Durante a pandemia, percebi que não era só a liberdade de ir e vir que me faltava era o espaço para transformar. Sempre gostei de criar, de ver ideias virarem realidade. E isso nunca esteve restrito às finanças. Ao concluir o bacharelado em Ciências Contábeis, antes de pensar na especialização em Direito Tributário, fiz seis meses de estilismo. Durante a pandemia, em meio a obras, mergulhei num curso de design de interiores. Não buscava diplomas, mas conhecimento. Técnica e arte sempre caminharam lado a lado na minha vida. Essa mescla é o que me mantém com um olhar holístico.
Na Mantiqueira encontrei outro laboratório de criação. Céu azul de verdade, noites escuras e estreladas, vagalumes bailando no breu. Um silêncio que contrasta com o barulho constante da cidade. Ali, aprendi que ver uma planta crescer exige mais disciplina do que fechar um trimestre positivo.
Nos primeiros
anos, a fazenda não se paga. Ela cobra na frente: tempo, suor e dedicação. É
preciso observar o solo, a região e a si mesmo. O que queremos fazer por um
longo prazo? O que conseguimos gerir além de números? Hoje já vendemos ovos
caipiras, conservas e alguns legumes. E ampliamos nossa atuação ao vender
produtos de parceiros locais (queijos, azeite, mel, hortaliças)
fortalecendo a economia da comunidade. É menos sobre lucro imediato e mais
sobre entender: qual é o nosso talento fora das salas de reunião?
Essa dualidade se
tornou meu maior aprendizado. A cidade me ensina a ser estratégica; o campo, a
ser resiliente. Em São Paulo, tudo é meta e urgência. Na Mantiqueira, até a
chuva tem seu próprio tempo. Para mim um mundo não existe sem o outro: sem a
pressão da Faria Lima, eu talvez não valorizasse a calmaria da fazenda. Sem a
fazenda, talvez a cidade já teria me engolido.
E há paradoxos
deliciosos. Ouvir o povo local contar suas histórias é um verdadeiro curso de storytelling:
sem PowerPoint, sem marketing pessoal, só narrativa bruta, carregada de
inteligência empírica. Enquanto isso, muitos executivos gastam fortunas em
cursos para aprender o que um agricultor sabe desde criança: como prender a atenção
de quem escuta.
Também aprendi
empatia. Conviver com pessoas que não têm conta em banco, que não usam WhatsApp
e não sentem falta alguma disso, me tirou da bolha. São engenheiros
improvisados, verdadeiros “professores Pardal”, que resolvem problemas com
soluções tão criativas quanto qualquer inovação de startup.
E sim, a fazenda é
investimento. A máxima “quem compra terra não erra” continua valendo. A terra é
um recurso limitado que tende a valorizar continuamente com o
passar do tempo. E não é por acaso que Bill Gates virou o maior dono de
terras agrícolas nos EUA, Ted Turner da CNN acumulou milhões
de acres, e até Jeff Bezos entrou nessa. No Brasil,
nomes como Jorge Paulo Lemann não deixam o real estate fora da
carteira. Terra é diversificação, é segurança, mas também é trabalho.
O erro de quem chega achando que vai só descansar é descobrir rápido que fazenda exige manutenção constante. As instalações precisam de manutenção frequente; cercas se deterioram, máquinas quebram, estruturas envelhecem. As plantações demandam cuidado diário? rega, adubação, poda, controle de pragas que não esperam pelo seu descanso. Os animais também carecem de atenção todos os dias, faça chuva ou faça sol, inclusive fins de semana e feriados. Descobri que sempre há algo a fazer: consertar a bomba d’água, reparar o galinheiro, monitorar o crescimento das hortaliças ou simplesmente ficar de olho no clima para proteger o que plantamos.
Descansar, no
campo, significa trocar o e-mail pelo conserto do galinheiro. E, no fim do dia,
a sensação é melhor que qualquer meta batida.
O turismo de
refúgio só reforça essa busca coletiva por equilíbrio. O chamado forest bath
deixou de ser moda e virou necessidade. Um banho de floresta pode
ser tão restaurador quanto uma sessão de terapia e muito mais barato.
(Um
passeio pela floresta (o chamado banho de floresta) tem efeitos
terapêuticos comprovados na redução do estresse e da ansiedade.)
Hoje, vivo entre dois universos. Um pé na Faria Lima, outro na Mantiqueira. De um lado, relatórios e conselhos. Do outro, a simplicidade que me obriga a ouvir mais e falar menos. Essa escolha me deu mais que liberdade: me deu um novo ritmo. Descobri que prosperidade e sanidade não precisam ser excludentes.
Liberdade, no fim,
não é escolher entre cidade ou campo. É ter o planejamento para viver nos dois.
Adriana Melo - CFO da SAS Brasil, com mais de 20 anos de experiência em finanças corporativas, planejamento, controladoria e uma especialização estratégica em tributação








