A famosa seleção
“às cegas” vem ganhando adeptos no Brasil e exterior, uma prática em princípio
atraente, mas que graças à experiência que tenho na área de diversidade
considero que deve ser avaliada tendo como base algumas questões como, por
exemplo, qual o segmento da empresa, qual o estágio atual de amadurecimento de
diversidade na empresa, quais grupos de diversidade se pretende incluir com
este processo.
Acredito que em um
país de dimensões continentais e com indicadores de desigualdade homéricos, a
técnica de seleção de currículos às cegas – embora interessante e provocativa
–, ainda não se consolidou como sendo o melhor caminho para a valorização da
diversidade, ou para inclusão de todos os grupos diversos nos processos
seletivos das grandes empresas.
No Brasil, por uma
série de fatores, históricos sociais, culturais e econômicos em geral as
grandes empresas têm trabalhado 6 grupos de diversidade: Mulheres, Negros,
Pessoas com deficiência, LGBTI+, Gerações (idosos e jovens) e religião. Grupos
que exigem técnicas e métodos por vezes iguais, por vezes distintos, para
assegurar o avanço da agenda de inclusão. A seleção às cegas, por exemplo, pode
funcionar de forma mais eficaz para um desses grupos e ser menos eficaz para
outro. Não há uniformidade na diversidade.
Ao longo dos
últimos anos tenho acompanhado os processos de seleção às cegas, e mais
recentemente, em 2014, o método de seleção com currículos às cegas começou a
despontar com maior ênfase no cenário internacional.
Esses processos
começaram na Europa. Veja bem, continente que tem países com dimensões bem
menores que o Brasil e um perfil de desigualdade econômica muito diferente do
nosso.
Na França em 2006
foi aprovada uma Lei tornando normativa às empresas com mais de 50 funcionários
adotar o método de currículo às cegas, mas só em 2014 entrou em vigor. Em 2015
o governo Britânico também passou a adotar esse processo.
Além disso,
Espanha, Reino Unido, Finlândia Holanda e Suécia são alguns dos países onde as
empresas voluntariamente estão adotando essa prática.
No entanto, é
generalizado que estudos falando dessas iniciativas fora do país apontem mais
para a patologia, ou seja, os grandes índices de desigualdade e/ou mesmo
indicadores que comprovam a discriminação no processo de seleção, do que para a
efetividade da cura.
Pensar esse método
no Brasil é bem complexo. Sabemos, por exemplo, que devido a questão da renda,
uma grande quantidade de negros no país acaba ingressando em faculdades que não
são consideradas tradicionais ou como dizem alguns “de segunda linha”.
Lembremos que nos
Estados Unidos e na África do Sul, por exemplo, devido ao histórico de
aplicação de ações afirmativas, nos EUA desde 1964 e na África a partir 1994,
há uma lacuna menor entre brancos e negros quando falamos de renda e
escolaridade. No Brasil, no entanto, há um abismo muito maior. Por isso, a
importância de ações afirmativas, ou seja, direcionadas para esse público são
muito relevantes.
Provavelmente um processo
seletivo às cegas, que não considere o esforço de trazer pessoas de diferentes
etnias e capte somente currículos de faculdades reconhecidas e tradicionais
automaticamente deixará a população negra de fora da seleção, logo no início do
processo.
Outro exemplo que
gosto de mencionar. Durante cinco anos fui gestora em uma multinacional, lembro
que quando abriam vagas na minha área eu solicitava ao departamento de Recursos
Humanos, que gostaria de receber currículos de profissionais das ditas
faculdades de “segunda linha”. No entanto, os profissionais da área de Recursos
Humanos nunca me enviavam esse perfil diversificado de currículos sobre o
prisma da faculdade do candidato. Sendo assim, imaginem quantos profissionais
ficaram de fora da seleção só por não ter um nome de peso na graduação?
Outra questão, no
Brasil empresas com mais de 1001 funcionários devem ter 5% de pessoas com
deficiência. Como ficaria esse esforço coordenado? Para mulheres, considerando
um homem e uma mulher exatamente com as mesmas oportunidades talvez funcionasse
melhor, mas ainda assim há a preocupação de como seria a ação afirmativa no
final do processo. Digo, o gestor que faz a seleção final está capacitado para
a valorização da diversidade? Para avaliar qual o melhor funcionário sem ser
discriminatório? Sem vieses?
Além disso, quais
são os principais dilemas que envolvem o público de Negros, LGBT+, gerações e
religiões? Conheço casos reais de pessoas que deixaram de ser contratadas pela
empresa porque “tinham uma voz homossexual”, no caso LGBT+. Sendo assim, a “seleção
às cegas” sem antes uma preocupação das empresas em capacitar o recrutador para
pôr em prática gestão para a diversidade, acaba por não atender a esses
entraves.
Em resumo, acredito
que algumas empresas no Brasil podem realizar o processo de seleção às cegas em
formato piloto, para termos grupos de controle, com a seleção às cegas e sem a
seleção às cegas. E aí sim, avaliarmos como o método se aplica, ou não, à
realidade brasileira. Mas de saída afirmo, esse método sozinho no Brasil, sem
um olhar mais cuidadoso e complexo, não só não resolve o problema como pode
agravá-lo.
Para comprovar a
eficácia do métodode seleção de CV às cegas, acredito ser interessante, ter
conhecimento de algum profissional negro ou PCD que tenha ingressado em uma
grande empresa através desse processo. Desconheço casos assim.
Inovações podem e
dever ser testadas, mas acima de tudo um processo de educação para a
valorização da diversidade e desenvolvimento humano (individual e coletivo) são
a chave para o sucesso na construção de quadros corporativos que expressem com
fidelidade a demografia do país.
Liliane Rocha - CEO e
Fundadora da Gestão Kairós – consultoria especializada em Sustentabilidade e
Diversidade. Autora do livro “Como ser um líder inclusivo”. Mestre em
Políticas Públicas pela FGV, MBA Executivo em Gestão da Sustentabilidade na
FGV, Especialização em Gestão Responsável para Sustentabilidade pela Fundação
Dom Cabral, Mestre em Coaching pela Sociedade Brasileira de Coaching, graduada
em Relações Públicas na Cásper Líbero. www.gestaokairos.com.br