 |
| Freepik |
Principal vantagem do país está no
mix energético majoritariamente renovável, apontam especialistas
Com quase 90% da eletricidade
proveniente de fontes renováveis, como hidrelétrica, solar e eólica, o Brasil
tem se consolidado como destino estratégico para a instalação de data centers
de inteligência artificial (IA). O diferencial da matriz energética
sustentável, aliado à escala de mercado e à conectividade internacional, tem
atraído gigantes como Amazon e Microsoft, além de impulsionar novos projetos
nacionais.
A principal vantagem do país
está no mix energético. Segundo Ricardo Brandão, diretor de regulação da
Abradee (Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica), a matriz
elétrica brasileira, majoritariamente renovável, garante uma operação de data
centers com pegada de carbono muito menor que a média mundial. Isso é
determinante para empresas que buscam cumprir metas de descarbonização.
Na mesma linha, Amanda Durante,
CEO da iGreen, lembra que o fato de a maior parte da eletricidade brasileira
vir de fontes renováveis é um diferencial gigantesco, porque os data centers
têm uma pegada de carbono alta em outros países, enquanto aqui eles podem
operar com energia de baixo impacto”.
Já Rafael Franco, CEO da
Alphacode, destaca que o Brasil é um dos poucos países em que data centers
podem ser construídos em escala sem grandes compensações ambientais, o que se
torna “um ativo estratégico de reputação e compliance” para as big techs.
Impactos
ambientais e mitigação
Franco explica que data centers
consomem enormes quantidades de energia elétrica, não apenas para
processamento, mas também para resfriamento, redundância e segurança de
sistemas. Globalmente, eles já respondem por cerca de 2% a 3% do consumo de
eletricidade. Quando movidos a fontes fósseis, isso gera emissões expressivas
de CO2. “No caso do Brasil, a energia limpa reduz drasticamente esse impacto,
tornando o país um dos poucos locais em que o crescimento do setor pode ocorrer
de forma sustentável.”
Fernanda Belchior, diretora da
Elea Data Centers, explica que em países com matriz fóssil há necessidade de
altos investimentos para migrar para fontes limpas. No Brasil, porém, a
infraestrutura já é naturalmente renovável, tornando os projetos mais sustentáveis e
alinhados ao Acordo de Paris e metas Net Zero.
Segundo Ricardo Rondino, do
Rondino Megale Advogados, a abundância hídrica brasileira também é um
diferencial: “sistemas de resfriamento dependem desse recurso para garantir o
funcionamento estável e eficiente dos servidores”. Isso reduz riscos
operacionais e ambientais em comparação com regiões com escassez de água.
Mercado em
expansão e geração de empregos
O impacto não é apenas
ambiental, mas também econômico. Amanda lembra que investimentos em
infraestrutura geram empregos diretos e indiretos, além de deixar “um legado de
conhecimento, estimulando inovação e capacitação tecnológica”.
Franco reforça que o efeito se
espalha por toda a cadeia: “empresas de software, segurança, refrigeração,
energia, construção civil e logística se beneficiam”.
Expansão
exige equilíbrio com infraestrutura
Mas há ponderações. Rondino
observa que, embora a fase de obras mobilize investimentos e empregos, a
operação rotineira dos data centers demanda pouca mão de obra, limitando a
geração de postos permanentes. Para ampliar os benefícios, ele defende
políticas de incentivo à formação profissional e ao desenvolvimento de cadeias
produtivas digitais no entorno.
Fernanda lembra que o Brasil é
o único país do G20 que tem uma matriz energética predominantemente renovável,
após duas décadas de incentivos. “E os data centers podem agora gerar demanda
por essa energia limpa, colocando o país em posição de vantagem.”
Risco de
pressão sobre o sistema elétrico
O crescimento acelerado dos
projetos de data centers traz também desafios. Para Franco, existe risco de a
alta demanda pressionar a infraestrutura de transmissão e distribuição se não
houver planejamento.
Para Amanda, a pressão existe
em qualquer país, mas o Brasil tem duas vantagens: sobra estrutural de geração
e expansão acelerada de fontes renováveis, como a solar, que já saltou de 1,5%
em 2019 para mais de 20% hoje. “Se houver planejamento, esse risco se
transforma em alavanca de expansão.”
Brandão lembra que as
distribuidoras já investem continuamente na modernização das redes, mas reforça
que a integração entre setor elétrico, reguladores e investidores é essencial
para garantir segurança energética sem encarecer tarifas. “É importante que os
investimentos sejam planejados em conjunto, para que a conexão de data centers
ocorra de forma segura, sem pressionar tarifas nem comprometer a qualidade do
fornecimento aos demais consumidores. Nesse sentido, a integração entre agentes
do setor e o ambiente regulatório estável são fundamentais para equilibrar a
expansão da demanda com a segurança energética do país.”
Incentivos
e políticas públicas
Para fortalecer a atratividade,
o governo brasileiro discute o programa Redata, que prevê isenção de impostos
sobre equipamentos, contrapartidas de uso de energia renovável e incentivo à
instalação em polos de geração limpa, especialmente no Nordeste.
Franco pontua que uma boa
estratégia seria descentralizar os polos tecnológicos, com estímulo a data
centers regionais, criação de zonas francas digitais e incentivos para que as
empresas se instalem em regiões com menor IDH (Índice de Desenvolvimento
Humano). “Também é fundamental fomentar a formação técnica fora dos grandes
centros, por meio de parcerias público-privadas com escolas técnicas e
universidades locais.”
Segundo Rondino, a política
pode ser incorporada ao marco legal da IA e será decisiva para manter o país
competitivo frente a vizinhos que já oferecem pacotes de incentivos mais ágeis.
Amanda complementa que a
política nacional de data centers deve atrair até R$ 2 trilhões em
investimentos na próxima década, movimentando cadeias produtivas como sistemas
elétricos e equipamentos de resfriamento.
Hub
regional de IA verde
Com um mercado interno robusto,
conectividade internacional e abundância de energia limpa, os especialistas
veem o Brasil com potencial para se consolidar como hub de IA verde.
Para Fernanda, o país já
concentra 60% do mercado de data centers da América Latina e reúne condições
únicas para expandir sua relevância global. Prova disso é o projeto Rio AI
City, da Elea, que prevê a construção de um complexo de data centers no Parque
Olímpico, no Rio de Janeiro, com capacidade inicial de 1,5 gigawatts e expansão
para 3,2 gigawatts, com primeira entrega prevista para 2026.
Amanda reforça: “com os
investimentos certos, o Brasil pode ser referência mundial em inteligência
artificial alimentada por energia renovável”.
Potencial
versus desafios tecnológicos
Rondino destaca que o país
reúne vantagens naturais (clima, hidrografia, recursos energéticos renováveis,
localização estratégica) e infraestrutura relevante, criando ambiente propício
para atrair data centers de grande porte para hospedar soluções de IA. No
entanto, transformar o Brasil em verdadeiro hub regional ou global da
tecnologia associada à inteligência artificial depende
não só desses pilares, mas também de investimentos contínuos em pesquisa,
desenvolvimento e formação de talentos especializados.
“O domínio tecnológico efetivo
e o treinamento de modelos de IA exigem esforços robustos em P&D e fomento
à inovação, além do fortalecimento da colaboração entre empresas, universidades
e polos de tecnologia. Assim, o país tem todas as condições para liderar
regionalmente e disputar espaço global na hospedagem dos sistemas de IA, porém,
vemos pouca ou quase nenhuma chance de sermos protagonistas do avanço
tecnológico associado à IA.”
Márcia Rodrigues
https://www.dcomercio.com.br/publicacao/s/brasil-disputa-protagonismo-em-ia-verde-com-energia-limpa-e-mercado-em-expansao