Para elas,
inspirar meninas para carreira científica, mudar estereótipos da profissão e
dar visibilidade às realizações de mulheres pesquisadoras são principais
conquistas
Um ambulatório voltado a compreender e tratar as
sequelas pós-covid, uma pesquisa sobre a doença pulmonar obstrutiva crônica e
um estudo sobre o impacto do coronavírus no coração. Quem está por trás de
todos esses projetos são pesquisadoras brasileiras dedicadas a contribuir e dar
respostas aos problemas da sociedade, especialmente durante a pandemia. No
último século, as mulheres vêm conquistando espaços na vida social, política e
profissional que, por muito tempo, foram restritos aos homens. Os avanços são vários, e figuras femininas ocupam hoje papéis de
liderança na saúde e na
pesquisa.
O reconhecimento da participação feminina na
ciência é um fato recente na história. Somente após a segunda metade do século
20 é que elas começaram a ter maior acesso à carreira científica e a posições
antes ocupadas apenas por homens. De acordo com o relatório "A Jornada do
Pesquisador pela Lente de Gênero", publicado pela Elsevier, em 2020, a
participação de mulheres nos mais diversos campos da ciência oscila entre 20% e
49% nos quinze países estudados. Na pesquisa, o Brasil figura entre os mais
próximos do equilíbrio na proporção entre homens e mulheres na autoria de
artigos científicos, com 0,8 mulher por cada homem. O desempenho é superior ao
do Reino Unido, com 0,6, e ao dos Estados Unidos e da Alemanha, ambos com 0,5.
"A proporção de pós-graduandas é maior que a
de homens, mas nos papéis de liderança eles ainda são a maioria", pontua
Cristina Baena, coordenadora do ambulatório pós-covid montado pelo Hospital
Universitário Cajuru, em parceria com a Pontifícia Universidade Católica do
Paraná (PUCPR), em Curitiba (PR). Ao considerar que a mulher como gestora tem
uma habilidade emocional importante para conduzir a equipe de forma mais
acolhedora, a pesquisadora entende que a carreira da mulher na ciência precisa
prever momentos que são característicos da sua vida, sobretudo a maternidade.
"É possível ser mulher, mãe e pesquisadora, mas é preciso um grupo de
apoio, pois sozinha é muito difícil", conta Cristina, que, ela mesma,
encarou a criação de um filho enquanto realizava mestrado, doutorado e pós-doutorado.
As contribuições que as
mulheres podem trazer para a ciência, tecnologia e inovação, além da promoção de
melhores condições de
vida e justiça social
genuína, são inúmeras. Mas o caminho para conquistar esse espaço não é fácil.
"A busca da equidade entre homens e mulheres passa pela reflexão e
redefinição de
conceitos sobre o papel de ambos na sociedade", sinaliza a pneumologista
dos hospitais Marcelino Champagnat e Universitário Cajuru,
Rebecca Stival. De acordo com a pesquisadora, o primeiro passo seria a
conscientização dos
homens da importância da participação deles na construção de uma sociedade mais igualitária.
"São várias barreiras que precisamos quebrar para chegar num mundo mais justo,
mas nada que não consigamos alcançar", defende.
A ciência e a equidade de gênero são medidas
fundamentais para melhorar as condições de vida e a conservação do planeta. É o
que pontuou a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável, promovida pela
Organização das Nações Unidas em 2015. Entretanto, tudo indica que nenhum país
no mundo terá alcançado a igualdade entre os gêneros daqui a oito anos, de
acordo com os dados do primeiro ranking de gênero dos Objetivos de
Desenvolvimento Sustentável (SDGs), estabelecidos pela Assembleia Geral das
Nações Unidas. O último relatório do Fórum Econômico Mundial apontou que a
desproporção de gênero no trabalho aumentou e apenas daqui a 267 anos o
equilíbrio será alcançado.
Mulheres motivam mulheres
Inspirar meninas para a carreira científica, mudar
estereótipos da profissão de cientista e dar visibilidade às realizações de mulheres pesquisadoras. Esses são alguns
dos desafios quando se fala sobre gênero e Academia e, entre eles, há uma
necessidade em comum: um novo olhar para a forma como se comunica a ciência.
"É preciso ver para crer que é possível conquistar um espaço dentro da
ciência”, afirma a cardiologista e médica da qualidade do Hospital Marcelino
Champagnat, Camila Hartmann. Para ela, as mulheres precisam ter modelos a serem
seguidos. “Se você vê uma mulher fazendo um trabalho relevante e memorável,
você pensa ‘eu também posso fazer isso!'", argumenta.
Ciência é uma opção de futuro para as mulheres? São inúmeras as
cientistas que se destacam com trajetórias acadêmicas e profissionais brilhantes dentro da ciência,
inspirando outras meninas a acreditarem, persistirem e não desistirem de
trilhar caminhos igualmente bem sucedidos. Como é o caso da pesquisadora
Rebecca Stival, que cresceu em um círculo de mulheres fortes e acredita no
poder do diálogo com estudantes. "É importante conversar com as mulheres
que estão começando na ciência e deixar claro que o caminho não será fácil.
Vamos cair, levantar, rever hipóteses e no final conquistar nosso espaço. Não
precisamos ser iguais aos homens. Temos diferenças que nos tornam únicas e que
precisam ser respeitadas", declara ela, que estuda impactos e tratamentos
de enfisema na doença pulmonar obstrutiva crônica.
"A mulher tem que se expor mais, acreditar
mais em si mesma e falar com segurança. De igual para igual, para ser
respeitada nesse meio", declara a pesquisadora Camila Hartmann, que está à
frente do estudo sobre o impacto do coronavírus no coração. Os contextos
sociais e culturais são diversos, mas há muitas semelhanças nas inspirações e dificuldades encontradas por mulheres que
trabalham com ciência ao redor do globo. Essa inspiração e esse exemplo são
fundamentais para que cada vez mais mulheres permaneçam na ciência em tempos
ainda mais desafiadores. "É de vital importância gerar e apoiar modelos
que estimulem a diversidade nas ciências e que incorporem um olhar de gênero
com foco no engajamento, reconhecimento e liderança de mulheres e meninas na produção científica",
considera.
"Ser pesquisadora é realizar um trabalho que
representa o máximo da nossa entrega para a sociedade", declara Cristina
Baena, professora e coordenadora de pós-graduação na PUCPR e uma das
coordenadoras do Centro de Ensino, Pesquisa e Inovação dos hospitais Marcelino
Champagnat e Universitário Cajuru, que fez parte de dezenas de estudos para
compreender o comportamento da covid-19. Ela explica que o artigo
científico é apenas a ponta do iceberg, uma vez que o trabalho inicia na
formulação do projeto, passa pela pesquisa de campo, segue na sistematização
dos dados e, então, chega no resultado final. Um resultado que nem sempre é o
esperado e que algumas vezes precisa ser reformulado. "No momento de
incerteza, reafirmamos nossa missão e respondemos com produção de conhecimento
e qualificação de recursos humanos. A ciência é o caminho para o futuro",
finaliza.