Em tempos de consumidor consciente e
em busca de propósito, o especialista em governança Luiz Fernando Lucas mostra
como aplicar esse conceito no dia a dia da empresa faz toda a diferença
Mesmo estando na pauta
principal das grandes empresas e fundos de investimento no mercado financeiro,
o ESG, sigla em inglês que está na moda e significa ambiental, social e
governança ou, em resumo, sustentabilidade empresarial, hoje faz toda a
diferença para qualquer negócio - o que inclui micro, pequenos e até
empreendedores individuais.
E isso não depende de gastos
exorbitantes com consultorias nem com áreas jurídicas para adaptar a empresa ao
mercado, mas sim de mudança de consciência e atitude na cultura da empresa – e
que no caso da pequena, é mais fácil ainda pois é centrada na figura do dono,
do líder, do fundador, segundo Luiz Fernando Lucas, consultor especializado em
governança, compliance e ESG.
Para entender um pouco mais
sobre como os pequenos negócios podem aplicar ESG na prática, leia a seguir a
entrevista com o especialista, advogado com MBA em Gestão e Marketing
e extensão na Kogod Business School, da American University de Washington,
e autor do livro "A Era da Integridade" (Ed.Gente).
Os conceitos
ESG estão na moda. Faz sentido o pequeno negócio aplicá-los no dia a dia da
empresa?
Há uma confusão no mercado de
que ESG seja um modelo de negócio, uma ferramenta de gestão. ESG é uma
filosofia de vida, um jeito de fazer as coisas. Não existe ESG sem uma
liderança consciente.
Dado esse preâmbulo, o conceito
cabe para qualquer empresa. Talvez para uma pequena empresa não seja viável nem
faça sentido fazer relatório de sustentabilidade ou social, porque o que ela
gastaria para dizer o que faz, talvez fosse maior do que ela consegue fazer.
Vamos pelas siglas: a
Governança, por exemplo, faz sentido para qualquer empresa. As startups
começaram a entender que, para poder escalar, crescer, é preciso ter
governança. Faz sentido ter um conselho consultivo, faz sentido trazer esses
conceitos para o dia a dia.
Quanto ao Social e Ambiental,
arrisco dizer que, se as grandes empresas estão fazendo isso de maneira
organizada e com volume maior, as pequenas empresas, pela minha experiência
prática, já fazem isso conectadas com a família, com o bairro, com o cliente
que ela conhece pelo nome.
Então, é muito possível aplicar
ESG para uma pequena empresa se for encarado como uma filosofia de negócio, de
vida e de consciência humana.
Hoje os
consumidores querem uma empresa com propósito, uma marca que não agrida o meio
ambiente, que trate bem os funcionários... Explique como essa questão de
consciência pode fazer sentido para um pequeno empreendedor?
Se o empreendedor tiver
propósito de causar algum impacto positivo na vida das pessoas, fará ainda mais
sentido para ele do que pagar contas e viver daquilo.
Mesmo que seja um empresário
individual numa microempresa, se tiver governança, métodos que tragam
transparência e clareza na gestão que ele possa mostrar para qualquer pessoa, a
empresa dele tem maior chance de sobrevivência, de sucesso.
Até agora, falei do ponto de
vista do ser humano consciente do seu papel. Mas tem o da inteligência também.
Se uma empresa começa com governança, fazendo seu negócio, produto ou
serviço respeitar, proteger e contribuir para o meio ambiente e, além de
lucrar, ajude as pessoas do bairro, da comunidade, vai ter um monte de gente
querendo que ela cresça.
Ou seja:
aquele conselho de mudar o tal do mindset faz toda a diferença.
Isso. Índices e pesquisas
mostram que empresas listadas na B3 (bolsa de valores), que possuem ESG, têm
mais lucro, mais longevidade e crescem mais do que as que não têm. Então, se
não é por consciência, e sim por inteligência, a chance de se tornar uma
empresa de médio e até grande porte é muito maior.
E num terceiro nível, se não
por consciência nem por inteligência, direi que é por necessidade, para
sobreviver no mundo de hoje. Os consumidores estão atentos, a comunidade está
atenta, as pessoas não querem mais um produto que polua o meio ambiente,
desrespeite as pessoas... ou então essa empresa, mesmo pequena, vai causar uma
crise de imagem, ninguém vai querer trabalhar lá.
Fazer o certo é o único jeito
de dar certo, então adotar ESG como filosofia de negócio faz com que empresas
de pequeno porte, por menores que sejam as ações e intenções e capacidades de
realizar, têm de entender que ESG não é algo a mais para fazer, mas uma forma
de escolher fazer as coisas.
Uma das
grandes preocupações dos pequenos negócios são os custos. Dá para adotar
práticas ESG sem grandes interferências no caixa?
Antes de ser um assunto para
consultorias que estão oferecendo serviços, modelos, implementações,
relatórios, por mais que seja necessário para uma grande empresa que vai por
essa linha jurídica, de criar políticas de compliance, vale lembrar que o
ESG é uma sigla nova, mas os conceitos são antigos.
Antes de consultoria e do
jurídico, ESG é cultura, cultura de valores, de desenvolvimento de pessoas, de
líderes, de tratar de pessoas e lideranças de maneira consciente, fazendo tudo
dentro desses princípios. E aí eu acrescento o compliance, que é estar dentro
das regras e leis, para levar para a integridade de uma empresa. Ou seja, tudo
no negócio dele pode ter ESG.
O senhor
pode dar um exemplo prático?
O papel do empreendedor, dentro
dos conceitos ESG, é conhecer fornecedores, a cadeia produtiva, as necessidades
dos seus prestadores de serviços e dos seus funcionários, fazer
seu produto, marketing e gestão serem o mais sustentável possível do ponto
de vista ambiental, social e de governança.
Há um grande equívoco quando
pessoas tentam rotular ESG como ação social ou voltada ao meio ambiente.
Não, isso são ações externas da empresa que somam ao ESG, lá no âmago do
negócio.
Porque, infelizmente, há
empresas que ganham prêmios, publicam relatórios mas, na prática, as pessoas
não querem trabalhar lá, há um turnover horroroso, vai nos
“Reclame Aqui da vida”, na ANS ou em outros órgãos reguladores e vê um
monte de reclamação, ou tem um monte de processos no Judiciário.
De que adianta ter ESG por
fazer ação para o meio ambiente ou de caridade para os outros verem, se
seu próprio negócio não respeita nem o meio ambiente nem as pessoas?
Tem de
tomar cuidado para não incorrer em greenwashing (falsa
aparência de sustentabilidade), certo?
Isso. A grande pauta que tenho
trazido, repito, é que ESG é cultura, é desenvolvimento de pessoas, de
lideranças conscientes. Porque aí tudo o que eu for fazer vai ter como pauta o
ESG, e não algo que faço só para mostrar para o mercado e valorizar minha empresa.
Porque tem gente que é
desonesta por natureza. O indivíduo comanda o negócio dele naquela base
não porque tem valores, mas porque é obrigado, paga impostos quando exigem...
Mas, na prática, faz tudo errado. O problema é o ESG ou a forma desse líder
encarar o mundo?
Se o empreendedor tem
integridade, consciência do seu papel no mundo, não vai tirar nota fiscal e
pagar seus impostos porque alguém obrigou, é porque ele não vê sentido em não
fazer assim.
E na pequena empresa isso é
muito mais evidente. A grande tem departamentos, gente, estrutura,
normalmente está no mercado, tem um grande capital financeiro e intelectual e
know how para fazer... Então aquilo passa a ser um processo, uma área, um
pedaço de um todo. Já na pequena, o que faz diferença é a cabeça do líder,
do dono, do fundador ter ESG como cultura de valores.
O senhor
pode dar exemplos de pequenos negócios que já aplicam conceitos ESG?
Tem uma empresa de chocolates
chamada AMMA, que nasceu para proteger os produtores de cacau e que tem responsabilidade
ambiental com a cadeia de produção. E pequenos restaurantes em São Paulo, como
a Enoteca Saint VinSaint (de vinhos veganos e artesanais).
Ou o Banana Verde, cujos
donos sabem tudo o que vai no prato: quem é o produtor de cada alface,
onde moram, sua família. Ou seja, são exemplos tangíveis de locais em que
não há um produto que não tenha uma história de respeito às pessoas e ao
meio ambiente por trás.
Hoje tem
até fundos de investimento ESG. Dá para dizer então que quem não mudar
essa cultura vai desaparecer do mercado?
Sim. Essa questão ESG veio do
mercado financeiro, foi quem fez a sigla, pois os grandes fundos começaram a
falar: só invisto nessa empresa se ela for ESG. Começou pelo Black Rock, o
maior fundo de investimentos do mundo, que começou a fazer e pautou todo mundo.
Agora, é óbvio que o pequeno
tem mais dificuldade de sobreviver que o grande porque ele não tem capital
fácil. Mas, para os negócios sobreviverem hoje é só parar para olhar: os
consumidores estão mais exigentes, querem cada vez mais produtos orgânicos,
sustentáveis, empresas responsáveis... E está vindo uma troca de geração por aí
de olho nisso.
A empresa se envolve num
escândalo, perde valor de mercado na B3. Mas no caso de uma pequena, é mais
complicado ainda porque não é só a empresa: é a família, é o funcionário...
todo mundo está de olho.
Se o dono se envolver num
escândalo, perde o cliente imediatamente. Então sim, é uma questão de
sobrevivência, em curto prazo para alguns, e médio e longo para
outros. E não porque é algo relacionado ao negócio: é uma
transformação cultural em toda a sociedade que está cada vez mais
consciente.
Mas vale destacar: se uma
empresa apenas contratar consultorias, ela não tem ESG. Não existe ESG sem
liderança consciente. Pode ter documentação, relatório, mas não necessariamente
ser uma empresa consciente, com integridade. E aí o ESG pode ser só greenwash,
mesmo.
Qual sua
dica para o empreendedor que ainda não adotou esse conceito?
Se não aplicar o ESG em sua
mentalidade, ou o pequeno empresário vai quebrar ou ter uma
crise existencial. Ainda mais depois dessa pandemia, quantos ficaram com a
saúde debilitada, crises depressivas, ansiosos pela dificuldade em dar
continuidade aos negócios?
Se ele não mudar
esse pensamento, ou vai acabar com a saúde, com o bolso, ou com os dois.
Para prosperar, o empreendedor não tem de ter só sustentabilidade do
negócio, mas de si próprio.
Por isso dou uma dica, vinda do
Oráculo de Delfos: conhece a ti mesmo, antes mesmo da sua empresa. O pequeno
empresário vive à beira de um ataque de nervos pois vivemos num país difícil,
com muita burocracia, altos impostos e, nesse caso, o lugar que dói primeiro é
o bolso.
Ninguém consegue estar bem
emocional e mentalmente com a saúde financeira abalada. Por isso, é bom buscar
autoconhecimento para poder sustentar a pressão e as dificuldades, pois elas
vão passar.
Karina Lignelli
https://dcomercio.com.br/publicacao/s/por-que-esg-e-para-todos-ate-para-pequenos-negocios