Esses filtros, integrados aos dispositivos móveis,
modificam a aparência compondo feições dignas de modelos de capa de revista.
Lábios aumentados e mais carnudos, maças do rosto saltadas e rosadas, olhos
grandes e mais claros, nariz afinado, sobrancelhas desenhadas e arqueadas,
cílios expressivos, peles claras ou bronzeadas, dentes brancos, afinamento de
maxilar e sardas fictícias são algumas das tantas modificações aplicadas - em
muitos casos de forma severa, através de cálculos matemáticos que promovem uma
simetria facial.
O exagero no uso dos filtros virtuais destaca o
desejo da perfeição, estabelecendo um senso de estética e padronizando perfis
que imitam as influenciadoras que estão mais em evidência. De uma certa forma,
percebemos a perseguição desenfreada, principalmente entre os jovens, por uma
imagem com filtro que renegue sua aparência dentro de uma falsa realidade
promovida por um engano estabelecido. Relatos apontam que algumas adolescentes
estão tão habituadas a estes recursos que só se apresentam nas redes, seja por
fotos, vídeos ou stories, utilizando filtros salvos incorporados ao seu perfil.
Com isso, por conta do uso indiscriminado das ferramentas, podemos perceber que
os perfis estão ficam muito parecidos visualmente. Uma aparência mecanizada
onde todos agora possuem um nariz afinado e a pele homogênea e perfeita.
Apesar do tímido movimento de defesa de uma
exposição sem pudores ou receios, das imperfeições corporais, os centros
de estética já incorporaram padrões exigidos pelas clientes que desejam a
“sobrancelha arqueada do instagram” e a “boca carnuda da influenciadora digital
famosa”. Cirurgiões plásticos perceberam o aumento dos procedimentos de
rinoplastia e bichectomia, além da explosão da queridinha do momento: a
harmonização facial, seguida pelos preenchimentos labiais que, conforme
relatos, ajudam a “sair melhor em selfies”.
E onde foram parar os nossos rostos reais? As
olheiras marcadas? As manchas na pele causadas pela acne acentuada? E as
imperfeições naturais provocadas pelos sinais da idade que os filtros insistem
em esconder?
Não tenham dúvidas quanto a afetação do bem-estar e
do psicológico do indivíduo que vive a partir de uma realidade virtual
distorcida, alimentando através da insatisfação com sua aparência, uma
tendência de baixa autoestima, possível depressão e desconstrução do real
-atendendo aos apelos de uma sociedade que cultua o belo e promove uma extrema
exposição através do vício danoso da manipulação da própria imagem.
A construção do virtual pelos algoritmos dos
padrões de beleza, sobrepondo-se a uma versão distorcida de nós mesmos, traz à
tona uma questão inerente ao ser humano que é a necessidade de pertencimento.
Neste caso, o desejo e a vontade em pertencer ao grupo dos belos e perfeitos,
dos rostos simétricos classificados por rótulos, em contraponto a busca de
expressão de sua própria individualidade que, na maior parte das vezes,
justifica-se por um sentimento de insuficiência e competição.
Podemos afirmar, portanto que existe aí uma real
necessidade de afirmação da imagem que queremos que o outro tenha de nós. E,
lógico, na contra mão, o corajoso é aquele que se expõe de cara lavada, sem
qualquer alteração tecnológica do seu perfil.
O exagero nesta utilização dos filtros
embelezadores pode alimentar o sentimento narcísico do ser humano e aumentar,
assim, sua necessidade de espelhamento, pois estimula o desejo de que o outro o
perceba sempre belo e perfeito, expondo, de forma excessiva, suas emoções e
promovendo distorções depressivas através de crises de ansiedade e de uma
possível sensação de opressão, uma vez que não se consegue ser feliz sendo ele
mesmo, da forma como se é.
Nosso sinal de alerta deve ser disparado quando
essas ferramentas tecnológicas atiçam a psique a ponto de tornarem-se
indispensáveis, atropelando a realidade e sendo usados de forma exclusiva,
extrapolando desejos e satisfações. Importante estarmos atentos a estes efeitos
psicológicos da vida digital que superestimam a nossa imagem e podem
desencadear o que chamamos de síndrome da decepção continuada - é quando não
mais me reconheço como sou, minha imagem real não agrada e só consigo aceitar a
imagem distorcida e perfeita aprovada pela sociedade.
Portanto, a busca e predileção por imagens e perfis
mais positivos - e esteticamente mais atraentes - refletem uma falsa realidade
e a mais pura rejeição da imagem real e segura em prol de uma imagem desejável
e aceitável por todos. Perceba que, quando isso acontece, também está sendo
rejeitado o amor próprio e evidenciado os mais variados complexos, camuflados
por uma necessidade de reconhecimento.
Enfim, é importante indagar-se onde está seu amor
próprio. Porque não se aceita como é? Esconder-se através de filtros, seguindo
uma tendência narcísica e exibicionista, demonstra uma urgente necessidade de
ajuste do seu humor, com risco de desequilíbrio de sua saúde mental, onde a
falsa realidade, de forma inconsciente, força a divulgação para o outro apenas
do que é belo, sem as imperfeições naturais que o caracterizam e o
individualizam como ser humano. Elimina sua individualidade através das redes
sociais. Sendo assim, se faz necessário refletir sobre seu comportamento e
postura nas mídias. Fuja da imposição neurótica de uma vida de aparências, pois
o ser humano não morre quando o coração para de bater, ele morre quando deixa
de se sentir e se perceber de verdade.
Dra. Andréa Ladislau - * Doutora em Psicanálise *
Membro da Academia Fluminense de Letras - cadeira de numero 15 de Ciências
Sociais * Administradora Hospitalar e Gestão em Saúde * Pós Graduada em
Psicopedagogia e Inclusão Social * Professora na Graduação em Psicanálise *
Embaixadora e Diplomata In The World Academy of Human Sciences US Ambassador In
Niterói * Membro do Conselho de Comissão de Ética e Acompanhamento Profissional
do Instituto Miesperanza * Professora Associada no Instituto Universitário de
Pesquisa em Psicanálise da Universidade Católica de Sanctae Mariae do Congo. *
Professora Associada do Departamento de Psicanálise du Saint Peter and Saint
Paul Lutheran Institute au Canada.
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