Quem
espichar os olhos para nosso passado recente vai se deparar com uma sequência
inédita de manifestações de rua, em âmbito nacional, mobilizadas algumas vezes
por ano ao longo dos últimos seis anos. Em toda a história da República não
houve algo que a isso se possa comparar senão de modo muito pálido. Foi o caso, por exemplo, das marchas "da
Família, com Deus pela Liberdade", promovidas em algumas capitais num
curto espaço de tempo imediatamente anterior e posterior à queda de João
Goulart. Foi também o caso das mobilizações dos caras-pintadas, promovidas pela
UNE para forçar o impeachment de Fernando Collor.
No entanto, o que tem
acontecido no Brasil desde 2013, de modo continuado, é diferente, inédito na
história da República, e tem significado político muito maior. Em tais eventos,
dizemos: "O gigante acordou!".
Por que
acordou? Mesmo que as causas institucionais desse despertar nunca tenham
entrado em debate, parcela significativa dos cidadãos aprendeu da Lava Jato o
profundo desajuste moral, vicioso e torpe do presidencialismo dito "de
coalizão", instituído de modo crescente no país desde a Constituinte de
1988. Aprendeu, também, que a voz do povo nas ruas e nas redes sociais afeta a
elite política, abala as cidadelas em cujo interior se hospedam os piores
interesses e as mais espúrias intenções daqueles que fazem do Congresso um
covil e do próprio mandato uma commodity.
Foi com o
povo na rua, que Eduardo Cunha fez andar um dos pedidos de impeachment de Dilma
Rousseff. E foi com o povo na rua, acompanhando as deliberações do processo,
que se chegou à decisão final pelo Senado. Quando a sociedade percebeu que a
Lava Jato suscitava animosidades no STF e no Congresso Nacional, coube
novamente ao povo na rua proporcionar retaguarda popular ao juiz Sérgio Moro,
aos procuradores da operação e à Polícia Federal.
Enquanto o povo na rua
acompanhava vigilante o período de travessia iniciado com o impeachment de
Dilma Rousseff, se foram firmando, nas multidões, consensos sobre pautas
conservadoras e liberais até então expurgadas do interesse político pelo
domínio esquerdista instalado no país. E foi assim, com a unção popular a
outros modos de ver a realidade, que acabou a hegemonia do PT.
Da condenação de Lula à
reforma da Previdência, praticamente nenhuma decisão relevante foi tomada nos
últimos seis anos sem que o povo se manifestasse nas ruas. Claro, nem tudo foi
sucesso. O STF acaba de abrir as portas das penitenciárias para a saída dos
corruptos. Muitos congressistas, fazendo-se de surdos, deliberando em causa
própria, fortificaram seus valhacoutos e torpedeiam os projetos de Sérgio Moro.
Eles precisam de uma polícia que não investigue, de um ministério público que
não acuse, de uma justiça que não julgue e de uma imprensa que narre
acriticamente toda a vergonheira.
Ao longo desses seis anos,
participando de praticamente todas as manifestações, firmei algumas convicções.
É a irracionalidade do nosso modelo institucional, irresponsabilizando o
parlamento, que empurra à militância os cidadãos conscientes e ativos. É
preciso expor e deixar ao relento os amigos da impunidade. Estou, por isso,
convencido de que as derrotas impostas à opinião pública pelo Congresso
Nacional não teriam ocorrido se milhões de cidadãos não se houvessem omitido em
momentos decisivos.
Agora é hora
de retomar a possibilidade de prisão em segunda instância e operar a faxina no
STF. Dia 8 de dezembro, estaremos de novo nas ruas. Qual será sua atitude?
Percival Puggina - membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.
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