Práticas adotadas na maioria das escolas não ajudam a desenvolver valores autônomos, mas a seguir regras e obedecer comandos
“Iniciativas isoladas, sem finalidades morais
claras, ou voltadas mais ao controle disciplinar dos alunos do que à construção
de valores”. É assim que os autores de uma pesquisa sobre o ensino de valores
nas escolas, realizada em 2017 em mais de mil escolas brasileiras, definem as
práticas encontradas ao longo do levantamento. O estudo desenvolvido por Maria
Suzana de Stefano Menin, Maria Teresa Ceron Trevisol, Juliana Aparecida Matias
Zechi, e Patrícia Unger Raphael Bataglia mostra a dimensão da problemática
envolvida quando a intenção é ensinar valores humanos para crianças e
adolescentes.
Há décadas existe o debate sobre o papel da escola,
seus limites e campos de atuação na formação moral e ética das crianças. O
Supervisor Pedagógico do Sistema Aprende Brasil, Professor Pedro Lino, explica
que a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) reforça a necessidade de que as
escolas atuem com foco no desenvolvimento de competências socioemocionais. “A
Escola tem a missão de organizar seus projetos pedagógicos de forma que sejam
ofertadas experiências que contribuam para a formação de cidadãos, éticos, que
respeitem a diversidade e sejam moralmente emancipados”, destaca.
A busca por uma formação que ajude a desenvolver a
autonomia moral e intelectual dos estudantes é um dos grandes desafios do mundo
contemporâneo. Para Telma Vinha, coordenadora do Grupo de Estudos e Pesquisa em
Educação Moral da Universidade Estadual Paulista (Unesp) e da Universidade
Estadual de Campinas (Unicamp), é preciso compreender que, em certos casos, uma
dose de desobediência é inclusive desejável. “Quando se fala em desenvolvimento
moral fala-se em autonomia. Muitas vezes, a moral é confundida com conformidade
social, seguir regras, obedecer à autoridade. Mas há situações em que a
desobediência é necessária. A moral da autonomia é aquela em que os valores se
conservam independente do contexto. Se há conflito de valores, a moral da
autonomia faz com que o respeito seja mais forte. Ser honesto e verdadeiro,
nesses casos, é mais importante que obedecer à autoridade”, explica.
E esse não é o único problema. Além de misturar
valores com obediência, a maior parte das escolas não tem projetos
institucionais voltados a esses valores. As iniciativas se tornam, portanto,
isoladas e desconexas, de modo que um estudante que participou de uma delas em
determinado ano pode não dar prosseguimento a seu desenvolvimento no ano
seguinte. Essa falha contribui para que os jovens não tenham um contato
continuado com os temas que compõem essas competências. Lino ressalta que “a
formação de cidadãos críticos e que possam atuar e contribuir com a sociedade
nas demandas complexas da vida cotidiana é um dos grandes desafios da escola”.
Mariana Mandelli, coordenadora de Comunicação do
Instituto Palavra Aberta, afirma que, nesse sentido, a escola deveria funcionar
como um instrumento de democratização de experiências. “Temos uma das
sociedades mais desiguais do mundo. Nosso sistema público de ensino recebe
crianças de diferentes origens, vivências e trajetórias. Muitas têm famílias desestruturadas,
pais que não conseguem estar presentes porque trabalham muito, entre outros
problemas. A escola seria o espaço ideal para tentar equilibrar essas
diferenças. Entretanto, é muito difícil para a escola dar conta disso tudo, até
porque muitas vezes os professores não foram formados para isso”, diz.
Escola, espaço de conviver com o diferente
Para Mariana, é papel da escola apresentar o que é
diferente. “É a escola que precisa fazer com que o aluno saia da bolha familiar
e tenha contato com uma prévia do mundo. Em uma família branca de classe média,
por exemplo, dificilmente essa criança vai ter contato com pessoas de outras
raças, crenças e classes sociais. Hoje, no Brasil, o ensino de valores
foi colocado no centro de um debate sobre costumes, mas, apesar de muita
polêmica, a escola tem o papel de democratizar convivências e experiências”,
pontua.
Entretanto, ainda que as instituições e redes de
ensino atuem individualmente para promover os valores humanos, ainda assim faz
falta um esforço conjunto mais abrangente nessa direção. “Não há no Brasil
políticas públicas para uma convivência positiva e cidadã. É preciso entender
que discutir convivência na escola significa discutir a sociedade que nós
queremos. As habilidades socioemocionais não estão na contenção dos conflitos,
mas na vivência afetiva desses conflitos. Isso favorece o desenvolvimento das
habilidades emocionais e dos valores morais”, completa Telma.
Mariana Mandelli e Telma Vinha debatem os desafios
de formar cidadãos moralmente autônomos no 23º episódio do podcast
PodAprender, cujo tema é “Ensino de valores nas escolas”. O
programa pode ser ouvido no site do Sistema de Ensino Aprende Brasil (sistemaaprendebrasil.com.br), nas
plataformas Spotify, Deezer, Apple Podcasts, Google Podcasts e nos principais
agregadores de podcasts disponíveis no Brasil.
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