Submetidos
nossos humanos a um isolamento compulsório, bate a angústia, a ansiedade, as
frustrações, os transtornos psicológicos preexistentes, enfim os diversos modos
de esburocamentos psíquicos.
Acrescido
esse sentimento degenerativo extremamente grave ao argumento de que a economia
desaba, sem consideração do avanço tecnológico da produção virtual, e aos
cuidados pessoais redobrados para não contrair as salivas furiosas do fenômeno
natural-sanitário, vivemos no pior dos mundos possível, se nos for dado um
oximoro a Leibniz.
Fiquemos
apenas no isolamento, no corte gregário do animal social, e no exame de suas
funestas consequências que deterioram o mundo psíquico.
O
fato é que o modo de vida contemporâneo, há pelo menos duzentos anos, nos impõe
um isolamento não compulsório. Este serve para criar uma raiz de
responsabilidade sobre nossas neuroses espontâneas. É o que faltava, não se
descobriu um feixe causal para nossos desconfortos emocionais, malgrado as
perfurações fundas da psicanálise, vindas dos troncos de Freud e de Jung,
principalmente, e aperfeiçoadas por uma enorme equipe mundial de analistas.
Não
se percebia que esses males, capazes de tornar a vida sem sentido e de um
número monstruoso de suicídios e homicídios por motivos fúteis e torpes,
provinha, do mesmo modo, do isolamento, porém involuntário. Não havia a quem
responsabilizar nas eternas frequências às sessões psicológicas de 50 minutos,
por anos a fio.
Isolamento
decorrente do egoísmo num mundo de políticas e de mercados, que trouxe muitas
comodidades e prazeres, mas não sem cobrar um alto preço.
Supostamente
contracenando com outros, sempre voltamos às nossas redomas, às nossas ilhas
pessoais, num círculo vicioso negativo. Isolamento presencial, como nos
casamentos que não geram a felicidade esperada, trocam-se poucas palavras
quando não bofetões, agressões e até mesmo feminicídios ou homicídios. O
divórcio é a libertação da quarentena, para depois nos enveredarmos por outras
frustrações, na caminhada de sofrência até o final.
Filhos
e pais que se sentem sós, ao contrário das famílias medievais, que sofriam em
razão da precariedade dos bens materiais escassos por falta de ciência e
tecnologia capazes de colocá-los à sua disposição. Mas costuravam famílias
extremamente sólidas, a partir do núcleo sanguíneo e depois no âmbito da aldeia
e do povoado. Suas trocas de favores eram as marcas de solidariedade e respeito
ao próximo. Como sintetizou Emmanuel Kant, faça de seu próximo, a quem olha nos
olhos, sempre um fim, jamais um meio.
Voltemos
à modernidade. Depois de meses para concretizar uma transação negocial que se
revelou proveitosa a todos, os agentes se separam e, provavelmente, nunca mais
se verão nas grandes cidades. Quem ganhou, ganhou, quem perdeu, perdeu e
pronto. Não há grupos de amigos das Universidades que não se dissolvam depois e
também muitos extremamente apegados que jamais se reencontrarão.
Muitos
se falam com o pensamento a léguas de distância. O homem sempre se volta
a si próprio, mesmo em relação aos filhos e netos, quando alcançam a idade de
dialogar, mas com os mercados e as instituições públicas. Reciprocamente.
Mães que geraram muitos filhos que jamais a rodearam, com os respectivos
consortes, ante de sua partida, quando os choros por algumas horas foram
deflagrados.
Festas
costumeiras em que, não raro, as casas dos antepassados estão cheias e a
demagogia de cada um permanece, homens-pavões se exibindo e mulheres de roupas
deslumbrantes e colares num ambiente parecido com as arcanas nobrezas, porém só
com enormes esforços pensando em algo mais que na sua própria vida e nos seus
interesses.
Quando
uma criatura micro-orgânica impõe o isolamento, muitos se dizem que a partir
daí adquiriram as neuroses da solidão que, contudo, sempre os encheram de
culpas, que as recrudesceram no "mea culpa". Talvez e paradoxalmente,
a trágica lição de nossos dias, mais do que criar, ponha a nu fraquezas
crônicas, demonstrativas da solidão espiritual do homem ganancioso e voltado
somente para si mesmo; e, no reverso da moeda malsinada, desenhe-se um mundo
único, contributivo e sincero, em toda a extensão terrena, o olho no olho do
genial filósofo de Konigsberg. E a extinção do isolamento venha das profundezas
de nossos sentimentos grotescos.
Amadeu Garrido de Paula - poeta e ensaista literário, é advogado, atuando há mais de 40 anos em defesa de causas relacionadas à Justiça do Trabalho e ao Direito Constitucional, Empresarial e Sindical. Fundador do Escritório Garrido de Paula Advocacia e autor dos livros: “Universo Invisível” e “Poesia & Prosa sob a Tempestade”. Ambos à venda na Livraria Cultura.
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