Numa tramitação meteórica perante a Câmara de Vereadores de São Paulo, o projeto de lei nº 685/21, de autoria do prefeito de cidade de São Paulo, visando alteração da Planta Genérica de valores e outras modificações na legislação tributária municipal, foi aprovado e em 27.11, promulgada a Lei Municipal nº 17.719/21 que, além de alterar a base de cálculo do IPTU, promoveu inconstitucional majoração no recolhimento do ISS das sociedades uniprofissionais (advogados, engenheiros, arquitetos etc).
Em relação às Sociedades Uniprofissionais, o art.
13 da referida lei altera o §12 do art. 15 da Lei n° 13.701, de 2003 (lei do
ISS) que passa a vigorar de acordo com faixas de receita bruta mensal e não
mais em bases fixas.
Como exemplo a primeira faixa de receita bruta
mensal é de R$ 1.995,26 multiplicados pelo número de profissionais habilitados,
até 5 (cinco) profissionais habilitados, sendo que a segunda faixa é de R$
5.000,00 multiplicados pelo número de profissionais habilitados, para o número
de profissionais que superar 5 até 10 profissionais habilitados e assim
sucessivamente até chegar numa valor de receita bruta de R$ 60.000,00
multiplicados pelo número de profissionais habilitados, para o número de
profissionais que superar 100 (cem).
Nesse formato, a municipalidade visa estabelecer,
para as Sociedades Uniprofissionais (SUP), valores progressivos vinculados com
a receita bruta mensal presumida da sociedade, multiplicando pelo número de
profissionais habilitados e, de acordo com a Secretaria Municipal da Fazenda,
em estudo que foi anexado no processo legislativo, o estabelecimento dessas
bases de cálculo progressivas teria um impacto positivo em cerca de R$ 200
milhões anuais aos cofres municipais.
Feitas essas necessárias e breves considerações, é
evidente que a imposição da progressividade do ISS usando como referência o
faturamento mensal presumido da sociedade uniprofissional, afronta os artigos
146, III, "a" e 150, II e IV, da Constituição Federal, bem como o
artigo 9º, §§ 1º e 3º, do Decreto Lei 406/68, e, ainda, os princípios constitucionais
da reserva legal, isonomia e do não confisco.
É que, nos termos do art. 156, III, da Constituição
Federal, o ISS é um tributo de competência dos Municípios, cujo fato gerador
deve ser instituído por meio de Lei Complementar, como estabelece o at. 146,
III, "a" da norma constitucional.
Sobre as sociedades uniprofissionais, o Decreto-Lei
nº 406/68 que foi recepcionado pela Constituição Federal de 1988 com status de
Lei Complementar, dispõe que a base de cálculo do imposto é o preço do serviço,
porém quando se tratar de prestação de serviços sob a forma de trabalho pessoal
do próprio contribuinte, será calculado, por meio de alíquotas fixas.
Lei municipal jamais poderia fixar regras para a
sociedade uniprofissional, muito menos implantar uma progressividade do ISS em
função de uma receita bruta mensal para se chegar ao valor a ser recolhido para
as sociedades uniprofissionais.
Tem-se, ainda, a súmula 663 do STF, na qual o
supremo entendeu que a tributação fixa foi recebida pela Constituição Federal,
pois o valor fixo não é benefício fiscal não ofende o princípio da isonomia e
da capacidade contributiva.
Nessa linha veio à lume a recentíssima decisão do
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, proferida em sede de RE nº 940.769 com REPERCUSSÃO
GERAL reconhecida no sentido de que o município não pode alterar/fixar regras
para sociedade uniprofissional.
É por isso que, nos termos do Decreto-Lei 406/61,
os serviços a que se referem os itens I, III, IV, V e VII, da Lista de Serviços
anexa ao Decreto forem prestados por sociedades, ficarão sujeitas ao imposto
com base em um valor anual fixo, calculado de acordo com o número de
profissionais que as integram.
O dispositivo, aliás, também não foi revogado pela
LC nº 116/03.
Nesse sentido, nos termos da Constituição Federal,
compete aos Municípios, legislar sobre assuntos de interesse local e instituir
e arrecadar os tributos de sua competência, bem como aplicar suas rendas.
Todavia, a lei municipal nº 17.719/21 extrapolando
esses limites constitucionais, deixa de estabelecer alíquotas fixas para a
cobrança do ISS, e impõe a base de cálculo de forma progressiva em razão da
receita bruta da sociedade uniprofissional.
O Decreto Lei 406/68, recepcionado com status de
lei complementar, tomou como base para o cálculo do ISSQN devido por
determinadas categorias profissionais não o preço do serviço, mas a estipulação
de valor fixo em decorrência de sua natureza ou de outros fatores. A lei
municipal nº 17.719/21 estipula uma presunção de receita bruta mensal e usa
como referência esse faturamento para determinar um valor a ser pago de ISS,
afrontando a forma estabelecida no art. 9º, § 3º, do Decreto Lei 406/68, que
que em momento algum menciona progressividade em razão da receita bruta presumida.
Diante do exposto, entendemos que a nova legislação
municipal afronta os artigos 146, III, "a" e 150, II e IV, da
Constituição Federal, bem como o artigo 9º, §§ 1º e 3º, do Decreto Lei 406/68,
e, ainda, os princípios constitucionais da reserva legal, isonomia e do não
confisco, tendo em linha de conta que em algumas situações a majoração do ISS
para as sociedades uniprofissionais poderá chegar a 3000% no ano de 2022.
Caio Cesar Braga Ruotolo - advogado tributarista em São Paulo. Associado do escritório Silveira
Law. Membro do Conselho de Assuntos Tributários da Fecomércio em São Paulo. Foi
Coordenador Jurídico da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo. Foi
membro da Comissão de Direito Tributário da OAB/SP (2017/2018) e da Comissão de
Assuntos Fiscais da CNI (2014-2020). Pós Graduado com Especialização em Direito
Empresarial pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e em Direito
Constitucional pela Escola Superior de Direito Constitucional e em Gestão de
Recursos Humanos. Experiência consultiva e contenciosa nas áreas de direito
tributário, empresarial, ambiental, aeronáutico e crimes contra a ordem
tributária.