Opinião
Leio em algum lugar que o futuro depende de nós. Rio da pretensão da mensagem. Ou da sua ingenuidade. No século XVI, Maquiavel já lembrava o quanto a Fortuna tem de responsabilidade sobre nosso destino e que não há o que fazer em relação a isso. Agora multiplique o campo de ação do Acaso por muitas vezes muitas vezes e teremos o quadro atual. E, diante de nós, o imponderável amanhã. É fato que o próprio Maquiavel lembrava que temos algum controle sobre, pelo menos, 50% das nossas ações. E depois dizem que o pensador florentino não era otimista. Mas que vá. De cada duas coisas que pensamos poder fazer, uma delas é possível com nossos esforços. Lembrando que “possível" não é garantia de nada, somente traça uma linha de chegada na areia. Se não chover ou se as calotas polares não derreterem ou se a osteoporose não for muito agressiva, um dia poderemos ultrapassá-la. Mas há a outra metade das coisas que desejamos e que, bom, ficarão no campo das quimeras. Ou das frustrações inúteis.
De qualquer forma, se conseguirmos fazer apenas uma
coisa memorável na vida, já não terá valido a jornada? Esses dias falava com um
amigo músico sobre a fase exuberante de Belchior nos anos 70. E, juntos,
concordávamos: “mas depois disso, não fez mais nada que prestasse!”. E logo
emendamos: “e também o Zé Ramalho!”. "Ora, mesmo o Chico, o que tem feito
nesses últimos 20 anos?” - dissemos isso e sorrimos satisfeitos sabe-se lá com
o quê.
Ulisses lutou dez anos em Tróia, mais dez pra
voltar pra casa e encontrar sua Penélope. Do que ele teve mais orgulho de
fazer? No leito de morte, do que lembrava com mais carinho? Talvez de algo que
não sabemos, talvez de um gesto que não ficou registrado. Talvez de um sonho
não realizado ou de um “não" dito no lugar de um “sim”, ou vice versa.
Guardo muitas vergonhas de pequenos atos que pratiquei
e que tiveram grandes consequências. Sempre sonho com a chance de voltar no
tempo e alterar esses pequenos atos. Creio que, se somar no tempo, tenho uns
oito ou dez minutos de vida que não gostaria de ter vivido ou de ter vivido de
maneira diferente, do jeito que vejo hoje o mundo e creio que é o melhor jeito.
Mas no passado não pensei que teria esse futuro de arrependimento e vergonha.
Naquele presente, aquele eu que eu era, não pensava em perspectiva, não pesava
as consequências, pois possivelmente acreditava que o futuro não lhe pesaria.
As circunstância fazem o homem. Mudam as circunstâncias, ficam apenas as
memórias doces ou amargas. Essa é a vida, senhores!
Volto à reflexão inicial da minha leitura fortuita:
o futuro depende de nós. Mas como isso é possível, se esse “nós" é um
mutante cujo código genético nunca conseguimos decifrar a tempo? Se o agora é
fruto do acaso e dos hormônios, a história que narraremos em dez, vinte anos, o
que poderá dizer desse “nós” que conta ou sobre quem se conta? A História é
mestre da vida, lembrava Maquiavel. Não que ele acreditasse que o passado se
repetisse ou coisa que o valha. Maquiavel era inteligente, lembram? Sua
convicção se voltava para os atos fundadores das coisas novas. Sempre é
possível inaugurar um novo tempo na nossa vida, rompendo com a cadeia de
lembranças e amarguras. É isso que o passado nos ensina: como romper com ele e
deixar que o acaso e nossos esforços trilhem outros caminhos sem a necessidade
de carregarmos junto os sacos de ossos de nossos arrependimentos. Quanto ao
futuro, bom, quando ele se tornar um presente para nós, que saibamos usufruir
da dádiva de possuí-lo.
Daniel
Medeiros - doutor em Educação Histórica e professor no Curso Positivo.
danielmedeiros.articulista@gmail.com
@profdanielmedeiros
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