Preocupado em aperfeiçoar o
sistema de controle externo das contas públicas, o governo federal incluiu na
Proposta de Emenda à Constituição 188/2019, a PEC do Pacto Federativo, três
dispositivos que ampliam as competências atribuídas ao Tribunal de Contas da
União pelo Art. 71 da Constituição da República.
Um novo inciso (XII) daria
ao TCU a missão de consolidar a interpretação de leis complementares por meio
de “orientações normativas” com efeito vinculante em relação aos Tribunais de
Contas dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. Caso uma decisão
destes órgãos regionais venha a divergir das “orientações normativas”, caberia
reclamação ao TCU, que teria poder de anulá-la, fixando prazo para que outra
fosse proferida, conforme disposto no §5 trazido pela PEC. Em caso de inércia
do tribunal de origem, o TCU avocaria a decisão, forçando a reforma do
decidido, nos termos do sugerido §6.
Na prática, as “orientações
normativas” seriam a expressão da jurisprudência firmada pelo órgão federal,
com força similar ao que as Súmulas Vinculantes editadas pelo Supremo Tribunal
Federal têm em relação à atividade jurisdicional de tribunais e juízes do Poder
Judiciário. Tal analogia evidencia que a proposta do governo tem um virtuoso e
legítimo objetivo, mas o caminho escolhido peca por vício de
inconstitucionalidade e desconhecimento do sistema de controle externo
brasileiro.
O país possui 33 Tribunais
de Contas. Ao TCU, cabe a fiscalização dos recursos públicos federais. Em 23
Estados, um mesmo Tribunal de Contas analisa a aplicação das verbas estaduais e
municipais. Na Bahia, em Goiás e no Pará, existem dois Tribunais de Contas, um
para as finanças do Estado e outro para fiscalizar os recursos de todos os
municípios da unidade federativa. Há também o Tribunal de Contas do Distrito
Federal e, por fim, os Tribunais de Contas do Município de São Paulo e do
Município do Rio de Janeiro, que cuidam exclusivamente dos recursos das
capitais de seus Estados.
Todos esses tribunais têm
competências bem definidas e não mantêm qualquer relação hierárquica, já que se
limitam às esferas dos respectivos entes federativos jurisdicionados.
A alteração que a PEC propõe
no Art. 71, portanto, seria inconstitucional e interventora, por transformar o
TCU em regulador nacional dos tribunais de contas, dando ao órgão o poder de
imiscuir-se em competências de órgãos estaduais, municipais e distrital. Com as
devidas adequações, seria o mesmo que submeter os Tribunais de Justiça dos Estados
aos Tribunais Regionais Federais. Entre si, eles não possuem qualquer vínculo
formal, estando todos, obviamente, submetidos à Constituição e ao controle de
constitucionalidade exercido pelo STF.
Não é novo o diagnóstico que
aponta insegurança jurídica para os gestores públicos e que questiona a
efetividade dos Tribunais de Contas para evitar catástrofes financeiras como as
que assolam partes do Brasil. A aplicação mais uniforme da Lei de
responsabilidade Fiscal, por exemplo, é desejada por todos. O louvável
propósito que move o governo federal, contudo, pode ser alcançado de outra
forma.
Uma alternativa é a PEC
22/2017, que tramita hoje na Comissão de Constituição e Justiça do Senado.
Entre outras coisas, a proposta criaria um Conselho Nacional dos Tribunais de
Contas, cuja arquitetura prevê uma Câmara de Uniformização de Jurisprudência,
responsável por reconhecer controvérsias na aplicação de normas constitucionais
ou nacionais, como a LRF ou a Lei de Licitações, podendo aprovar enunciados de
caráter vinculante.
O TCU cumpre seu papel com
excelência na fiscalização do erário federal e é saudável que mantenha diálogo
com os demais tribunais, para compartilhamento de boas práticas e aumento da
sinergia no controle externo. Cada instituição, no entanto, tem suas
competências estabelecidas pela Constituição, nosso Norte jurídico.
Dimas Ramalho -Conselheiro
do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo (TCESP).
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