Recentemente, Joesley Batista, um dos donos do
Grupo JBS, um dos maiores do ramo de processamento de carne no mundo, realizou
uma delação que colocou em cheque o governo de Michel Temer, atual presidente
da República. Apesar do tempo e esforço dispendido questionando Temer, foi o
senador afastado Aécio Neves, que acabou se tornando o primeiro réu diante da
denúncia. As gravações entregues a policia na delação mostram Aécio pedindo R$
2 milhões a Joesley. Dinheiro que seria usado para pagar o advogado do senador
afastado na sua defesa nas investigações que envolvem a Lava-Jato, em que
também é investigado.
Todo o cenário envolvendo Aécio e diversos outros
relacionados a crimes de corrupção, levantaram uma reflexão em mim sobre o
papel do governo, do governante, do povo e da ética, sobretudo quando, em casos
como esse, em que a lei se mostra insuficiente ou até mesmo impotente. Esse
homem poderia ter sido presidente do país. Ainda é um senador. Seu comparsa,
que entregou a delação mais comentada do momento, está refugiado nos Estados
Unidos. Michel Temer ainda é presidente. Eu poderia estender essa lista
infinitamente. Paulo Maluf foi condenado e voltou para a política, sendo bem
aceito por seus eleitores, só para citar um caso de real condenação. O
ex-presidente Lula também está sendo investigado, mas mesmo assim há quem o
defenda com unhas e dentes para o cargo de presidente em 2018.
Quando uma nação inteira trabalha todo dia, paga
seus impostos e contribui para sua sociedade, nada mais justo do que esses
impostos e contribuições que, às vezes tornam a vida muito complicada, sejam
usados para refletir benefícios para melhores condições de viver em seu
país. Cada valor pago carrega o custo do suor do trabalhador e deveria
ser tratado com o respeito de se transformar em bem estar social, já que essa é
a função do governo: liderar e transformar os recursos do povo em uma nação
próspera e soberana.
Existe uma grande responsabilidade por parte dos
políticos, já que o governo deve servir ao povo e não o contrário. Quando os
governantes aplicam o fruto desse suor e trabalho de forma injusta,
irresponsável, buscando o benefício próprio em detrimento do viver
populacional, isso gera angústia, não só no cidadão, mas em toda a nação. A
angustia está ligada à sensação de vazio quando se está em um estado negativo
do direito de viver de cada ser humano. Ai está a conseqüência comum da
corrupção.
“O povo não tem que temer seu governo, o governo é
que tem que temer seu povo”. A citação retirada da adaptação cinematográfica da
obra "V de Vingança" criada pelo quadrinista Alan Moore, ganhou as
ruas junto da icônica máscara de Guy Fawkes nos protestos de 2013, onde
cidadãos de todo o país foram às ruas para mostrar uma voz há muito esquecida
pelo povo brasileiro. Infelizmente, essa voz parece ter se calado novamente,
pois apesar de alguns focos isolados e tolas brigas partidárias, toda a sujeira
que cria uma crosta de corrupção e crime que infecta o governo de nosso país,
continua a se proliferar. Parece que criminosos que roubam milhões e comandam o
país não são tão relevantes quanto alguns centavos a mais em uma passagem de
ônibus.
Apesar da óbvia situação, o povo vira o rosto e
aceita, mesmo quando lutaram tanto por alguns centavos. Percebe a repetição?
Não é um partido, um caso, um político ou um cargo específico. A corrupção está
em toda parte nas esferas governamentais. A Justiça, além de lenta, por
inúmeras vezes fecha os olhos para a volta dessas mesmas figuras ao poder. Isso
quando ela não é mudada, distorcida para criar uma forma "legal" de
ser corrupto. Aécio Neves estava trabalhando intensamente nos bastidores do Congresso
para aprovar uma lei de anistia ao caixa 2 eleitoral. Quando a lei é escrita
pelo criminoso, a vítima sofre a pena. O povo só teme seu governo. Só passa
fome, frio, trabalha como louco e deve a vida e a felicidade a esse tipo de
pessoa. Não está na hora de tomar as rédeas e responsabilidade?
Onde está "o gigante adormecido"? A moral
não é clara à nossa frente? Como indivíduos, conseguimos perceber nossa
dignidade, nosso desejo pela felicidade ser tirada de nós a cada dia. E ainda
assim na época de eleição, lá estão milhões votando nas mesmas pessoas,
aceitando os mesmos crimes e erros. O país precisa de mudanças e elas precisam
vir do povo, de seus cidadãos. A lei precisa mudar, assim como seu cumprimento.
Porém, isso precisa partir da moral, da ética diária, pois os governantes não
se importam.
Como a moral antecede a obrigação legal, é dela que
parte a lei. Entenda, não estou incitando revoluções baseadas no conflito, mas
buscando trazer os olhos a uma mudança de postura. A paz fere muito mais o poder
do que a guerra. Essa é uma mudança de consciência que precisa partir do povo
para o governo, da ética para a lei. Não é certo nem mesmo premiar Joesley por
sua “delação premiada”, porque mais da metade do dinheiro do BNDES, Banco
Nacional de Desenvolvimento, que ele recebeu para expandir sua empresa, foi
direcionado para fora do Brasil. Algo que era nosso e não vai voltar para nós
na forma de nada, nem mesmo empregos. Só um homem se beneficiou. Ele expôs
corruptos? Sim, mas não cometeu menos atos de corrupção por isso. Os mecanismos
de governar as empresas no pais é todo errado. Só se tira do Brasil.
Nós não vivemos em uma ditadura, nós vivemos em uma
democracia. Podemos usar isso a nosso favor, pois nada é mais legitimo do que o
direito de escolher o nosso bem estar. Precisamos ser intolerantes para com o
corrupto, para com o errado. É preciso se desviar dos discursos ideológicos que
hipnotizam a massa. O discurso fanático que leva a população às urnas em favor
de um bandido faz com que a própria massa crie uma blindagem para ele. Chega a
parecer ficção, ou loucura, de tão imoral. O discurso leva o povo a criar
justificativas para o mal cometido pelo corrupto. Constantemente o povo defende
quem o oprime,
Não se percebe que o corrupto é uma ameaça ao país.
Aquelas palavras são afrontas à felicidade e dignidade. A finalidade do governo
não é fazer por si, e sim pelo coletivo. Não importa o que foi feito uma vez
pelo político X, seu dever era fazer sempre, a corrupção não tem desculpa, não
tem “foi só dessa vez”. É preciso honrar o presente, não tolerar o erro com
fotos do passado. Usar a democracia a favor. Certa vez ao ler uma passagem de
Einstein compreendi a importância de não honrar o homem e sim apenas a sua
obra, porque a obra bem feita, está feita. O mesmo homem que pode produzir
obras boas poderá por algum motivo produzir obras que sejam ruins para o outro
ou até mesmo para a sociedade. É ai a relevância de separar as honras que vão
para o homem ou para a sua obra.
Considerar esse cenário e
distinguir estas duas formas de reconhecimento permite que discursos
ideológicos sejam sempre evitados quando o homem produz obras más. O humano é
composto de bem e mal, e não se deve ficar refém da oscilação dele. Pode levar
tempo para que se prove que um ou outro fez ou deixou de fazer qualquer ato,
mas sob a dúvida o povo deve assumir a responsabilidade de não confiar a ele
nenhum cargo de poder até que seja esclarecida a justiça, e se culpado, ele
deve ser banido de comandar a nação, seja em que cargo for.
As pessoas estão perdendo todo dia. O dever máximo
do cidadão é levar sua voz, através da democracia, para a vida social, até que
a ética do bem estar coletivo seja a lei. Aquele que prejudica o país não
deveria ter direito de passar nem perto de um órgão de poder. Se a lei demora a
fazer seu dever, cabe à ética levar a mudança à consciência do cidadão e
através dela mudar o país.
Samuel
Sabino - fundador da consultoria Éticas Consultoria,
filósofo, mestre em bioética e professor.
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