Cá para
nós: se formos pensar em candidato\a ideal, pairado acima das coisas mundanas,
não votaremos nem em nós mesmo\as. Isto posto, a pensar: se as alternativas
políticas (candidato\as) que me são postas nivelam-se – se tudo é a mesma coisa
–, então dou-me as devidas licenças éticas para não fazer nada, não me envolver
em campanha eleitoral. Seja: escuso-me de participar da realidade, da vida como
ela é.
Persuado-me
de que me escafedo não porque traio o discurso de preocupação cívica. Nada
disso. Dissuado-me de que não me sujo com as coisas do mundo. Para refletir
sobre a “má fé” dessa posição, recomendo a peça mais célebre de Sartre, As Mãos
Sujas, oposição argumentativa – e política – entre um realista (que suja as
mãos quando a necessidade o impõe) e um idealista (tipo que guarda soluções
revolucionárias, salvadoras).
Utopistas
da pureza olham o derredor com olhos desdenhosos e invectivam contra o laxismo
da moral pública; pretextam para se ausentarem. E o mundo que se dane. Tem
gente assim. E essa gente se justifica, a si e à sua posição ‘‘acima do bem e
do mal’’, com essa elementar proteção egóica. A Psicanálise chamaria isso de
mecanismo de defesa do ego: um amparo improvável de si, do próprio
comportamento, da ação ou inação.
Puristas
enfastiado\as, embora lamentem o estado da Nação, arranjam um achaque
socialmente aceitável, porém falso, e lavam as mãos. É trivial em tempos
eleitorais: “Político é tudo ladrão”, “Situação e oposição não se diferem”,
“Meus ideais não estão representados”, “Tudo farinha do mesmo saco”. Frases
vazias, ardis morais, exculpações. Clinicamente, um psicanalista definiria essa
atitude como racionalização.
Racionalização:
“processo de caráter defensivo pelo qual um indivíduo apresenta uma explicação
coerente ou moralmente aceitável para atos, ideias ou sentimentos cujos motivos
verdadeiros não percebe” (Houaiss). Há quem perceba e se autorize; hipócrita:
“dissimula sua personalidade e afeta, quase sempre por motivos interesseiros ou
por medo de assumir sua verdadeira natureza, qualidades ou sentimentos que não
possui” (Houaiss).
Certos
neuróticos idealizam a própria imagem. Não adulteram virtudes, mas falsificam a
concepção que têm sobre suas próprias virtudes. Emulam um “dever ser”.
Arremedam um desenho de si, ornamentado para atender às exigências do seu
orgulho neurótico, glorificar suas qualidades ilusórias. Para esses tipos,
ninguém presta. Aliás, quanto menos eles mesmos prestam, mais declaram a
imprestabilidade geral.
Ora, o
mundo real não se reduz a um discurso afetado de pureza; realidade não é
higienizável. Não obstante, a humanidade, ou uma parte dela, vem tendo um
trabalhão danado para melhorar as coisas. Na esfera individual com reflexo na
vida pública a primeira marca civilizatória, o abrir mão do ímpeto e da força,
o controle do Id, até hoje não é questão resolvida. Somos bons ou maus? (ver
Hobbes, Rousseau, Freud etc.).
Talvez, não
fossem os meios de repressão (em geral postos a serviço do sistema dominante) e
as formatações ideológicas (que “oferecem” visões de mundo), o incivilizado
imperaria. Nos intentos cívicos, o esforço de democratizar as relações de poder
nunca se concluiu. Somos pouco de república e muito de personalismo no universo
político. No Brasil, há orgulho em declarar “eu não voto em partido, eu voto na
pessoa”.
Pode-se
objurgar: “a política é suja”; sobejam ilustrações do argumento, ou da falácia.
Por isso mesmo dar relevo à ocasião eleitoral é necessário. Todavia, na equação
do senso cívico há que considerar objetivamente as condições materiais da Pátria,
as relações históricas que as produziram e mantêm, ou seja, há que se encarar a
política como ela é, sem abstrair artificialmente os fatos indesejados, ainda
que indesejáveis.
Então, o
gesto concreto: a partir da nua realidade, emprestar alguma contribuição para
que ela seja o que se gostaria que fosse. Costuma-se chamar isso de “pôr a mão
na massa”. Quer dizer: escolha um partido, filie-se; por menos, escolha um\a
candidato\a, ajude-o\a. Se não puder entrar de frente na campanha, contate
amigo\as, ofereça informações, peça voto e algum empenho. Vá à luta, a seu
modo, mas vá.
E vote. Com
ou sem o seu voto, político\as serão eleito\as. Então, ajude a dar voz a quem
lhe pode minimante representar. Se não há o que se pode nomear melhor, vote no
mal menor. Candidato\as têm história pessoal a referenciá-lo\as. Informe-se;
bisbilhote, se necessário. Se carecer parâmetro para decidir, como as próximas
eleições são municipais, a mim me parece que deve ser a preocupação com a
gerência da cidade.
A
cidade é o lugar de viver a vida. O viver em comum é na rua, no bairro, na
comunidade, na pequena pátria, enfim. Se alguém aventar com políticas
preocupadas com o interesse geral, aí está um\a representante voltado\a ao que
interessa: merece consideração. Esse seria o rumo do meu voto; cada qual se
explique o seu. Agora... não é tudo a mesma coisa, e o possível é a política.
Fora disso, pretextos e presunção.
Léo Rosa de Andrade
Doutor em Direito pela UFSC.
Psicanalista e Jornalista.