Fracasse
e serás feliz
Monge Mauricio Hondaku defende que vencer o
medo de fracassar pode levar a uma felicidade plena
Muitos
ficam felizes por terem atingido seus objetivos, pelo sucesso profissional ou
pessoal, mas uma grande parte se entristece e se angustia por ter
"fracassado" mais uma vez. Pois é para este grupo de pessoas que
"fracassaram" em 2018 que quero mandar uma mensagem especial.
Ter
sucesso...ter sucesso..ter sucesso....ser o melhor, ser líder, ser ousado, ser
o primeiro, ser o mais rápido, ser o mais destemido. Será que o mundo tem lugar
para tanta gente perfeita assim?
Ter
o melhor emprego, ser o empregado do mês, ser a melhor mãe do mundo, ser o pai
mais realizado, ser magra sempre, ser sarado como um adolescente, estar na
frente do pelotão, subir a mais alta montanha, inventar a mais lucrativa
empresa do mundo... Será que vivemos somente de sucessos?
Outro
dia olhei para trás e vi que as pessoas que me inspiram não foram as que
tiveram sucesso, e sim as que fracassaram terrivelmente durante suas vidas, mas
que desses fracassos tiveram insights fortíssimos e definitivos.
Ainda
vejo cursos, programas, grupos que enaltecem o sucesso como se todos nós o
tocássemos com o esticar dos dedos. Assim, eu penso quantos Steve Jobs têm
lugar no mundo, quantos Winston Churchill ou Alexandre, o Grande
nascerão? Acho que poucos ou até mais nenhum.
Mas
quantos fracassados existem? Quantas pessoas que tentam todos os dias ser quem
não são e se consomem em lágrimas por se acharem insignificantes na sociedade
na qual vivemos?
Pois
me deixem contar a história de um personagem do século Xlll. Seu nome era
Zenshin, um filho de aristocratas japoneses do poderoso clã Fujiwara. Perdeu
seus pais muito cedo e fora criado por seu tio. Quando tinha 9 anos pediu ao
seu pai adotivo que o levasse a um templo em Kyoto, pois queria se ordenar
monge budista.
Chegando
lá Zenshin foi recebido pelo abade. Era um templo austero e os monges muito
disciplinados. Zenshin queria saber como ele poderia se iluminar. Seu mestre o
instruiu a passar três anos dando voltas em uma estátua do Buda que havia na
frente do templo, recitando seu nome.
Depois
desses anos, o monge Zenshin voltou a falar com seu mestre dizendo que ele se
sentia o mesmo, com os mesmos desejos. Assim, o mestre lhe repreendeu e o
mandou de volta para mais três anos de prática em volta da estátua. O tempo
determinado passou e um frustrado Zenshin volta a ter com seu mestre para
relatar sua frustração de ainda ser como sempre foi. Ao todo
foram quase 20 anos de prática diligente, porém com pouca eficácia.
Foi
quando Zenshin finalmente encara seu fracasso e sua total incapacidade de
executar aquilo que não lhe trazia a felicidade. E foi somente quando esse
jovem monge declara sua incompetência e abandona essa prática que ele entende o
que é a liberdade e sente pela primeira vez na vida a felicidade suprema.
Como
Zenshin, a cada momento de nossas vidas estamos tentando ser o que não somos ao
invés de aprimorarmos quem realmente somos. Vimos a internet nos bombardeando
de celebridades "perfeitas", vimos pessoas poderosas dirigindo
carrões, vimos nosso vizinho se gabando de um mega negócio fechado. E o
que sentimos? Sentimos inveja.
Essa
inveja nos leva a buscar uma realidade ilusória de transformação que nunca
iremos atingir. E só vamos nos frustrar gerando raiva em nossas mentes. Essa
raiva vai nos condenar ao sofrimento contínuo e duradouro, pois no espelho
alheio seremos sempre inferiores.
Ao
passo que se olharmos para o NOSSO espelho, aquele ali no nosso banheiro e
pudermos nos reconhecer como fracassados, mas com todas as condições de sermos
felizes como Shinran, estaremos enaltecendo nossa natureza pura e nossas
qualidades intrínsecas.
E se
ao invés de querermos ser Steve Jobs ou qualquer celebridade que nos cerca,
fôssemos o que temos de melhor dentro de nós? Mesmo que você ache que é pouco,
pode ser muito. Pode ser transformador.
Deixe-me
dar outro exemplo: no Palácio de Buckingham existe a Sala das Investiduras, na
qual cidadãos britânicos são agraciados com reconhecimento da corte por seus
feitos. O que logo pensamos é que somente grandes personalidades recebem tal
distinção. Ledo engano.
A
grande maioria são cidadãos comuns que fazem sua parte na sociedade britânica,
entre eles um homem que dedicou 57 anos de sua vida como voluntário da Cruz
Vermelha sem receber um tostão por isso; uma senhora que impossibilitada de dar
à luz, adotou 15 crianças; um leiteiro que promoveu e incentivou durante
40 anos o uso do leite animal por crianças no seu condado.
Todos
devidamente recebidos no Palácio e reconhecidos pelos seus pequenos, mas
importantes feitos. Não eram Jobs, Churchills, Gandhis, Terezas eram apenas
mães, pais e...leiteiros.
Talvez
todos eles acharam que estavam fazendo pouco e que eram fracassados, mas na
verdade eram heróis, anônimos e atuantes, os quais nem mesmo faziam ideia de
quem eram e da felicidade que podiam usufruir.
Dessa
forma, quando alguém lhe dizer que você precisa ser mais ou que você precisa
ser líder ou que você precisa se espelhar em tal pessoa, apenas pense que os
grandes seres humanos da história apenas se declararam fracassados para encontrar
a felicidade plena.
Portanto,
em 2019 seja você e seja feliz. E fracasse quantas vezes precisar, mas descubra
o que de melhor tem aí dentro.
Mauricio Hondaku
- um monge totalmente fora dos estereótipos. Executivo da área de
vendas e palestrante motivacional. Adora rock'n'roll, tatuagens, bike
de estrada e um bom papo com amigos. Segue a filosofia budista há 32 anos e
tornou-se Monge há seis. Pertence à Ordem Shinshu Otani - Higashi Honganji.
Apaixonado pela cultura oriental e artes marciais desde a infância. Dá uma
perspectiva moderna e simples aos ensinamentos budistas, sem perder a
tradição. Primeiro monge brasileiro convidado a fazer uma série de artigos
para a Revista Tricycle, principal revista budista do mundo.
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