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Fêmeas de mamangava visitando uma flor de chamaecrista no campo. Inseto vibra as partes internas da flor para extrair os grãos de pólen ricos em proteínas, que são levados para suas larvas no ninho (foto: Anselmo Nogueira) |
Experimentos feitos na UFABC
mostram que microrganismo essencial para a fixação de nitrogênio exerce papel
fundamental na reprodução de leguminosa nativa do Brasil
Uma bactéria que vive no solo e
é conhecida por fixar nitrogênio quando associada às raízes de algumas plantas
influencia de forma decisiva a capacidade de reprodução de uma espécie nativa
de leguminosa chamada chamaecrista (Chamaecrista latistipula). Isso
porque a presença do microrganismo no solo aumenta a atratividade das flores
para os polinizadores, como revela estudo publicado esta
semana no American Journal of Botany.
Essa relação entre
microrganismos, plantas e animais é conhecida como mutualismo. Os mutualismos
são interações entre indivíduos de diferentes espécies em que todas as partes
saem ganhando, obtendo nutrientes ou se reproduzindo com a ajuda um do outro.
É o que acontece com a
chamaecrista, uma leguminosa nativa do Brasil que vive em solos naturalmente
pobres em nutrientes e que depende de um tipo específico de polinizador para
poder se reproduzir.
“Um dos mutualismos importantes
nessa espécie de planta é com as bactérias fixadoras de nitrogênio na raiz, que
aumentam a disponibilidade desse nutriente para as plantas em troca de
açúcares, que servem como alimento para os microrganismos”, conta Anselmo Nogueira, professor do Centro de
Ciências Naturais e Humanas da Universidade Federal do ABC (CCNH-UFABC), em São
Bernardo do Campo.
“Há outro mutualismo entre
essas plantas e um tipo específico de polinizador. O pólen da chamaecrista fica
encapsulado numa parte das flores e só é liberado por vibração, quando a flor é
chacoalhada principalmente por fêmeas de algumas espécies de mamangava do
gênero Bombus”, completa.
Experimentos realizados no
Laboratório de Interações Planta-Animal, coordenado por Nogueira, mostraram que
a presença dessas bactérias principalmente em solos pobres em nutrientes é
fundamental para que as flores sejam atrativas para as mamangavas.
“Observamos ainda um efeito
drástico, que não esperávamos. Como a associação das plantas com as bactérias é
muito custosa para a planta, supomos que, num solo rico em nitrogênio, as
plantas simplesmente aproveitariam o nutriente diretamente do solo. Nos nossos
experimentos, porém, solos ricos em nutrientes não produziram plantas saudáveis,
com flores atrativas”, explica Caroline Souza, primeira autora do estudo
apoiado por bolsa de
treinamento técnico da FAPESP.
O trabalho integra o projeto “Efeitos sinérgicos de múltiplos mutualistas nas plantas:
como bactérias, formigas e abelhas contribuem para a evolução de um grupo de
leguminosas”, vinculado ao Programa
BIOTA-FAPESP e coordenado por Nogueira.
Bactéria,
planta e inseto
Para chegar aos resultados, os
pesquisadores acompanharam o crescimento de 60 pés de chamaecrista, desde a
germinação das sementes, por 16 meses. As plantas foram cultivadas em duas
condições de solo. Metade em uma mistura composta de 90% de areia e 10% de
terra vegetal, com uma baixa concentração de nutrientes, especialmente
nitrogênio. A outra metade foi cultivada em solo rico em matéria orgânica e
suplementado com nitrato de potássio, que libera nitrogênio no solo. A acidez
dos dois solos foi monitorada por seis meses, para garantir que ambos
estivessem neutros e não influenciassem a relação entre raízes e bactérias.
Antes das sementes serem
plantadas, porém, foram esterilizadas com álcool, água sanitária e peróxido de
hidrogênio, a fim de eliminar qualquer bactéria que pudesse influenciar os
resultados. Logo depois, foram lavadas com água destilada. Com o mesmo
objetivo, o solo passou por esterilização em uma autoclave, em que os
microrganismos são eliminados por altas temperaturas.
Os dois tipos de solo foram
então subdivididos em quatro tratamentos. Em metade dos potes com solo arenoso
e pouco nitrogênio e em metade das plantas cultivadas em solo rico em matéria
orgânica e nitrogênio foi acrescentada uma solução rica em rizóbio, um
tipo de bactéria conhecido pela capacidade de fixar nitrogênio nas raízes. Os
demais potes permaneceram sem as bactérias. Os microrganismos aplicados foram
isolados diretamente de nódulos das raízes da mesma espécie de chamaecrista
obtidas em populações naturais.
Nos solos arenosos e pobres em
nitrogênio, em que as bactérias não foram adicionadas, as plantas cresceram
muito pouco, com folhas sempre amareladas evidenciando carência de nitrogênio.
As plantas que obtiveram melhor desenvolvimento foram as cultivadas em solo
arenoso e com presença de rizóbio.
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Nódulos das raizes de chamaecrista, onde os rizóbios se proliferam e fixam o nitrogênio, especialmente quando as plantas estão em solo arenoso com baixa disponibilidade de nutrientes foto: Anselmo Nogueira |
“Nos solos arenosos pobres em
nitrogênio, mas com a presença das bactérias fixadoras de nitrogênio, as
plantas eram quase duas vezes mais altas e três vezes maiores do que as
cultivadas em solo com matéria orgânica, rico tanto em bactérias quanto em
nitrogênio. Por outro lado, plantas em solos pobres em rizóbio, tanto no solo
arenoso quanto no rico em matéria orgânica, tiveram alturas relativamente mais
baixas e eram menores no geral do que as que tinham rizóbio”, relata Nogueira.
Além disso, as flores foram
analisadas com um espectrofotômetro de superfície, instrumento que mede como a
luz é refletida. “A partir dessas medidas de reflectância nas flores, testamos
se os contrastes de cor perceptíveis às abelhas foram alterados entre os
diferentes tratamentos de solo e bactérias”, relata Souza.
A maior parte dos componentes
das flores não teve padrões diferentes entre os tratamentos. No entanto, as
anteras das flores que cresceram em solo arenoso, pobre em nitrogênio e rico em
rizóbio, exibiram um padrão considerado mais atrativo para as mamangavas, que
enxergam em um espectro de luz diferente do nosso.
“As anteras são justamente onde
fica o pólen das flores, que só pode ser acessado por insetos que conseguem
vibrá-las, algo que espécies exóticas como as abelhas europeias (Apis
mellifera) não conseguem”, afirma Souza.
O pólen é uma fonte de
proteínas essencial para o desenvolvimento das larvas das abelhas, incluindo as
mamangavas e demais abelhas nativas.
Realizadas as medições, os
pesquisadores tiraram as plantas dos vasos para analisar as raízes. Uma
indicação de que houve uma interação entre rizóbio e planta é a quantidade de
nódulos nas raízes.
Os nódulos são estruturas
formadas nas raízes quando as bactérias infectam as plantas por essa via. É
neles que se dá a simbiose mutualista entre plantas e bactérias e onde as
bactérias fixam o nitrogênio atmosférico, produzindo aminoácidos essenciais
para as plantas. Em contrapartida, as plantas fornecem açúcares para as
bactérias, que se proliferam dentro dos nódulos.
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Á esquerda: plantas de chamaecrista inoculadas com as bactérias
fixadoras de nitrogênio no final do experimento. As maiores com muitas flores
estão em solo arenoso com poucos nutrientes, as plantas menores com folhas
verde mais claras estão em solo com muita matéria orgânica, rico em nutrientes.
À direita: plantas de chamaecrista que não foram inoculadas com as bactérias
fixadoras de nitrogênio no final do experimento. Independentemente do tipo de
solo, todas as plantas ficaram baixas, quase sem flores, e produziram folhas
pálidas e amareladas, com menor produção de clorofila (clorose), evidenciando o
déficit de nitrogênio (fotos: Anselmo Nogueira) |
De todos os tratamentos, o que
mais resultou em nódulos foi o dos solos arenosos, pobres em nitrogênio, mas
com presença de rizóbio.
“Queremos saber agora se esse
pólen, acessível apenas às fêmeas de abelhas nativas, é enriquecido de
proteínas e aminoácidos por conta dessa parceria entre bactérias e plantas. A
maior atratividade das flores pode estar ligada a uma maior qualidade e
quantidade dos recursos, influenciados pela alta taxa de fixação de nitrogênio
nas raízes dessas plantas”, encerra Nogueira.
O artigo Nitrogen-fixing bacteria boost floral attractiveness in
a tropical legume species during nutrient limitation pode ser
lido em: https://bsapubs.onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1002/ajb2.16363.
André Julião
Agência FAPESP
https://agencia.fapesp.br/presenca-de-bacteria-no-solo-torna-flores-mais-atrativas-para-polinizadores-aponta-estudo/52137