Em época de verão, sobretudo no mês de janeiro, o estado de São Paulo é marcado por uma série de empoçamentos, inundações e fortes temporais. Somente no primeiro mês de 2022, mais de 500 pessoas ficaram desalojadas após os estragos provocados por enchentes e 33 pessoas morreram. A situação é recorrente e vem causando deslizamentos, pontos da cidade ilhados e transbordamento de rios. De acordo com o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), as precipitações aumentaram quase 55% neste século. Mas será que esta é principal culpada pelos desastres?
Temos que enfatizar que esse não é um problema de
momento, ele é fruto da estruturação do desenvolvimento urbano da cidade de São
Paulo; a construção da metrópole foi realizada em cima de diversos rios e
córregos, além de ocupações de várzeas e encostas vulneráveis. Por essa razão,
não é possível conter de forma efetiva os problemas decorrentes de águas pluviais
na capital paulista. Tendo isso em mente, devemos aprender a conviver com o
problema por meio de sistemas de alerta e contenção das águas pluviais onde se
precipitam, evitando ao máximo as conhecidas enxurradas, ou seja, acelerar as
águas, afastá-las o máximo possível, o que acaba transferindo o problema de um
ponto a outros.
O fato é que o Estado teve um crescimento
desordenado, muitas residências foram construídas sobre e sob encostas, rios e
córregos, bem como ocupando suas margens vulneráveis às cheias, alterando ou
acelerando o percurso normal das águas que acabam em fundos de vale, como a
calha do rio Tietê. Parte do problema se dá pela construção de casas em locais
inapropriados, terrenos frágeis, que deveriam servir como infiltração da água
excedente e acabaram impermeabilizados com concreto e asfalto, acelerando as
águas pluviais. Ninguém gosta ou escolhe morar em locais de risco, mas essa
população mais carente não encontra outra solução de moradia e pouco se faz
para prevenir os riscos.
A falta de área verde e o despejo de lixos na
cidade acentuam ainda mais o problema, pois o ambiente natural propicia a
infiltração de água no solo, reduzindo o escoamento mais acelerado pela
superfície de um solo em geral impermeabilizado. Já o acúmulo de lixo e
entulhos lançados nas ruas entope as bocas de lobo, obstrui o escoamento em
córregos, atrapalhando o escoamento da água, principalmente se pensarmos que
estes sistemas de drenagem urbana não foram planejados para suportar lixo
combinado com chuvas cada vez mais intensas.
A construção de piscinões em áreas de grandes
alagamentos, visto como uma possível solução, não deveria mais ser o único foco
da gestão da Prefeitura de São Paulo, pois não é só por meio dessas grandes
obras que vamos conseguir melhorar a qualidade de vida da população. O
paradigma até hoje foi sempre de canalizar, fazer piscinão e 'acelerar' as
águas, no entanto, algumas alternativas devem ser priorizadas, tais como:
construção de jardins de chuva, bacias de retenção e infiltração da água no
solo e a recuperação da vegetação para infiltrar e reter as águas pluviais,
recarregando os aquíferos, o que possibilitaria algum aproveitamento hídrico na
época da estiagem sazonal da capital.
Não foi a falta de planejamento e conhecimento que nos
levou a atual situação, mas a falta de ação que tivesse uma diretriz mais
ampla, e não promover somente a visão de soluções que se limitassem aos fundos
de vale, sejam canalizações, sejam piscinões. A ineficácia dos investimentos
públicos fica cada vez mais patente e as melhorias acabam ficando aquém do
tamanho do problema. Isso tudo é realmente fruto de uma sucessão de decisões
anteriores.
A convivência com as chuvas é uma questão cotidiana que precisa ser trabalhada
todo dia, todo ano, para que não tenha atenção só na emergência. Temos que nos
reeducar no uso do cotidiano da cidade e convívio com suas águas, uma riqueza
intangível. As políticas públicas das prefeituras em geral são setoriais,
faltando entes que cuidem das águas pluviais, bem como faltam recursos que
garantam a prestação desse serviço urbano.
As soluções precisam ser vistas de maneira sistêmica e implantadas
cotidianamente por um ente que pode ser interfederativo, que cuide desde o
planejamento e projeto, chegando às obras, operação e manutenção de todas as
estruturas de manejo das águas pluviais urbanas. Sem uma visão coordenada, com
um ente responsável e que tenha recursos monetários de diversas origens, não
somente o IPTU, as soluções correm o risco de serem parciais e pouco efetivas.
Antonio Eduardo Giansante - especialista em recursos hídricos e saneamento ambiental e professor
da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da Universidade Presbiteriana
Mackenzie (UPM).
Valter Caldana - mestre
em planejamento urbano e regional e professor da Faculdade de Arquitetura e
Urbanismo (FAU) da Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM).
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