Equiparado
a uma grande nuvem de gafanhotos, os esquemas de pirâmides financeiras e Ponzi
não param de crescer no Brasil. De todas as fraudes identificadas no país, 55%
são esquemas dessa natureza que já lesaram 11% da população brasileira. A CVM
(Comissão de Valores Mobiliários) recebeu 10 vezes mais reclamações no ano de
2019, do que nos últimos sete anos. Com o advento da internet, e principalmente
com a popularidade das criptomoedas, os golpistas encontraram um solo fértil
para fisgar vítimas desavisadas.
Primeiramente,
vale diferenciar as pirâmides financeiras do esquema Ponzi. Ambos são fraudes
financeiras. Entretanto, os esquemas de pirâmides são baseados em
construção de uma rede e necessitam que os participantes recrutem novos
membros para ganhar dinheiro. Portanto, cada participante recebe uma comissão
antes de entregar o dinheiro para o topo da pirâmide. Já o esquema Ponzi é
apresentado como serviço de gestão financeira, fazendo os participantes
acreditarem que o retorno é resultado de um investimento real. O criminoso
basicamente utiliza o dinheiro de um investidor para pagar ao outro.
Em
esquemas dessa natureza, existe sempre uma figura central, um grande líder, uma
figura que muitas vezes é tratada com devoção messiânica. Muitas vezes a
tiracolo tem um ou mais comparsas associados, que são tratados como deuses ante
a devoção dos incautos.
Essa
devoção tem tempo determinado no roteiro desses crimes. Isso porque em
determinado momento os saques são suspensos e a devoção vira uma mescla de
sentimentos que beiram o desespero, o ódio e em algumas vítimas a
subserviência, pois se colocam em uma posição de vassalo desses criminosos, com
objetivo de serem os primeiros a receber em uma eventual devolução do dinheiro
para os investidores.
Nesse
momento é possível e qualificar os atores da organização, em que pese seja
difícil identificar se a figura central é o denominado Faraó, que são
milionários que atuam internacionalmente plantando pirâmides nos países, ou se
são sócios laranjas, que são pessoas que residem no país alvo e investem para
ter um retorno percentual com o sucesso do golpe.
Atrelado
ao esquema criminoso, surgem figuras que se utilizam da sua capacidade de
liderança para atrair novos investidores fazendo fortunas com isso, geralmente
ostentando o resultado dos golpes em suas redes sociais despertando o interesse
de novas vítimas.
No que
tange aos investidores, os mesmos são divididos em duas categorias. Primeiro,
aqueles que acompanham os líderes com a ciência que o esquema é fraudulento,
mas se arriscam para fazer fortuna rápido dentro do golpe, que podemos
denominar como participantes conscientes. O segundo grupo, que é a grande
maioria de investidores, formado por pessoas que não fizeram uma pesquisa
prévia, que deduzem ter encontrado a fórmula para ficar rico, que denominamos
de vítimas de primeira viagem.
Ante essa
divisão de papéis e nível de consciência, convém conceituar o que é organização
criminosa, conforme previsto no art. 1º, §1º da seguinte forma: na lei 12.850
de 2013, que considera organização criminosa a associação de 4 (quatro) ou
mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada
pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter,
direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática
de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro)
anos, ou que sejam de caráter transnacional.
Resta
claro que o mesmo tem alguns destaques que são essenciais para a caracterização
do delito, quais sejam, a composição de quatro ou mais pessoas, de forma estruturada,
com divisão de tarefas, obtendo vantagem de qualquer natureza com a prática de
infrações com penas máximas superiores a quatro anos ou de caráter
transnacional.
Ante toda
a descrição dos atores na estrutura dos esquemas Pirâmide e Ponzi, é cristalino
destacar que, tanto o descrito como Faraó, como seus comparsas, sócios e
líderes, se enquadram perfeitamente no descrito tipo legal. No que tange as
vítimas, os participantes conscientes não se enquadram, pois assumiram o risco
da própria torpeza, e não podem figurar na mesma categoria daqueles que
denominamos de vítimas de primeira viagem.
Na
questão relacionada à pena máxima superior a quatro anos para configurar a
organização criminosa, se faz necessário a separar o joio do trigo, pois crimes
dessa natureza podem tanto ser enquadrados como estelionato, ou como o crime
previsto no artigo 2º da Lei dos Crimes contra a Economia Popular. No
estelionato que tem pena que permite o enquadramento no tipo da organização
criminosa, a vontade do autor é dirigida para uma pessoa determinada. Já no
crime contra a economia popular o delito dirige-se para uma universalidade de
sujeitos indeterminados e sua pena é inferior para a configuração.
Essa
identificação das vítimas e das suas histórias para que se alcance o numero
determinado de pessoas que se faz necessário para assim realmente configurar o
organização criminosa e não apenas um mero concurso de pessoas atrelado a um
crime de baixo potencial ofensivo. Para tanto trazer para colação o que elenca a
lei que combate as organizações criminosas em seu artigo 2º:" Art.
2º Promover, constituir, financiar ou integrar, pessoalmente ou por interposta
pessoa, organização criminosa: Pena - reclusão, de 3 (três) a 8
(oito) anos, e multa, sem prejuízo das penas correspondentes às demais
infrações penais praticadas".
Além de
enquadrar esses criminosos na presente lei, se faz urgente a aprovação do
Projeto de Lei 4.233/2019, de autoria do senador Flávio Arns (REDE/PR),
que busca criar o tipo penal de pirâmide financeira, endurecendo a pena para
quem for condenado neste esquema fraudulento. Somente com o fim desse
sentimento de impunidade, bem como o perdimento de bens e valores adquiridos
com o proveito do crime, é que efetivamente serão combatidos esses esquemas fraudulentos
que devassam as economias de milhões de brasileiros.
Jorge Calazans - advogado
especialista na área criminal, Conselheiro Estadual da ANACRIM e sócio do
escritório Calazans & Vieira Dias Advogados, com atuação na defesa de
vítimas de fraudes financeiras.
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