Quem nunca sonhou em vivenciar um conto de fadas, que atire a primeira pedra. Geralmente, as mulheres sonham em encontrar sua metade da laranja e viver um grande amor. Na prática, nem toda história acaba com um final feliz. Essa busca por uma paixão pode levá-las a envolver-se em relacionamentos abusivos ou tóxicos. Para a psicóloga especialista em neurociência do comportamento, Sabrina Amaral, a porta de entrada de relacionamentos insalubres é a baixa autoestima. “Na infância, aprendemos a desenvolver nossas primeiras relações com os nossos pais e pessoas próximas. Assim, temos nossas necessidades básicas atendidas através do afeto e atenção, determinantes na vida adulta na maneira como você se coloca, interage e se posiciona com os vínculos que você desenvolve, saudáveis ou não”, conceitua.
Sabrina Amaral enfatiza que quando possuímos uma visão positiva de nós mesmos, somos capazes de comunicar de forma saudável ao outro o que desejamos e precisamos em um relacionamento. Se a contraparte não compreende ou não aceita mudanças, é mais fácil estabelecer limites ou até mesmo considerar o término da relação. Por outro lado, pessoas que possuem carências e sentimentos de falta acabam criando a expectativa de conseguir no outro, aquilo que elas gostariam de ter. Nessas projeções emocionais, não percebem que estão em relacionamentos conturbados. “Nem sempre as relações abusivas são evidentes, muitas vem disfarçadas numa roupagem de amor e atenção. E é nesta fronteira que as coisas se complicam”, destaca a especialista.
Uma
prova disso é o estudo feito pela ONU Mulheres durante a pandemia, que levantou
números impressionantes. Mais de 243 milhões de mulheres com idades entre 15 e
49 anos sofreram algum tipo de violência física, emocional, patrimonial e/ou
sexual durante a pandemia. Dessas, menos de 40% reportou o crime ou procurou
algum tipo de ajuda. A diretora executiva da entidade e vice-secretária geral
das Nações Unidas, Phumzile Mlambo-Ngcuka, declarou que existe
uma pandemia invisível de violência doméstica.
Não
obstante, esses relacionamentos podem se transformar rapidamente em violência,
segundo a psicóloga, que define abaixo as seis fases do relacionamento abusivo:
CONSTRUÇÃO
DA IMAGEM: O DISFARCE PERFEITO Nesta etapa, conhecida como efeito
camaleão ou mimetismo, o abusador é capaz de ler, identificar e decifrar
as necessidades do outro. Com base nisso se adapta para caber no que
falta ao outro e se empenha para parecer sua alma gêmea. Quando percebe
que cativou a vítima, começam os sinais de ciúmes leves, que podem ser vistos
como amor, cuidado, preocupação, atenção, carinho: ‘Não saia com essa roupa,
vão mexer com você’, ou ainda, ‘não se comporte assim, as pessoas vão te
julgar’.
Esse
foi o caso da analista Sênior de Processos, M.A., de 30 anos. "No começo
ele era encantador, se mostrava atencioso e cuidadoso. Não via o excesso de
cuidado como algo ruim e não percebi tão cedo a posse e o ciclo de abuso. Ele
descontava o ciúme e a baixa autoestima em mim e tornava pequenas ocasiões em
grandes acontecimentos. Bastava eu falar com alguém que ele não gostava, que
começavam as brigas e até ameaças de agressão”, descreve.
ADESTRAMENTO
No geral, esse comportamento é sutil e a parte abusada passa por um tipo
de adestramento. Há uma recompensa cada vez que a ordem é obedecida e a
dinâmica é reforçada pela sensação que a vítima tem de que está sendo cuidada.
Gradativamente vai permitindo que a parte abusadora ultrapasse os limites.
JUSTIFICATIVA
A terceira fase que é a culpabilidade. A parte abusadora passa
culpar o outro por seu comportamento disfuncional e até mesmo agressivo.
O abusado começa a se distanciar de si e deixa de impor limites. A pessoa
perde sua identidade em troca de migalhas de afeto e atenção. O sentimento de
culpa vai sendo cultivado e inibe qualquer reação contra a dinâmica abusiva da
relação.
DISTANCIAMENTO
Nos altos e baixos da relação, quando a pessoa abusadora percebe que a outra
parte começa a se incomodar, ele trabalha o distanciamento. Esta é a
quarta fase das relações abusivas, quando a vítima busca um contraponto de suas
ações e a cada validação, sofre descrédito. Em um segundo momento, passa a
isolar o outro de sua família, de amigos e colegas de trabalho, no objetivo de
minar a sua capacidade de acreditar em sua rede de apoio. "Eu estava
num vórtice da relação, onde me sentia fragilizada, desolada e com a autoestima
tão baixa que não tinha forças para sair. Eu me vi longe de todo mundo e até
alguém conseguir alcançar ou estender a mão, demorou", relembra a analista.
NORMALIZAÇÃO
Depois de dominada, a parte abusada é submetida a uma dinâmica de oscilação
emocional amor e desprezo. Há um ciclo intermitente de tensão e
explosão, seguidos de fases de reconciliação e calmaria. A vítima
realmente acredita que todos os relacionamentos são assim, relativiza, acha
normal e ignora os sinais evidentes de abuso. Nestes momentos, não é incomum a
parte abusadora alimentar as inseguranças da outra pessoa. Ela provoca
situações de ciúmes, dando a entender que tem alguém lhe rondando na rede
social, com propósito de desvalorizar o outro. A ideia é fazê-lo se
sentir insuficiente e inseguro.
RESIGNAÇÃO No último degrau desta escada vem a resignação, quando a parte abusadora convence ao outro de que ele é incrível e insubstituível. São utilizados argumentos depreciativos como: ‘se você me largar ninguém vai te querer’. Nesse estágio, qualquer tentativa de reagir à situação pode culminar em discussões violentas, por vezes culminando na agressão física. “Um dia a pessoa segura seu braço mais forte, outro dia te empurra e as coisas vão evoluindo até se transformarem em verdadeiras surras”, descreve Sabrina.
Quando
ouvimos a palavra “violência”, automaticamente pensamos em agressões físicas,
hematomas e machucados, mas a psicóloga alerta para vários tipos de violência
que não identificamos no dia a dia. São elas:
Violência
psicológica: quando a vítima sofre humilhação, insultos, isolamento perseguição
ou ameaças.
Violência
moral: quando envolve calúnia, injúria ou difamação de qualquer tipo.
Violência
patrimonial: quando o dinheiro é controlado, não há permissão para compras,
pertences são destruídos, bens e propriedades ocultados e a vítima é proibida
de trabalhar.
Violência
física: quando a vítima sofre agressão corporal como empurrões, chutes,
imobilizações ou surras.
Violência
sexual: quando há pressão para ter relações ou práticas que não gosta, há
recusa ao uso do preservativo ou qualquer outro método contraceptivo.
Porém, desvencilhar-se de relacionamentos abusivos, apesar de parecer a parte mais difícil, é só o começo. “Para não cair nesta cilada novamente é muito importante que você entenda qual foi o ônibus que você pegou para chegar neste ponto da sua vida, ou seja, qual é a sua responsabilidade por sair dessa e nunca mais permitir que isto te aconteça novamente”, enfatiza Sabrina. Além disso, seja firme, decida de fato que você merece mais passar por este sofrimento e coloque um fim neste dinâmica tóxica das relações abusivas. Não se isole, acione sua rede de apoio e peça ajuda no resgate da autoestima e fuja da armadilha de relativizar o dano que você sofreu.
Em
paralelo, busque ajuda profissional para se fortalecer, entender o que fez você
se submeter aos relacionamentos abusivos. É fundamental se conhecer melhor para
fazer escolhas mais condizentes com aquilo que você merece de verdade.
https://www.instagram.com/sameajuda/
https://www.instagram.com/epopeia.com.br/
https://www.linkedin.com/in/a-sabrina-amaral/
https://epopeia.com.br/
https://www.youtube.com/@EpopeiaDesenvolvimentoHumano/videos