Rafael Humberto Galle destaca que muitos setores de fato se
beneficiaram das medidas do governo federal para mitigar os efeitos da
Covid-19, no entanto, outros alegaram que as ações apenas postergaram o
problema
Muitas medidas direcionadas às relações de trabalho foram
adotadas pelo governo federal para mitigar os efeitos da pandemia de Covid-19
na economia nacional, bem como para criar meios de proteção ao empregador e ao
empregado. Para o advogado trabalhista Rafael Humberto Galle muitos setores de
fato se beneficiaram das medidas, no entanto, outros alegaram que as ações
apenas postergaram o problema.
Para Galle, o momento é único e trouxe inúmeros reflexos às
relações de emprego, mas sem dúvidas, o mais cruel deles é o desemprego. “Hoje
é necessário um esforço conjunto entre empregado, empregador e Estado para que
empresas superem a pandemia sem que seja necessário demitir seus colaboradores”.
O advogado acredita que a tendência pós-pandemia é que as
relações de emprego se tornem gradualmente mais flexíveis, porém, sem que
percam o necessário protecionismo estatal em relação aos direitos fundamentais
do trabalhador. “Dar mais flexibilidade às relações de emprego não significa
subtrair direitos ou prejudicar o trabalhador frente ao seu empregador, mas
possibilitar às partes mais liberdade para negociar individualmente questões
relacionadas ao exercício da atividade laboral”, pontua Galle.
Ainda em relação ao cenário pós-pandemia, Galle observa que
muitas empresas estão anunciando que irão manter colaboradores atuando em home
office, pois o custo operacional com um empregado nesse sistema, certamente é
menor do que com aquele que trabalha em jornada 100% presencial. “Mas é
necessário esclarecer que, apesar de o empregador deter o poder de direção,
regulamentação, fiscalização e disciplinamento da economia e atividades
internas, deve adotar medidas razoáveis, observando as garantias fundamentais
do empregado, em consonância com a legislação trabalhista”, frisa Galle.
O advogado assegura que, mesmo que a empresa, com a concordância
por parte do empregado, opte pela manutenção das atividades em home-office,
tanto a remuneração quanto os benefícios continuarão sendo concedidos como eram
antes, exceto o Vale-Transporte, vez que o empregado não mais terá que se
deslocar entre a sua casa e o local de trabalho.
Programa Emergencial
Galle ressalta que o programa emergencial de manutenção do
emprego e renda, instituído pela Medida Provisória 936/2020 e, posteriormente,
transformado na Lei nº 14.020 de 2020, possibilitou a empregadores que
reduzissem proporcionalmente a jornada e o salário ou suspendessem o contrato
de trabalho dos seus colaboradores mediante acordo individual, ou seja, sem a
necessidade de intervenção dos sindicatos representativos das categorias
laborais. Ele lembra que essas medidas são válidas apenas durante o estado de
calamidade pública e da emergência de saúde pública, e que “sem dúvida, foi a
mais importante apresentada pelo Governo Federal”, porém, não foi a única, e
citou as medidas provisórias 927/2020 e 944/2020.
A primeira trouxe regras de flexibilização quanto ao
teletrabalho, antecipação de férias individuais, concessão de férias coletivas,
aproveitamento e a antecipação de feriados, banco de horas, suspensão de
exigências administrativas em segurança e saúde do trabalho, direcionamento do
trabalhador para qualificação e, o diferimento do recolhimento do FGTS; e a
segunda instituiu o programa emergencial de suporte a empregos. “Ambas foram
muito utilizadas, especialmente pelo pequeno e médio empregador”, avalia.
Segundo ele, as medidas propostas na MP 927/2020 merecem uma
atenção especial. “Mesmo que sua vigência já tenha sido encerrada, é preciso
que o Congresso olhe com um pouco mais de carinho para a flexibilização
consciente das relações de emprego, facilitando assim, que na ocorrência de
fatos alheios a vontade do empregador e do empregado, seja mais fácil e menos
burocrático adotar medidas de enfrentamento que sejam eficientes ao empregador
e não impliquem em prejuízos ao empregado”, observa.
Ainda sobre a Lei 14.020 de 2020, Galle comenta que devido à
flexibilização das regras de distanciamento social, inevitavelmente, os
trabalhadores de setores como do turismo, gastronomia, entretenimento, comércio
de shopping e outros retomarão as suas rotinas laborais ordinárias, com
reestabelecimento de jornada e salário integrais. “Porém, em contrapartida,
estes segmentos econômicos continuarão retraídos, haja vista que os
consumidores não irão a retomar o consumo em um passe de mágica; portanto,
levará tempo até que estas empresas voltem a faturar como antes da pandemia”,
afirma.
Para o advogado, o resultado dessa equação, sem sombra de
dúvidas, será um volume alto demissão sem o pagamento correto das verbas
rescisórias, considerando a garantia provisória do emprego, o que por sua vez,
resultará no aumento de demanda para a justiça do trabalho, que, provavelmente,
terá que julgar muitos processos relacionados a diferenças de verbas
rescisórias e multas dos artigos. 467 e 477, fora outros pedidos relativos ao
contrato de trabalho como um todo.
“Porém, levando em consideração que a pandemia trouxe um cenário
novo e sem precedentes para as relações de emprego, as medidas adotadas pelo
Governo Federal serviram, pelo menos até o momento, para evitar um aumento
ainda mais acentuado nos números do desemprego, e isso merece ser reconhecido”,
pondera Galle.
Finalizando, Galle afirma que sempre haverá cenário para o
litígio judicial, tanto é que diversos sindicatos representativos de categorias
profissionais e partidos políticos já ingressaram com ADI’s (Ação Direta de
Inconstitucionalidade) contra as medidas apresentadas pelo governo federal. Ele
explica que em relação a ações individuais, o empregado poderá buscar o
Judiciário quando o empregador violar a legislação com o objetivo de lesar os
seus direitos trabalhistas.
Rafael Humberto Galle – advogado,
especialista em Direito do Trabalho pela Academia Brasileira de Direito
Constitucional – ABDConst, pós-graduando em Advocacia Trabalhista na Escola
Superior de Advocacia Nacional - ESA, sócio do GMP|GC Advogados Associados,
coordenador do núcleo de assessoria e consultoria trabalhista e do núcleo de
Assessoria e compliance trabalhista. Membro da Associação de Advogados
Trabalhistas do Paran e da Comissão dos Advogados Representantes da Subseção de
São José dos Pinhais no Foro Regional de Piraquara.