Pesquisar no Blog

quinta-feira, 25 de outubro de 2018

Estruturação jurídica de sistemas de franchising

A economia é dinâmica e a criação de novos negócios é constante. No setor de franchising observamos atualmente taxas de crescimento e a exploração de novos nichos, mesmo no persistente cenário de crise no Brasil. Agrega-se a isto o potencial de diversificação por força da internet e startups. Por tais razões, hoje em dia é comum nos depararmos com modelos de franquias não tradicionais, tais como, fintechs, jogos eletrônicos e aluguel de bicicletas.

Cabe registrar que o franchising continua moderno, na medida em que envolve empreendedorismo, valorização das relações interpessoais (vide relação  franqueador – franqueado), trabalho em rede, invenções, entre outros elementos, temas estes debatidos atualmente nas melhores escolas de negócios.    Sem qualquer dúvida, estes novos negócios devem ser incentivados, vez que levam modernidade para economia brasileira, geram competição, desenvolvem tecnologias, acarretando em benefícios para a sociedade.

Em qualquer formatação de negócio é fundamental estabelecer a sua base legal, bem como dar a devida formalização na criação da companhia e nas suas relações com terceiros. O enquadramento correto evita a exposição a riscos e possibilita que o agente econômico se beneficie de eventuais vantagens concedidas pela legislação (por exemplo, a configuração em termos de sistema de franquia protege o detentor da marca de dívidas de seus franqueados e vice-versa).

Ponto a ser destacado cuida das complexas, densas e “kafkianas” normas contábeis-tributárias brasileiras, as quais compõem de forma significativa o chamado “custo Brasil”. Ou seja, fundamental que o negócio seja adequadamente formatado na ótica jurídica, com o objetivo de evitar problemas contábeis-tributários, tão comuns nos Brasil mesmo para aqueles que se prestam a tentar cumprir todas as regras. 

Necessário esclarecer que a definição da base legal não é facultativa ou opcional, isto é, dependerá da natureza e das reais atividades exercidas pela empresa. Neste sentido, nem todos os negócios podem ser formatados como franquia, cujos requisitos se encontram dispostos no artigo 2º, da Lei 8.955/94. As vezes o negócio cuida de mero licenciamento (por exemplo, de softwares). Em outras aplica-se a Lei de Representação, em vista das atividades exploradas envolverem a intermediação de negócios.

Ademais, não é raro verificarmos sistemas híbridos, os quais os parceiros comerciais têm mais de uma relação contratual vigente ao mesmo tempo.






Daniel Alcântara Nastri Cerveira - advogado, pós-graduado em Direito Econômico pela Fundação Getúlio Vargas – SP, sócio do escritório Cerveira Advogados Associados, professor do curso MBA em Gestão em Franquias e em Varejo da FIA – Fundação de Instituto de Administração – SP; de Pós-Graduação de Especialização em Direito Imobiliário da PUC-RJ; de Pós-Graduação em Direito Empresarial pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e autor do livro "Shopping Centers - Limites na liberdade de contratar", São Paulo, 2011, Editora Saraiva.

Voucher educacional: nem temporário, nem por sorteio

E se para aumentar a oferta de vagas da educação o governo criasse um programa de acesso ao ensino, no qual as famílias de baixa renda escolhessem uma escola particular para matricular seu filho? E se essa escola recebesse um pagamento mensal, ou pelo menos um benefício fiscal, por aluno matriculado? É mais ou menos assim que funciona o Programa Universidade para Todos (PROUNI), o mais elogiado e propalado programa educacional dos últimos 20 anos.

A proposta do voucher discutida na campanha eleitoral é baseada em um sorteio de vagas para famílias de baixa renda, com o objetivo de dar acesso à educação de qualidade. Em alguns estados e municípios, o voucher foi utilizado como medida temporária para suprir a escassez de vagas na rede pública, especialmente para educação infantil.

Nem temporário, nem por sorteio. O voucher educacional deveria ser pensado como estratégia definitiva para garantir o acesso à educação básica de qualidade e minimizar a desigualdade social. O Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) e o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (Saeb) mostram a diferença gritante entre a qualidade da rede pública e da rede particular. Essa distância acentua a desigualdade social do país e intensifica a necessidade de políticas compensatórias no ensino superior, como as cotas para universidades públicas. Ainda que tenham acesso ao ensino superior, a diferença de proficiência resultará em maior dificuldade de aprendizagem e menor taxa de permanência acadêmica pelos alunos provenientes da rede pública.

Outra vantagem do voucher educacional é o alívio nas contas públicas: o gasto com educação se tornaria uma despesa variável, de acordo com o número de alunos, e desoneraria as despesas fixas, como salários do funcionalismo. Além disso, reduziria a necessidade de investimento em construção de novas escolas e manutenção das existentes, que é a despesa mais sujeita à cortes nos apertos das crises econômicas.

O estado, como provedor de bens e serviços e fiscalizador de si mesmo, não funciona. Embora coloque metas de qualidade para as escolas públicas, em muitos municípios não há recursos suficientes para manter as condições mínimas de funcionamento exigidas em uma escola particular. Mas até o estado reconhece a deficiência da escola pública: a meta do Ideb para a rede particular é bastante superior à rede pública, na mesma proporção do desempenho apresentado. Se o estado utilizasse o poder de fiscalização para cobrar da iniciativa privada resultados que ele mesmo não consegue garantir, a educação teria mais qualidade, mesmo para as famílias de baixa renda.

O termo voucher educacional talvez não seja o mais adequado para expressar a proposta. Mas, por se tratar de uma medida que mexe com o funcionalismo público, nem mesmo um nome bonito e sonoro geraria simpatia por parte dos “filhos” do Estado.





Leide Albergoni - professora da Universidade Positivo (UP) e autora do livro Introdução à Economia – Aplicações no Cotidiano.


A seleção é "às cegas", mas no Brasil ela pode enxergar

A famosa seleção “às cegas” vem ganhando adeptos no Brasil e exterior, uma prática em princípio atraente, mas que graças à experiência que tenho na área de diversidade considero que deve ser avaliada tendo como base algumas questões como, por exemplo, qual o segmento da empresa, qual o estágio atual de amadurecimento de diversidade na empresa, quais grupos de diversidade se pretende incluir com este processo.

Acredito que em um país de dimensões continentais e com indicadores de desigualdade homéricos, a técnica de seleção de currículos às cegas – embora interessante e provocativa –, ainda não se consolidou como sendo o melhor caminho para a valorização da diversidade, ou para inclusão de todos os grupos diversos nos processos seletivos das grandes empresas.

No Brasil, por uma série de fatores, históricos sociais, culturais e econômicos em geral as grandes empresas têm trabalhado 6 grupos de diversidade: Mulheres, Negros, Pessoas com deficiência, LGBTI+, Gerações (idosos e jovens) e religião. Grupos que exigem técnicas e métodos por vezes iguais, por vezes distintos, para assegurar o avanço da agenda de inclusão. A seleção às cegas, por exemplo, pode funcionar de forma mais eficaz para um desses grupos e ser menos eficaz para outro. Não há uniformidade na diversidade.

Ao longo dos últimos anos tenho acompanhado os processos de seleção às cegas, e mais recentemente, em 2014, o método de seleção com currículos às cegas começou a despontar com maior ênfase no cenário internacional.

Esses processos começaram na Europa. Veja bem, continente que tem países com dimensões bem menores que o Brasil e um perfil de desigualdade econômica muito diferente do nosso. 

Na França em 2006 foi aprovada uma Lei tornando normativa às empresas com mais de 50 funcionários adotar o método de currículo às cegas, mas só em 2014 entrou em vigor. Em 2015 o governo Britânico também passou a adotar esse processo.

Além disso, Espanha, Reino Unido, Finlândia Holanda e Suécia são alguns dos países onde as empresas voluntariamente estão adotando essa prática.

No entanto, é generalizado que estudos falando dessas iniciativas fora do país apontem mais para a patologia, ou seja, os grandes índices de desigualdade e/ou mesmo indicadores que comprovam a discriminação no processo de seleção, do que para a efetividade da cura.

Pensar esse método no Brasil é bem complexo. Sabemos, por exemplo, que devido a questão da renda, uma grande quantidade de negros no país acaba ingressando em faculdades que não são consideradas tradicionais ou como dizem alguns “de segunda linha”.

Lembremos que nos Estados Unidos e na África do Sul, por exemplo, devido ao histórico de aplicação de ações afirmativas, nos EUA desde 1964 e na África a partir 1994, há uma lacuna menor entre brancos e negros quando falamos de renda e escolaridade. No Brasil, no entanto, há um abismo muito maior. Por isso, a importância de ações afirmativas, ou seja, direcionadas para esse público são muito relevantes.

Provavelmente um processo seletivo às cegas, que não considere o esforço de trazer pessoas de diferentes etnias e capte somente currículos de faculdades reconhecidas e tradicionais automaticamente deixará a população negra de fora da seleção, logo no início do processo.

Outro exemplo que gosto de mencionar. Durante cinco anos fui gestora em uma multinacional, lembro que quando abriam vagas na minha área eu solicitava ao departamento de Recursos Humanos, que gostaria de receber currículos de profissionais das ditas faculdades de “segunda linha”. No entanto, os profissionais da área de Recursos Humanos nunca me enviavam esse perfil diversificado de currículos sobre o prisma da faculdade do candidato. Sendo assim, imaginem quantos profissionais ficaram de fora da seleção só por não ter um nome de peso na graduação?

Outra questão, no Brasil empresas com mais de 1001 funcionários devem ter 5% de pessoas com deficiência. Como ficaria esse esforço coordenado? Para mulheres, considerando um homem e uma mulher exatamente com as mesmas oportunidades talvez funcionasse melhor, mas ainda assim há a preocupação de como seria a ação afirmativa no final do processo. Digo, o gestor que faz a seleção final está capacitado para a valorização da diversidade? Para avaliar qual o melhor funcionário sem ser discriminatório? Sem vieses?

Além disso, quais são os principais dilemas que envolvem o público de Negros, LGBT+, gerações e religiões? Conheço casos reais de pessoas que deixaram de ser contratadas pela empresa porque “tinham uma voz homossexual”, no caso LGBT+. Sendo assim, a “seleção às cegas” sem antes uma preocupação das empresas em capacitar o recrutador para pôr em prática gestão para a diversidade, acaba por não atender a esses entraves.

Em resumo, acredito que algumas empresas no Brasil podem realizar o processo de seleção às cegas em formato piloto, para termos grupos de controle, com a seleção às cegas e sem a seleção às cegas. E aí sim, avaliarmos como o método se aplica, ou não, à realidade brasileira. Mas de saída afirmo, esse método sozinho no Brasil, sem um olhar mais cuidadoso e complexo, não só não resolve o problema como pode agravá-lo.

Para comprovar a eficácia do métodode seleção de CV às cegas, acredito ser interessante, ter conhecimento de algum profissional negro ou PCD que tenha ingressado em uma grande empresa através desse processo. Desconheço casos assim.

Inovações podem e dever ser testadas, mas acima de tudo um processo de educação para a valorização da diversidade e desenvolvimento humano (individual e coletivo) são a chave para o sucesso na construção de quadros corporativos que expressem com fidelidade a demografia do país.





Liliane Rocha - CEO e Fundadora da Gestão Kairós – consultoria especializada em Sustentabilidade e Diversidade. Autora do livro “Como ser um líder inclusivo”. Mestre em Políticas Públicas pela FGV, MBA Executivo em Gestão da Sustentabilidade na FGV, Especialização em Gestão Responsável para Sustentabilidade pela Fundação Dom Cabral, Mestre em Coaching pela Sociedade Brasileira de Coaching, graduada em Relações Públicas na Cásper Líbero. www.gestaokairos.com.br


Posts mais acessados