente de proposições
legislativas desde a redemocratização. De 1988 para cá, reformas trabalhistas
estruturais foram aprovadas pelo legislativo federal: uma no primeiro governo
de Fernando Henrique Cardoso e outra, bastante profunda no governo Temer,
dedicada a reduzir o custo do trabalho e das demissões, a flexibilizar a
alocação de mão de obra e a dificultar a existência de instituições de defesa
do(a) trabalhador(a). Esses dois casos, cognominados “reformas”, foram objeto
de debate público e atraíram alguma atenção da imprensa, a despeito da
cobertura altamente enviesada em prol dos empregadores. No entanto, isso não se
dá no caso de alterações legislativas de menor porte, mesmo quando seu efeito
não é desprezível. Desde o ano 2000, houve um aumento expressivo no volume
anual de proposições apresentados pelo Executivo e, principalmente, pelo
Legislativo.
Nos
últimos 21 anos, uma média de 230/240 propostas relativas a “Trabalho e
Emprego” foi apresentada em cada uma das 21 sessões legislativas(vide o boletim
de 2020 do OLB sobre o assunto), em movimento não necessariamente
correlacionado com a variação, para cima ou para baixo, das taxas de
desemprego. Ou seja, a despeito da conjuntura econômica, deputados e deputadas
legislam ou buscam legislar frequentemente sobre o assunto. E o fazem,
inclusive, no que toca à iniciativa de apresentação de projetos de lei,
independentemente de seus partidos estarem na oposição ou na base de apoio ao
governo (esses dados também podem ser encontrados no boletim do OLB acima
citado). Partidos de esquerda e de direita, governistas ou oposicionistas,
assinam proposições sobre o tema, ainda que, no mérito, possam buscar mudanças
em direções completamente opostas. “Trabalho e Emprego”, portanto, é tema de
interesse transversal, do ponto de vista partidário, embora o PT, por seu
histórico e trajetória, tenha ocupado consistentemente posição de destaque.
No
governo de Bolsonaro, o cenário não é distinto. O presidente sinaliza, desde o
início de seu mandato, sua preferência por mudanças pró-mercado na seara
trabalhista. Os(as) deputados(as) eleitos(as) para a legislatura 2019-2022
também demonstraram a relevância do tema para as suas agendas. Em 2019, cerca
de 540 proposições sobre o tema foram apresentadas na Câmara – um salto
significativo com relação ao número de proposições apresentadas nos primeiros
anos de novas legislaturas desde 1989. Até então, o maior número de proposições
apresentadas ocorreu no primeiro ano do segundo mandato de Dilma Rousseff
(390).
Com
o advento da pandemia de Covid-19 em 2020, nossa hipótese é de que a câmara
baixa tenha conferido atenção ainda maior ao assunto trabalhista. Isso porque
os efeitos da crise sanitária somaram-se às transformações estruturais que já
vinham sendo experimentadas no mundo do trabalho, acionando os partidos (alguns
muito mais do que outros) na direção do aumento de medidas de regulação de
novas formas de trabalho e/ou proteção do trabalhador. Com o objetivo geral de
verificar a validade dessa hipótese, o Observatório do Legislativo Brasileiro
(OLB) analisou todas as proposições que tramitaram na Câmara sobre o tema em
2019, 2020 e início de 2021, considerada a indexação temática da própria
Câmara. Com isso, buscamos estender o trabalho feito anteriormente, que tratava
somente das proposições apresentadas no ano de 2019 e início de 2020,
desconsiderando matérias que tramitaram no período, mas que foram iniciadas em
legislaturas anteriores.
Nossos
objetivos específicos são: a) avaliar o ímpeto legislativo para o assunto nos
últimos 2 anos, especialmente em 2020; b) avaliar o comportamento dos partidos
no tema “Trabalho e Emprego”, considerados sua iniciativa e seu comportamento
quando das votações em plenário; e c) identificar a legislação aprovada no
período. Os resultados estão descritos a seguir.
Volume
e distribuição: impacto da pandemia
De
janeiro de 2019 a 22 de abril de 2021, 3.601 proposições sobre o tema “Trabalho
e Emprego” tramitaram na Câmara dos Deputados, considerados os seguintes tipos:
PL, PLP, PEC e MPV. Os anos de 2019 e 2021 foram os de maior movimentação,
embora, no primeiro, como era de se esperar, tenha havido tramitação expressiva
de matérias propostas em legislaturas anteriores.
Divulgação OLB |
Do
total de matérias tramitadas entre 2019 e 2021, 1.697 foram efetivamente iniciadas
nesse período, das quais 56% em 2020, em comparação a apenas 32% em 2019, o que
pode sinalizar resposta dos parlamentares aos efeitos da pandemia de Covid-19.
Os dados de 2020 e 2021 confirmam, portanto, a tendência observada em boletim
anterior: a legislatura atual tem ímpeto legislativo maior sobre o assunto se
comparada às legislaturas anteriores.
Obs.: Os dados acima incluem proposições
movimentadas na Câmara, de iniciativa dos senadores e dos deputados. Ainda
assim, a comparação com o boletim anterior é válida, dado que o Senado tem a autoria
de pequena parte das proposições sobre o tema.
Das
mais de 3,5 mil matérias que tramitaram, ressalta-se que 94,3% são de autoria
de Deputados, 3,2% de Senadores, 1,6% do Poder Executivo e 0,9% de outros
órgãos/comissões. Fica assim preservado o padrão que marcou a trajetória da
Nova República de predominância do Legislativo nas proposições sobre o assunto,
em que pese a dominância do Executivo nas matérias aprovadas.
Do
ponto de vista da iniciativa dos partidos no tema, os dados para o período
indicam que o “Trabalho e Emprego” mantém-se, igualmente, como objeto de
interesse de partidos tanto à esquerda quanto à direita do campo político da
Câmara. O PT, contudo, permanece na liderança. O partido é autor de 674
proposições que tiveram alguma movimentação entre 2019 e 2021, seguido de longe
pelo Solidariedade, que é autor de 499 das 3.601 proposições movimentadas.
Divulgação OLB |
Comportamento
partidário no tema
O
comportamento partidário nas votações sobre o tema em plenário não difere
significativamente do observado em outras matérias. É alta a adesão de
praticamente todos os partidos à orientação de voto dada pelo líder do governo
na Câmara. As exceções são as cinco legendas que compõem o bloco mais
oposicionista da casa: PSOL, PCdoB, PT, PSB e PDT. Os três primeiros, vale
dizer, com perfil oposicionista em número significativamente maior de votações,
conforme demonstrado no gráfico abaixo. O gráfico distribui votos de todos os
partidos da Câmara com 10 ou mais parlamentares, de acordo com o seu grau de
apoio ao governo (mais detalhes ao fim do texto, na nota metodológica).
Divulgação OLB |
Objetos
de legislação: o que é da pandemia e o que fica?
Apesar
do alto número de proposições movimentadas entre 2019 e 2021, apenas 21 foram
efetivamente transformadas em norma jurídica, das quais 12 são de autoria do
Executivo. Ou seja, enquanto o Executivo iniciou apenas 1,6% das proposições
que tramitaram desde 2019, ele responde por 57% das matérias aprovadas,
demonstrando claro domínio sobre a agenda legislativa. Deputados e senadores,
que são numericamente os grandes proponentes do tema, obtiveram uma taxa geral
de aprovação bem inferior, de 29% e 14%, respectivamente.
Das
21 matérias transformadas em norma jurídica, nada menos do que 16 o foram
depois do início do estado de calamidade e 5 antes. Além disso, 12 têm por
objeto temas diretamente relativos à pandemia, enquanto 9 não tratam
diretamente dela. Do total de matérias, 5 referem-se de algum modo a categorias
especiais de profissionais, com particular destaque para o PL 1826/2020, que
estabelece diretrizes de proteção aos trabalhadores da saúde.
Conclusão
Os
dados acima permitem-nos observações adicionais à pesquisa realizada em 2020.
Em
primeiro lugar, está confirmada a hipótese de que a legislatura atual demonstra
interesse maior no tema “Trabalho e emprego” em relação a legislaturas
anteriores, embora esse grau de interesse do legislativo permaneça não sendo
correspondente à sua capacidade de transformar as proposições em lei. Foram 21
matérias sobre o assunto transformadas em norma jurídica entre janeiro de 2019
e abril de 2021. O número é muito baixo se comparado ao total de propostas que
tramitaram. Por outro lado, isso também pode expressar o esforço da Câmara em
responder aos desafios impostos pela propagação do coronavírus. De 1989 a 2020,
somente 163 proposições do gênero foram transformadas em norma jurídica (vide
boletim anterior). Nesse cenário, o resultado alcançado pela atual legislatura
não é nada desprezível.
Em
segundo lugar, nas votações realizadas entre 2019 e 2021, é bastante expressivo
o apoio da maioria da Câmara à posição do governo, enquanto a esquerda
manteve-se na oposição. Assim, embora a Câmara tenha destinado maior atenção ao
tema, é plausível inferir que as soluções adotadas não foram consensuais.
Por
fim, vale dizer que apesar do protagonismo da esquerda na apresentação de
propostas, do ponto de vista da aprovação o Executivo permanece dominante.
Nesse sentido, a agenda referente ao trabalho e emprego na pandemia foi conduzida
pelo Ministério da Economia. Mudanças significativas podem ser realizadas em
proposições esparsas e que não são tratadas como uma reforma ampla do setor. No
caso, as medidas adotadas em 2020 podem ser um indicativo dos caminhos a serem
seguidos pelo governo na evolução dessa pauta no pós-pandemia.
Nota
metodológica
Para
avaliar o grau de apoio dos partidos ao governo nas votações sobre o trabalho e
emprego, calculamos o índice de governismo de cada sigla da seguinte maneira:
Divulgação OLB |
Onde
VPG é o total de votos do partido a favor do governo (ou seja, votos que
seguiram a orientação do líder do governo na Câmara dos Deputados); VPCG é o
total de votos do partido contra o governo; e VPA é o total de abstenções
de cada partido.
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