Efetivada no último dia 28 de julho, por meio da Portaria nº 1.620 do Ministério da Infraestrutura, a publicação de um novo PDZ, Plano de Desenvolvimento e Zoneamento, para a região portuária de Santos e Baixada Santista, expôs à sociedade o que o governo pretende, de forma temerária, tomar como regra para o mais importante porto do país: favorecer a clusterização de mercadorias e privilegiar a produtividade, em detrimento da segurança e do meio ambiente.
Na busca da eficiência que garantirá maiores
lucros, o governo passou ao largo de questões fundamentais para a população,
começando pelo manuseio e armazenamento de materiais perigosos na região.
A proposta do novo PDZ inclui, por exemplo, o
aumento de até 50% da capacidade atual (contêineres, graneis, fertilizantes
etc.). Ainda segundo o PDZ, a expectativa é atingir a importação de até 17,2
milhões de toneladas de fertilizantes a serem recebidos na margem direita.
Ocorre que, em função dos riscos envolvidos, é
fundamental manter distâncias adequadas em relação a zonas urbanas densamente
povoadas, como a que temos hoje na região. Esse tipo de carga, com alto
potencial explosivo, exige análises e equacionamentos adequados para a
definição do local apropriado para armazenamento, que, invariavelmente, deve
manter uma distância segura. Em resumo, cargas perigosas devem ser movimentadas
e armazenadas longe de áreas densamente povoadas.
Entre as matérias-primas para fertilizantes, o
nitrato de amônio é o que oferece os maiores riscos por se tratar de material
fortemente oxidante e explosivo. É um elemento que causa vários efeitos
toxicológicos aos humanos, afetando o trato respiratório, sistema nervoso
central e ocasionando problemas cardíacos e dermatológicos, além de ter
potencial carcinogênico. É a mesma substância que causou enormes estragos e
vitimou várias pessoas após uma explosão, em agosto do ano passado, no porto de
Beirute.
O nitrato de amônio é capaz de produzir ainda
vários danos ambientais, acarretando distúrbios nas populações aquáticas e
extensas contaminações dos lençóis freáticos. Outra preocupação é a de que a
substância – seja por meio de transbordamentos, arraste por chuvas ou dispersão
por ventos – possa atingir o canal de Santos e os mangues ali existentes.
Em nome de comunidades do Guarujá, Vicente de
Carvalho e Baixada Santista, a Associação Guarujá Viva – Aguaviva se reuniu com
o Ministério Público Estadual para tratar de uma agenda propositiva sobre o
assunto e encaminhou a abertura de um inquérito civil para apurar os riscos de
uma expansão desmedida do armazenamento de matérias-primas consideradas
perigosas no porto de Santos, principalmente aquelas utilizadas na produção de
fertilizantes.
A solicitação foi entregue juntamente com um
extenso laudo sobre essa ampliação pretendida para ocorrer na área de
Outeirinhos. O documento foi concluído em setembro do ano passado por uma
equipe multidisciplinar, e traz informações e análises muito importantes sobre
os impactos e incompatibilidades de tal operação na região.
O objetivo de se estabelecer essa agenda
propositiva, municiada por informações qualificadas, é incentivar uma
abrangente discussão do assunto pela comunidade técnica para garantir a segurança
e a sustentabilidade no porto de Santos.
Entendemos que o complexo portuário de Santos tem
de cumprir seu papel de maior porto do país, com a ampliação e modernização
necessárias para o futuro; e que a importação e distribuição de fertilizantes é
essencial ao agronegócio e à economia do país. Além disso, é notório que a
organização setorial em “clusters” é benéfica às operações portuárias.
Mas entendemos também que o progresso portuário
precisa ocorrer em harmonia com as necessidades e os anseios da cidade e seus
cidadãos. Portanto, precauções devem ser tomadas para o perfeito atendimento
das leis, portarias e normas vigentes, a fim de se estimular o progresso do
país sem, todavia, ultrapassar os direitos legítimos dos cidadãos.
O debate sobre o futuro do porto de Santos é um
exemplo dessa encruzilhada, que irá decidir entre o progresso sustentável ou a
ameaça iminente às vidas e às reservas naturais de nosso país.
José Manoel Ferreira Gonçalves - engenheiro,
presidente da Ferrofrente (Frente Nacional pela Volta das Ferrovias) e da
AGUAVIVA – Ação Guarujá Viva.