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A
saúde sexual das mulheres brasileiras ainda é marcada por contrastes. Se, de um lado, os
dados recentes indicam avanços na prevenção e no acesso a métodos
contraceptivos de longa duração, de outro, desigualdades sociais e barreiras
culturais continuam a restringir escolhas e comprometer direitos.
O dia 4 de setembro, instituído como o Dia Mundial da Saúde
Sexual pela World Association for Sexual
Health (WAS), em 2010, tem como objetivo ampliar a visibilidade do tema em
escala global. A data se consolidou como um marco para promover debates
públicos, mobilizar profissionais de saúde, educadores e gestores, além de
estimular campanhas voltadas à garantia dos direitos sexuais e reprodutivos. No
Brasil, o 4 de setembro vem ganhando cada vez mais espaço no calendário da
saúde, servindo como ponto de partida para reflexões sobre educação sexual,
prevenção de ISTs e fortalecimento de políticas públicas que assegurem às
mulheres o acesso a um cuidado integral e inclusivo.
O
Ministério da Saúde registrou, em 2023, aumento de 4,5% nos casos de HIV em
relação ao ano anterior, resultado atribuído tanto à expansão da testagem
quanto à baixa adesão ao preservativo. A sífilis gestacional
permanece como desafio, com mais de 324 mil casos notificados entre 2019 e
2023. Entre adolescentes, houve queda no número de nascidos vivos de mães de 10
a 14 anos, que somaram 13.939 em 2023, mas a incidência segue maior entre
jovens negras e de baixa renda, revelando desigualdades.
É
nesse cenário que profissionais da atenção primária assumem protagonismo.
Gabrielle Ferreira, enfermeira da UBS Jardim Guarujá, gerenciada pelo CEJAM -
Centro de Estudos e Pesquisas "Dr. João Amorim" em parceria com a
Secretaria Municipal da Saúde de São Paulo (SMS-SP), afirma que o debate
público é parte da mudança. “Ter um dia mundial dedicado à saúde sexual é
fundamental porque cria um espaço legítimo para o diálogo, a conscientização e
a promoção de direitos. Falar de saúde sexual é falar de qualidade de vida, direitos
sexuais e reprodutivos, e respeito à diversidade”, diz.
A
enfermeira lembra que a falta de educação sexual estruturada nas escolas
impacta diretamente a vida das jovens. “A desinformação sobre contraceptivos,
ISTs e direitos reprodutivos ainda é uma realidade, sobretudo entre
adolescentes, pessoas de baixa renda e a população LGBTQIA+. Isso se traduz em
gravidez precoce e em riscos evitáveis”, enfatiza.
Na
outra ponta, políticas públicas recentes vêm ampliando o leque de escolhas.
Entre 2022 e 2023, as inserções de DIU cresceram 44% na rede pública de saúde
após a liberação para que enfermeiras e enfermeiros realizem o procedimento. E
em julho de 2025, o SUS incorporou um novo implante subdérmico de longa
duração, considerado uma das estratégias mais eficazes para reduzir gestações
não planejadas.
Apesar
dos avanços, fatores sociais e culturais ainda limitam o cuidado. Tabus em
torno da sexualidade, julgamentos morais e a resistência masculina em
participar do planejamento reprodutivo criam barreiras. “Adolescentes sentem
vergonha de buscar ajuda, pessoas LGBTQIA+ enfrentam discriminação e os idosos
são invisibilizados, como se a sexualidade terminasse com a velhice”, observa.
Para
superar essas lacunas, iniciativas comunitárias e coletivos locais têm atuado
lado a lado com as unidades básicas, criando vínculos de confiança e linguagem
mais próxima da realidade de cada território. “Grupos de apoio e lideranças
comunitárias conseguem complementar o trabalho dos serviços de saúde. Quando o
cuidado chega de forma acessível e respeitosa, o impacto é imediato”, avalia a
enfermeira.
Entre
avanços e desafios, um ponto é consenso: a saúde sexual feminina só se
fortalece com informação, autonomia e cuidado integral. Como resume Gabrielle:
“A atenção primária tem papel protagonista justamente pela proximidade com a
comunidade e pelo vínculo construído com os usuários”.
Linha
de Cuidado da Mulher no SUS
A
Linha de Cuidados de Saúde da Mulher, implementada
pelo CEJAM em parceria com a SMS-SP, foi criada para organizar e
monitorar a jornada das pacientes no sistema público e garantir um atendimento
contínuo em diferentes fases da vida. O modelo conecta a atenção primária, os
serviços de especialidade e a rede hospitalar, de modo que cada mulher receba o
cuidado necessário e mantenha vínculo com a UBS de referência. “O maior
diferencial é colocar a atenção primária como sentinela do cuidado”, resume
James Souza, responsável regional da linha de cuidados no CEJAM.
Na
prática, o trabalho envolve desde consultas individuais e grupos de
planejamento familiar até o monitoramento de exames como papanicolau e
mamografia. Quando há necessidade de apoio diagnóstico ou tratamento
especializado, as pacientes são encaminhadas para serviços secundários e, em
casos de maior complexidade, para a rede hospitalar, sempre com
contrarreferência para que a unidade de origem acompanhe cada etapa. Para
garantir integralidade, a linha utiliza prontuário eletrônico, painéis de
monitoramento e fluxos de encaminhamento detalhados, evitando que a usuária se
perca na rede.
Os resultados já começam a aparecer. James destaca que o acompanhamento próximo tem aumentado a procura por exames preventivos e fortalecido o planejamento reprodutivo. “Percebemos um crescimento nas gestações planejadas e maior adesão aos exames de rastreio, o que impacta diretamente no diagnóstico precoce de câncer de colo de útero e de mama”, afirma. O objetivo, segundo ele, é ampliar esses avanços. “Queremos garantir que cada mulher receba cuidado contínuo e integral, fortalecendo a saúde sexual e reprodutiva e favorecendo diagnósticos mais precoces.”
CEJAM - Centro de Estudos e Pesquisas “Dr. João Amorim”
@cejamoficial





