Pixabay |
Não adianta só multiplicar por dois ou três o custo do produto para obter o preço. Para especialistas, é preciso considerar impostos, aluguéis, concorrência e entender o cliente
Comprar por 100 e vender por
200 era o que Samuel Klein, fundador da Casas Bahia, costumava dizer para
justificar o sucesso do seu negócio.
No passado, até que o mantra
poderia dar certo. Na era de e-commerce, cliente mais exigente e consciente e
revolução nos hábitos de consumo, a prática não funciona mais.
Quem garante são os
especialistas em formação de preços. E neste momento de inflação beirando os
10% ao ano, dizem eles, vai sobreviver só quem não errar no preço.
Definir o preço de um produto
é uma das maiores dificuldades do pequeno empreendedor brasileiro, de acordo
com Felipe Chiconato, consultor financeiro do Sebrae SP.
Das cerca de 1.400
consultorias que deu no último ano, diz ele, pelo menos 70% estavam focadas em
ajudar os empresários a estabelecer preços para os seus produtos.
Depois da Covid-19, cerca de
80% das demandas de clientes de Gustavo Marques, consultor financeiro
especializado em varejo, estão concentradas em precificação.
“Estou há 12 anos no Sebrae e
nunca trabalhei tanto quanto neste período de pandemia. O empreendedor se dá
conta que está com preço errado quando a economia está ruim”, diz.
Na última quarta-feira
(05/01), Chiconato deu consultoria para cinco empreendedores. “Em quatro delas,
eles me pediram para ensinar como definir preços.”
“Como a receita caiu, a
participação das despesas fixas subiu. Soma-se a isso a alta da inflação.
Resultado: uma tempestade perfeita para causar uma tragédia nas empresas”, diz
Marques.
NÃO TEM FÓRMULA
A precificação começa a
incomodar o empreendedor, de acordo com Chiconato, quando a conta da empresa
não fecha.
Isto é, quando a despesa é maior
que a receita e a operação não dá mais lucro.
Em tempo de custos em alta e
temporada de promoções e liquidações no comércio, a pressão sobre as finanças
das empresas só aumenta.
Diferentemente do que muitos
empresários entendem, não existe uma fórmula pronta para chegar ao preço de uma
mercadoria.
“O preço não é definido por
uma conta matemática. Há outros aspectos que o define.”
É claro, diz Chiconato, que o
preço não pode ser menor do que o custo do produto mais impostos, frete,
comissões e taxas pagas para administradoras de cartões, marketplaces.
O empreendedor tem de olhar
também o preço dos concorrentes e estabelecer um posicionamento da marca ou do
produto. Isto é, a faixa de valor que vai disputar no mercado.
O exemplo que ele dá é de um
X-salada, sanduíche formado por pão, carne, queijo, alface e tomate.
O X-salada de uma padaria
pode custar R$ 10, e o de uma hamburgueria gourmet, R$ 40.
“Em qual faixa de preço o
empreendedor quer se posicionar?” Esta é a pergunta que precisa ser respondida
para qualquer tipo de produto.
O empresário também precisa
identificar qual é a percepção de valor que o cliente tem de seu produto e ou
serviço.
“Se ele disser que o seu
hamburguer é um clássico dos anos 70, pode agregar mais valor para o produto?
Ninguém consegue vender para todo mundo. Precisa identificar o cliente-alvo”,
diz.
Neste cenário de
instabilidade econômica, o empresário não pode simplesmente ficar preso, por
exemplo, ao que faz uma grande marca.
“Uma loja que vende camiseta
básica não pode subir R$ 1 o preço só porque a Hering subiu R$ 1 o preço na
semana anterior”, afirma.
Os lojistas que buscam por
sua consultoria, diz ele, tendem a multiplicar por 2 ou por 2,5 o preço que
pagaram pelos produtos para estabelecer o deles.
Na verdade, diz ele, isso não
está errado, mas é uma prática que funciona como uma loteria.
“Pode dar certo, como pode
não dar. O momento atual exige um controle muito mais apurado dos custos para
formar os preços, inclusive na casa de centavos.”
Os dissídios dos
trabalhadores no comércio precisam ser considerados, diz ele, assim como os
aluguéis, que chegaram a subir 30% em 12 meses com correção pelo IGP-M.
É preciso também, neste
momento, ter muito cuidado com promoções e liquidações.
Uma cliente de Marques do
setor de vestuário colocou por R$ 190 um modelo de calça jeans que, para não
ter prejuízo, teria de ser vendido a R$ 198, no mínimo.
“Essa empreendedora multiplicava
tudo por 2,3. Se pagava R$ 100 por uma calça, vendia a R$ 230. Para ter uma
margem boa, na verdade, ela teria de multiplicar por 2,4”, diz.
Leyre da Silva Pinto, diretor
da rede de franquia Código Girls, diz que cada grupo de produtos de sua rede
tem uma margem sobre o custo.
“No jeans aplicamos 1,2, nas
peças básicas de alto giro, 0,9, nas diferenciadas, 2,5. Às vezes, reduzimos os
preços em uma das lojas por conta da concorrência local”, afirma ele.
Neste período de inflação, de
acordo com Marques, o lojista precisa ter bem claro os itens que vendem mais e
os que vendem menos, e antecipar as compras dos mais demandados.
“Um cliente vendia bem bombas
para piscina, e o que ele fez foi comprar mais este produto. Quando dobrou de
preço, ele repassou só uma parte, ficando competitivo no mercado”.
De acordo com ele, fazer
estoque de produto que vende, e não é perecível, é um bom negócio em época de
inflação alta, pois o lojista não pode cair na armadilha de subir preço todo o
mês.
A mesma fórmula que teria dado
certo para o fundador da Casas Bahia, comprar por 100 e vender por 200, não
teria a menor chance de dar certo hoje, diz ele, com o e-commerce.
Tem empresário que compra por
100 e vende por 160, diz Marques, porque consegue ter custo menor na operação.
Abaixo, Marques dá algumas
pistas de como definir preços em época de inflação elevada.
- Identifique os itens (despesas fixas, incluindo o pró-labore,
financeiras, impostos e comissões) que compõem a margem agregada utilizada
para a formação de preços
- Faça um orçamento anual de suas despesas fixas, contemplando as
projeções para cada item. No caso do aluguel, utilize o IGP-M, além de
salários e dissídios da categoria
- Invista em estoque de itens com maior giro e não-perecíveis,
fazendo compras de maior valor, pagamento à vista, ou até prospectando
fornecedores alternativos
- Controle com lupa as despesas fixas, analise a evolução e as
compare com o orçamento. Faça reduções, substituições e até elimine itens
- Reavalie os percentuais de descontos em promoções, liquidações e
saldões
Há empresas especializadas em
pesquisa de preço de mercado, com ênfase em gestão de preços e sortimento de
produtos, capazes de dar um norte para os empreendedores.
“O empresário costuma fazer o
preço olhando para o próprio umbigo. Ele desconhece a concorrência e a
percepção do cliente em relação à sua loja”, afirma Fernando Menezes, diretor
da Pesquise Já.
Menezes pediu recentemente
para um cliente supermercadista dar uma lista de produtos que, em sua
percepção, eram mais baratos do que os da concorrência.
Pesquisa feita pela Pesquise
Já constatou que apenas dez dos cem produtos listados eram de fato mais baratos
e que os clientes não tinham essa percepção.
“A loja tem de estudar os
concorrentes e os clientes e definir estratégia de preços”, afirma Menezes.
Neste momento de inflação em
alta, escassez de matéria-prima e dólar caro, o varejista, diz ele, precisa
acompanhar os passos da concorrência e renegociar com os fornecedores.
Para Menezes, o lojista deve
trabalhar com mix de margens por produto, uns com 20%, outros com 50% ou 70%,
por exemplo, não adotar um percentual para todos.
Ele recomenda que os lojistas
estudem as novas soluções que existem no mercado brasileiro para gestão de
preços, que podem ser uteis neste momento.
Para Fernanda Sales,
especialista em precificação da InfoPrice, neste período de inflação elevada
não tem outro jeito, os lojistas vão ter de sair do conforto.
Além de estudar a concorrência
e o cliente e fazer pesquisa, eles terão de monitorar a participação de mercado
para conhecer o posicionamento atual e qual querem atingir.
“Pricing não é só preço. O
lojista precisa do comercial para comprar melhor, do marketing para fazer as
promoções, do produto para não faltar mercadoria na loja”, diz.
Abaixo as dicas de Fernanda
para o lojista cuidar do preço neste momento.
- Entender melhor o processo de compra e procurar sempre as melhores
negociações com a indústria. Não esqueça de avaliar custos fixos,
variáveis e impostos
- Estudar quais são os seus concorrentes diretos, os que têm o mix de
produtos similares, que atendem ao mesmo tipo de público e que estão em
uma distância próxima
- Identificar os preços dos concorrentes diretos nas diferentes categorias
de produtos. Não reduza os preços de todos os produtos na tentativa de
ganhar mercado. É preciso conhecer os produtos capitães e aqueles que
possibilitam maiores margens
- Para formar o preço, tome cuidado para não trabalhar somente com a
margem de contribuição. É importante entender qual é o índice de preço do
mercado e adequar a sua precificação de acordo com o preço médio do
mercado
- Acompanhar as alterações de preços no mercado para verificar se
geraram efeitos positivos ou não
Fátima Fernandes - Jornalista especializada em economia e negócios e editora do site varejoemdia.com