Em decorrência da ação humana, a maior floresta tropical do mundo já perdeu 30% de sua capacidade de reter CO2. Tema foi debatido em webinário promovido pela Aciesp em homenagem aos 60 anos da FAPESP (foto: Vinícius Mendonça/Ibama)
Desde o início deste século, a
Amazônia já perdeu cerca de 30% de sua capacidade de reter dióxido de carbono
(CO2), um dos principais gases de efeito estufa. Se for mantida a atual
política, que favorece ou até mesmo promove o desflorestamento e a degradação
das áreas remanescentes, essa capacidade pode zerar até o final da próxima
década, com a Amazônia deixando de ser um sumidouro para se tornar um emissor
de carbono.
O alerta foi feito pelo
pesquisador David Montenegro Lapola,
do Centro de Pesquisas Meteorológicas e Climáticas Aplicadas à Agricultura da
Universidade Estadual de Campinas (Cepagri-Unicamp), no dia 6 de julho, em
webinário promovido pela Academia de Ciências do Estado de São Paulo (Aciesp)
para celebrar os 60 anos da FAPESP.
Além do
desflorestamento, há um outro fator de impacto, menos conhecido, que é a
degradação da floresta remanescente. “Considerando a degradação por seca, a
degradação por fogo, a degradação por corte seletivo de madeira e a degradação
pelo chamado efeito de borda, de 4% a 38% da floresta remanescente já se
encontra degradada, com emissões de CO2 equivalentes ou até maiores do que as
das áreas desmatadas”, disse Lapola, enfatizando a necessidade de um novo
paradigma de desenvolvimento capaz de reverter o curso da destruição e salvar a
floresta.
Em março deste ano, na 26ª
Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP26), o ministro do
Meio Ambiente, Joaquim Leite, declarou que o governo brasileiro havia escolhido
ir além das leis e políticas existentes e se comprometia a eliminar o
desflorestamento ilegal da Amazônia até 2028. No entanto, dados divulgados pelo
Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) indicam que, apenas no
primeiro semestre de 2022, 3.971 quilômetros quadrados (km2) da Amazônia Legal foram destruídos. O desmatamento
registrado em junho deste ano foi o maior para o mês desde que o instituto
iniciou o monitoramento, em agosto de 2015. Aproximadamente 90% desse
desflorestamento é desmatamento ilegal.
Os estudos mais consistentes mostram
que conter o aquecimento global abaixo de 2 oC, preferencialmente
em até 1,5 oC, comparativamente aos níveis
pré-industriais, é a única maneira de evitar a catástrofe climática. E essa
orientação foi consignada pelo Acordo de Paris, que entrou em vigor no final de
2016. Passados mais de cinco anos, porém, os dados mostram que estamos indo
para um aumento de 3 oC, com uma
notável irresponsabilidade de vários governos e a indiferença de boa parte da
população.
A
implementação das metas acordadas em Paris depende das Contribuições
Nacionalmente Determinadas (NDCs, conforme as letras iniciais da expressão em
inglês) de cada país signatário do acordo. Na primeira versão da NDC
brasileira, ainda de 2015, o país assumiu a meta de reduzir suas emissões de
gases de efeito estufa (GEE) em 37% até 2025 e em 43% até 2030, tomando como
base as emissões de 2005. Na revisão da NDC, publicada no final de 2020, esses
percentuais foram mantidos, mas os valores considerados como base de cálculo
foram mais altos do que os utilizados na NDC original. Ou seja, não apenas
deixou-se de melhorar as metas, como seria desejável, mas também foi embutido,
sob os números apresentados, um aumento real das emissões. A promessa feita
pelo ministro na COP26, de reduzir em 50% as emissões de GEE até 2030, não
encontra, portanto, respaldo em medidas concretas.
A maior ameaça da história
Intitulado “Mudanças climáticas globais: seus
impactos e estratégias de mitigação e adaptação”, o
webinário organizado pela Aciesp teve o objetivo de apresentar e discutir o
segundo capítulo do livro FAPESP 60 Anos: A ciência no
desenvolvimento nacional.
A abertura foi feita por Adriano Andricopulo,
diretor-executivo da Aciesp, Luiz Eugênio Mello, diretor
científico da FAPESP, e Paulo Artaxo,
integrante do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC),
vice-presidente da Aciesp e membro da coordenação do Programa FAPESP de
Pesquisa sobre Mudanças Climáticas Globais (PFPMCG).
Além de Lapola, participaram como
palestrantes Gabriela Marques Di Giulio,
da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (FSP-USP); Pedro Leite da Silva Dias,
do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG) da USP;
e Mercedes Bustamante,
do Instituto de Ciências Biológicas da Universidade de Brasília (ICB-UnB).
As
dimensões humanas das mudanças climáticas foram objeto da intervenção de Di
Giulio, que tratou de como as sociedades devem estruturar suas políticas
públicas para responder aos riscos sociais em curso. “Há uma necessidade de
mudanças transformativas em todas as dimensões – principalmente de uma urgente
substituição desse modelo predatório de espoliação da natureza por um modelo
baseado na solidariedade, no respeito à diversidade biológica e na justiça
social”, afirmou a pesquisadora, lembrando que, atualmente, há quase 35 milhões
de brasileiros sem acesso à água tratada e cerca de 100 milhões sem acesso à
coleta de esgoto.
“Outro
desafio é o da segurança alimentar, neste momento em que o Brasil volta com
muita força a estar presente no mapa da fome da Organização das Nações Unidas
(ONU). Há mais de 125 milhões de brasileiros e brasileiras em insegurança
alimentar e mais de 33 milhões em situação de fome”, informou.
Silva Dias
tratou dos desafios da modelagem diante da extrema complexidade do sistema
climático e das influências antropogênicas. “Há duas formas principais para
entender os mecanismos responsáveis pela variabilidade do clima e o potencial
papel do homem: a modelagem climática de um sistema extremamente complexo e a
análise observacional do período e de estimadores do clima passado, o
paleoclima. Os dois são complementares e devem caminhar juntos”, falou,
destacando que é preciso cotejar e selecionar os melhores modelos, que sejam
capazes de reproduzir bem o clima atual.
Bustamante associou dois processos
extremamente importantes em curso, as mudanças climáticas e o declínio da
biodiversidade, ressaltando que a elevação de cada fração de grau implica a
intensificação dos eventos climáticos extremos, com múltiplos riscos, e que os
impactos serão enormes se o aquecimento global exceder 1,5 oC. “O aquecimento global representa a maior ameaça à
diversidade biológica na história humana”, disse.
A
pesquisadora lembrou que o Brasil possui extraordinários ativos ambientais, que
deveriam ser a oportunidade para uma nova agenda de desenvolvimento. Bem o
contrário do que está sendo feito.
O webinário “Mudanças climáticas
globais: seus impactos e estratégias de mitigação e adaptação” pode ser
assistido na íntegra em: www.youtube.com/watch?v=0XEw7wATBWs.
José Tadeu
Arantes
Agência
FAPESP
https://agencia.fapesp.br/amazonia-degradacao-da-floresta-remanescente-pode-emitir-tanto-ou-mais-carbono-que-o-desmatamento/39106/